Lidar com as reações e o estresse emocional na volta às aulas presenciais não tem sido uma tarefa fácil para crianças, adolescentes e pais, no contexto de situações delicadas que a pandemia de COVID-19 já impõe há cerca de um ano e sete meses. O arsenal de protocolos sanitários para evitar a contaminação pelo coronavírus se transformou em gatilho para ansiedade, incertezas e insegurança. Diante de tantas novidades, é preciso considerar o quanto o aspecto emocional é afetado por todas essas alterações.
Leia Mais
Homem é preso após ser flagrado dizendo pornografia para neta de 6 anosHomem morre preso às ferragens após carro que conduzia capotar na BR-267Uberaba aumenta para 50% da capacidade do público em igrejas e cinemasPolêmica: cresce pressão por vacinas em adolescentes em Belo Horizonte e MGSão Bartolomeu: por que Minas pode ter uma das melhores vilas turísticas“Tudo isso foi muito prejudicial para crianças e adolescentes, que se queixam da pouca absorção de conteúdo no modelo de ensino não presencial”, observa a psicóloga. Para Marli Cunha, voltar ao convívio com os amigos e às atividades escolares de forma presencial seria quase como restabelecer a identidade das crianças e adolescentes, pois muitos ficaram comprometidos emocionalmente.
Victor Hipólito, de 16 anos, recorda o sentimento de tristeza, durante o começo da crise sanitária e diz que teve um princípio de depressão. Ainda hoje, frequenta sessões de terapia. Ele cursa o segundo ano do ensino médio em uma escola em Belo Horizonte. Ao retornar às salas de aula, no início deste mês, conta que predominava a preocupação com as possibilidades de contaminação pelo coronavírus, principalmente depois que uma colega testou positivo e continuou comparecendo à escola.
Para Victor, a ansiedade surge diante dos riscos e de um ambiente de perigo. “A escola se organizou para evitar isso, e também depende dos alunos manter essa segurança. Muitos desistiram de retornar depois do que aconteceu com essa menina”, diz o adolescente.
Para os que preferem o ensino presencial, Victor considera que é uma situação peculiar. “Estão de novo na escola, saturados do ensino on-line, mas sabem dos riscos, e, nesse ponto, não há escolha. Isso é mais um motivo de desconforto”, acrescenta.
Depois de muito tempo de isolamento, a mãe de Victor, Maria Jovilene da Silva Reis, diz que a volta às aulas ocorre de forma cautelosa. Com a filha, Julia, de 14, uma dificuldade é se enturmar em uma nova escola. Apesar dos receios, para os adolescentes, o momento é de alegria nessa retomada. “Eles são cuidadosos, seguem todas as orientações da escola, mas o medo de se infectar continua. Mesmo assim, preferiram voltar à escola. É lá que constroem amizades, é um importante ambiente de convívio”, observa Jovilene.
No retorno à rotina escolar, a psicóloga Marli Cunha ensina os pais sobre os sinais aos quais devem estar atentos: inquietação, irritação, agitação maior do que era o normal antes da pandemia, alteração dos horários de dormir ou insônia e distúrbios do sono, aumento ou falta de apetite. “Também observamos crescimento de distúrbios alimentares, como compulsão alimentar. Como consequência, surgem aumento de peso e até obesidade, o que compromete a autoestima e questões ligadas à identidade corporal. Pais e professores devam estar atentos a qualquer manifestação fora do padrão de normalidade e buscar aconselhamento e ajuda profissional, caso isso aconteça”, orienta.
Vida nova
Davi Leitão, de 16, cursa o segundo ano do ensino médio na capital. Mudou de escola em 2020 e, com apenas dois meses de retorno, as aulas foram suspensas devido à pandemia. Nem mesmo houve tempo para conhecer os novos colegas. Ele voltou à escola, que agora adota o modelo híbrido de ensino – as aulas no sistema remoto ainda continuam.
Apesar da necessidade de se readaptar, Davi Leitão diz que adorou o retorno à escola e que não está enfrentando dificuldades na nova rotina. “Não é a mesma coisa, mas um passo a mais. Os colegas estão mais perto, conviver com os amigos é muito bom”, diz.
Na nova realidade da escola, o que não falta é protocolo. O número de alunos em sala diminuiu da média de 50 para 18. Usar máscara é obrigatório, e cada aluno deve levar sua garrafa de água, já que os bebedouros estão desativados. Totens de álcool em gel estão espalhados pelo prédio da instituição de ensino e a carga horária é menor. Os professores estão todos paramentados, com jalecos e outros itens de proteção.
Um desafio em particular para Davi foi se acostumar com o ensino on-line. O adolescente revela que não gosta desse modelo de aprendizado. “Já tem um ano e meio de aula on-line e não consegui me adaptar. Ficar em casa assistindo à aula não parece que você está na escola, não tem clima de sala de aula, fica difícil se concentrar.”
Cada um a seu tempo
Transtornos de ansiedade e casos que evoluíram para condições mais graves, como síndrome de pânico, por exemplo, são alguns dos desequilíbrios emocionais e psíquicos observados depois da pandemia de COVID-19 pela psicóloga clínica Marli Cunha, do Hospital Casa de Saúde Guarujá (HCSG). “De fato, os distúrbios foram intensificados”, confirma. Ela identifica como uma dificuldade no retorno às aulas a necessidade de readequação à rotina e aos horários, já que muitos adolescentes acabaram dormindo mais tarde e tiveram seu ritmo de sono alterado, enquanto outros, por medo, desenvolveram insônia.
Para Marli Cunha, é importante desmistificar o excesso de medo e, ao mesmo tempo, oferecer um maior entendimento aos alunos que não estejam adaptados às regras sanitárias. “Fazer com que entendam que podem recuperar suas vidas e seu desenvolvimento, fazer perceber o quanto necessitam da escola e o quanto essa ausência foi prejudicial”, salienta.
No colégio Marista Dom Silvério, a volta às aulas presenciais ocorre de forma gradual desde o fim de junho, e, agora, o que prevalece, como na maioria das instituições educacionais, é o modelo híbrido. Na transição do ensino on-line para o presencial, o orientador educacional Bruno Márcio de Castro Reis fala sobre como a escola tem apoiado estudantes e suas famílias.
“Abrimos espaço para a escuta e acolhida, na interação entre os alunos e professores, quando os jovens falam de suas experiências e sentimentos, em um sentido de reaproximação. Também promovemos rodas de conversa, realizamos atendimentos individuais e às famílias, mediante a busca da escola, quando identifica alguma situação específica, ou, ao contrário, quando a família procura a escola, e também atendimento aos profissionais especializados que acompanham os alunos”, explica.
Nesse período, em um primeiro momento, Bruno Reis conta que percebeu, muitas vezes, uma certa inibição entre os alunos, diante da expectativa de como seria esse retorno. “É uma nova realidade, um novo momento. Cada estudante tem seu tempo, e por isso tem sido acompanhado e orientado”, afirma.