Mais de 2.500 moradores de Itaúna, cidade do Centro-Oeste de Minas, aguardam na fila cirurgias eletivas que poderiam estar sendo realizadas desde o final de junho. Enquanto a fila de espera aumenta e os problemas dos pacientes se agravam, a secretaria de saúde de Itaúna e o Hospital Manoel Gonçalves, que atende o município, estão em uma negociação que se arrasta por meses.
Cirurgias eletivas são os procedimentos cirúrgicos que não são de urgência, mas podem se agravar à medida que o tempo passa. As cirurgias deste tipo foram suspensas em Minas Gerais no início da pandemia, retomadas por um período entre outubro e fevereiro de 2020, e suspensas novamente de fevereiro a junho. Itaúna reúne condições favoráveis para a realização das cirurgias desde o dia 24 de junho, de acordo com as normas específicas do governo estadual determinadas pelo programa Minas Consciente.
Desde então, o secretário de saúde de Itaúna, Fernando Meira, negocia com o Hospital Manoel Gonçalves, uma instituição filantrópica, a retomada das cirurgias pela Casa de Caridade. De acordo com o secretário de saúde, o hospital alega dificuldade de arcar com os custos dos procedimentos.
"Eles alegam que o aumento de custos de materiais médico-hospitalares durante a pandemia inviabiliza a realização das cirurgias mesmo com os incentivos promovidos pela União e pelo município, majorando os valores de base do SUS", afirmou à reportagem Fernando Meira.
O secretário afirma ainda que foi oferecido ao hospital um valor duas vezes maior do valor original da tabela do SUS para cada cirurgia que a instituição está habilitada a realizar.
"Por exemplo (valores fictícios). Uma colecistectomia por videolaparoscopia (retirada da vesícula biliar) é remunerada em R$ 100 pelo SUS. A União publicou uma portaria de incentivo acrescentando mais 100% nesse valor. O município tem convênio com o hospital que possibilita o pagamento de mais 100% do valor original. Total: R$ 300", explica o secretário em valores hipotéticos (confira abaixo como ficaria a proposta em valores reais para uma cirurgia de mioma).
Fernando Meira tem esperança de terminar as negociações com o Hospital Manoel Gonçalves até o final desta semana. "Estamos aguardando ainda um ok do Hospital Manoel Gonçalves pra gente poder retornar com a realização das cirurgias eletivas. Esperamos até o final desta semana, se Deus permitir, terminar as tratativas lá e assim que possível reiniciar as cirurgias eletivas".
Questionado sobre as declarações do secretário de saúde, o hospital nega que tenham recusado a realização de cirurgias eletivas. "Não é verdade essa recusa do HMG. O Hospital Manoel Gonçalves só pediu um prazo para levantar os custos, nós já temos inclusive a relação de cirurgias a serem executadas. Sendo assim, até amanhã iremos encaminhar a relação para a Secretaria Municipal de Saúde", informou à reportagem a diretoria da unidade de saúde, por meio da assessoria de marketing.
Sofrimento e resignação
Enquanto a burocracia e as questões financeiras são discutidas pelas instituições, os pacientes têm de lidar com questões cada vez mais complicadas à medida que o tempo passa. "Eu estou com um mioma (tipo de tumor benigno que se forma no útero) que a cada dia cresce mais. Estou convivendo com isso desde o início de 2019 quando descobri o problema", inicia um paciente que prefere não ser identificado.
"Em 2020, no início do ano, a médica que me atende me disse que teria que fazer cirurgia e encaminhou o pedido pra prefeitura. No final de 2020, o mioma já estava bem maior e ela fez outro pedido de cirurgia desta vez pedindo urgência na realização. O mioma está tão grande que pressiona a minha bexiga, me incomoda para dormir pois em determinadas posições que deito ele aperta todos os meus órgãos internos", complementa.
"A médica disse, no final do ano passado, que meu mioma já estava do tamanho de uma gravidez de cinco meses. Desde então ele vem aumentando e não consigo nenhuma resposta da prefeitura a não ser que tenho que esperar pois não estão fazendo cirurgia. Já pensou o que é isso? Você carregar na barriga uma bola do tamanho e peso de uma gravidez por quase dois anos sem estar grávida? Eu não tenho condições de pagar pra fazer essa cirurgia, então tenho que esperar a boa vontade dos órgãos públicos", completa a paciente.
São mais de 2.500 pessoas aguardando por uma cirurgia eletiva na cidade, segundo a gestão municipal. "São diversos tipos de cirurgias, diversas especialidades, cirurgia geral, ortopedia, otorrino, vascular... É difícil até falar de quantidade pois é um número que varia a cada dia, a cada semana tem acréscimo de mais pessoas precisando de procedimentos cirúrgicos de baixa complexidade", explica Fernando Meira.
Estão na fila, além de pessoas que precisam fazer a retirada de um mioma, pessoas que precisam de retirada de vesícula biliar, reparação de hérnias, retirada de pedras nos rins entre outras especialidades.
"Habitualmente já havia uma fila de espera, mas a paralisação das cirurgias desde o ano passado pelo SUS realmente impactou na realização das mesmas e aumentou ainda mais esse tempo de espera. A dificuldade é maior ainda quando dependemos de transferências para outras cidades, no nosso caso a maioria para Divinópolis e Belo Horizonte. Nestes casos temos pacientes aguardando desde 2016 e 2017", relata o secretário de saúde de Itaúna.
Valores defasados
O que pode se observar na tabela de valores do SUS é que os valores oferecidos é bem defasado em relação aos custos praticados para pagamento particular.
No caso da cirurgia de mioma, da paciente citada na matéria, o valor coberto pelo SUS é de apenas R$ 528,94 (não incluído o valor da anestesia). No caso do acordo oferecido pela prefeitura de Itaúna, este valor seria o triplo, ou seja, R$ 1.586,82. Para realizar uma cirurgia deste porte com pagamento particular o valor estimado é de cerca de R$ 10.000,00.