Com uma situação hídrica cada vez mais caótica, municípios de Minas Gerais começaram a adotar o racionamento de água para tentar salvar o que resta dos rios e lagos que abastecem as regiões. A seca este ano está mais intensa em áreas que já registram falta de chuvas significativas há mais de 150 dias.
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Em Uberaba, no Triângulo Mineiro, mesmo com um decreto em vigor há mais de um mês determinando a economia de água, o que a reportagem mais viu foi gente lavando calçadas e carros. Todos estão sujeitos à multa de R$ 293,47. No último domingo (19/9), a cidade toda ficou sem abastecimento para tentar economizar o que é possível. O rodízio ainda continua, sem previsão para acabar.
Bugre, cidade de 3,6 mil habitantes no Vale do Rio Doce, está em racionamento até o dia 27 de setembro. O abastecimento começou a ser interrompido em 16 de agosto, após o posto de água que abastece a cidade quase secar. As torneiras ficam secas por 24 horas em regiões do município alternadas.
Ituiutaba, também no Triângulo, decretou estado de emergência na segunda-feira (20/9). Apesar de não haver racionamento ou rodízio, multas que vão de R$ 151 até R$ 341 foram criadas para quem for flagrado desperdiçando água.
Vários assentamentos rurais de Santa Vitória, cidade de 19 mil habitantes na divisa com Goiás, também já sofrem com a falta d'água. Não há um sistema municipal de abastecimento que chegue a todas as regiões, e por isso cisternas e barragens são utilizadas. Mas muitas estão secas.
O secretário de agricultura, pecuária e abastecimento, Maurício Lorena Filho, diz que a prefeitura busca recursos para conseguir ajudar, especialmente, agricultores familiares. "Temos muitos relatos vindos de todos os cantos da cidade. Estamos trabalhando para viabilizar caminhões-pipa ou até outras formas de levar água a essas comunidades", explicou.
Sul e cidades históricas
No Sul de Minas, Lavras tem problemas pontuais, segundo a Copasa, causadas pela baixa vazão dos rios. Ouro Fino faz um rodízio de água desde o dia 6 de setembro. A captação é interrompida diariamente das 8h às 16h.
Bairros altos de Mariana e Ouro Preto são prejudicados com a baixa pressão do sistema de abastecimento, causada pela falta d'água nos pontos de captação. Apesar disso, oficialmente não há rodízio.
O Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) decretou situação de escassez hídrica na estação de São Pedro do Suaçuí, no Vale do Rio Doce. A captação de água do rio Suaçuí Grande para indústrias, irrigação e consumo humano estão limitadas até o dia 15 de outubro.
Reuniões...
Em outra ponta do Estado, no Vale do Mucuri, uma reunião nesta sexta-feira (24/9) em Carlos Chagas vai discutir a questão do abastecimento. O presidente da Associação dos Municípios do Vale do Mucuri (Amuc), Héber Gomes Neiva, também prefeito de Caraí, avalia que a crise hídrica é prioritária e exige ações imediatas.
"São ações de curtíssimo prazo, que ajudariam muito os municípios e a nossa população. Água representa dignidade humana, e a situação é de calamidade", disse.
Um dos pontos que serão discutidos é o apoio da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) para levar caminhões-pipa às comunidades mais afetadas pela seca, e perfurar artesianos nas 27 cidades que compõem o Vale do Mucuri.
A Codevasf também vai começar a implantar nas duas bacias hidrográficas programas de recuperação e proteção de nascentes, trabalho que é considerado fundamental para ajudar a minimizar os efeitos da crise hídrica.
O próprio Igam está com um projeto em andamento para mapear a situação hídrica de Minas Gerais, porém a médio e longo prazo.
Serão 15 meses que uma empresa contratada pelo instituto terá para analisar sete regiões consideradas estratégicas para o abastecimento: afluentes do Alto Rio São Francisco; afluentes do Baixo Rio São Francisco; afluentes do Rio Grande; afluentes do Rio Doce; afluentes dos Rios Mucuri, São Mateus, Jequitinhonha e Pardo; afluentes do Rio Paranaíba, e afluentes do Rio Paraíba do Sul.
... e alertas
Ao menos 139 municípios de Minas Gerais estão em alerta por causa da seca. Levantamento da Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec) mostra que mais de 100 mil pessoas aguardam a chegada dos caminhões-pipa em todo o Estado.
O Norte de Minas e o Vale do Jequitinhonha não veem chuvas significativas há quase 150 dias, e a perspectiva do céu não é positiva: a meteorologia prevê que o tempo seco vai seguir até o final do mês de setembro. Em outubro, chuvas até podem acontecer, mas insuficientes para resolver de vez a situação.
Paracatu, no Noroeste, foi mais um munícipio a declarar situação de calamidade pública, ainda que a falta d'água não seja exatamente por causa da seca. Questionamentos sobre a atuação da Copasa, que registrou problemas "pontuais" no abastecimento nos últimos dias, motivaram a decisão. Porém, a prefeitura reconhece que o fantasma da seca está próximo.
No Triângulo Mineiro, as prefeituras de Araxá, Nova Ponte e Pirajuba ainda não registram falta d'água, mas publicaram avisos orientando que os moradores economizem durante o período mais seco.
O futuro?
O sociólogo Leonel de Oliveira Pinheiro, especializado em cooperativismo, e professor da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), afirma que a principal política pública que precisa ser adotada é a da "reconstrução" da natureza às margens dos rios.
"Não há outro segredo nisso. Plantar mudas, recuperar o que foi destruído com a ação do homem. Esses são alguns meios que temos para reverter as mudanças climáticas que enfrentamos, e trazer mais chuvas. É um projeto a longo prazo, que deveria ter sido planejado antes", afirma.
Além do projeto da Codevasf, Arinos, no Noroeste, começou a planificar algo nesse sentido.
O programa Pró-Águas Rio Urucuia vai revitalizar e reabilitar as nascentes do rio, que representa 40% das águas do Rio São Francisco. Ao todo, 14 cidades do entorno (contando duas de Goiás) serão beneficiadas pelo projeto, que prevê a plantação de 4,5 milhões de mudas de plantas nativas do serrado, e recomposição de 2 mil hectares de solo às margens do rio.
O investimento total será de R$ 105 milhões.