Quatro anos depois do incêndio criminoso na antiga Creche Gente Inocente, em Janaúba, no Norte de Minas, as famílias das vítimas ainda lutam na Justiça, aguardando uma resposta para os pedidos de indenização por parte do Município. Na manhã de 5 de outubro de 2017, o vigia Damião Soares dos Santos, de 50 anos, portador de transtorno mental, invadiu o centro de ensino infantil e ateou fogo na sala onde estavam as crianças, provocando as mortes de 10 alunos e três adultos e deixando mais de 40 feridos. O autor também morreu.
O antigo prédio incendiado foi demolido. Em seu lugar, com recursos de doações de um grupo de empresários, foi erguido um novo centro de educação infantil. A nova creche recebeu o nome da professora Heley de Abreu Silva Batista, que morreu como heroína, depois de atuar para salvar as crianças no meio das chamas. Ela também lutou com o vigia Damião para tentar impedir a tragédia.
Por meio de uma ação coletiva por danos morais e materiais, a Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) busca um acordo com a Municipalidade para reparação aos danos provocados às vítimas. O defensor público Gustavo Dayrell, que atua no caso em Janaúba, afirma que as famílias das vítimas, todas de baixa renda, enfrentam uma situação preocupante porque o dinheiro recebido por meio de doações está chegando ao fim.
Os recursos, administrados pela Associação dos Familiares das Vítimas e Sobreviventes da Tragédia Gente Inocente de Janaúba (AVTJana), são destinados ao pagamento de consultas médicas e medicamentos usados pelas vítimas. Ao todo, segundo a Defensoria Pública, foram transferidos para a associação em torno de R$ 400 mil das doações, vindas de todo o país, por ocasião do triste acontecimento, que teve repercussão internacional.
“Passaram quatro anos. A ação está tramitando na Justiça. O dinheiro da Associação está chegando ao fim. Se não for feito o acordo o final ou, pelo menos, garantida a renovação do acordo parcial, as famílias vão ficar desamparadas”, alerta o defensor público.
Segundo Dayrell, diante da complexidade da ação, a Defensoria Pública luta para viabilizar um acordo com a municipalidade e evitar o desamparo das vítimas e de suas famílias. “A Defensoria Pública busca, de preferência, um acordo final para dar segurança aos familiares e para que eles possam receber a indenização mais rapidamente”, explica Dayrell. Ele ressalta que neste último ano apenas foi realizado o pagamento mensal referente à antecipação parcial das verbas indenizatórias, com desembolso pela prefeitura local para as famílias atingidas nos valores de R$ 500 e R$ 1 mil, a depender da situação de saúde de cada uma.
A antecipação, que findaria em dezembro de 2018 e tem sido renovada anualmente, é resultado de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado pelo município após o ajuizamento da Ação Civil Pública da Defensoria Pública.
E até mesmo essa antecipação não está garantida. “Esse acordo parcial tem sido renovado anualmente, mas não foi definido o valor total nem por quanto tempo. Todos os anos, os familiares sofrem a angústia da incerteza da renovação”, explica Dayrell.
Desta forma, ressalta o representante da Defensoria Pública, as famílias não sabem quanto ainda vão receber nem quando o valor deverá ser desembolsado pela Municipalidade. “Esse é o ponto. Teria que fazer um acordo final para saber quanto será devido a cada um. Do valor total devido, se faria o abatimento do que já foi pago a título de adiantamento. A Defensoria propôs à prefeitura acordo pra estipulação do valor definitivo, mas não houve resposta”, informa Dayrell. “Não havendo um acordo final, a Defensoria entende ser imprescindível ao menos a renovação do acordo de antecipação parcial da indenização”, acrescenta.
Dayrell explica ainda que as ações judiciais são contra o município porque o autor do ataque à antiga creche era servidor (vigia) municipal. “Por essa razão, a lei atribui ao município o dever indenizatório, independentemente de prova de culpa”, pontua.
“A situação demanda urgência. Há receio de que o acordo parcial, que hoje permite o pagamento da antecipação parcial da indenização, não seja renovado para o próximo ano”, acrescenta o defensor.
A Defensoria Pública de Minas Gerais acompanha o drama das famílias das vítimas desde a tragédia. Além do processo coletivo por indenizações, o órgão é autor de três ações individuais. Uma delas, para o fornecimento de medicações, foi deferida liminarmente e o poder público está arcando com o tratamento. Outra, de indenização por danos morais sofridos por um pai que perdeu o filho no incêndio, também obteve êxito. Porém, a prefeitura interpôs recurso e a decisão ainda não saiu. Também aguarda julgamento a terceira ação, que pede a reparação para um pedreiro que no momento do incêndio estava trabalhando na frente da creche e, ao entrar para salvar as crianças, sofreu queimaduras.
O que diz a prefeitura
Por meio de nota, a Prefeitura de Janaúba informou que efetua normalmente o pagamento da antecipação indenizatória às famílias das vítimas do incêndio na Creche Gente Inocente. A Municipalidade comunicou que já pagou aproximadamente R$ 2,5 milhões de antecipação de indenização para 70 famílias das vítimas da tragédia.Segundo a prefeitura, os pagamentos são feitos em cumprimento ao Termo de Ajustamento de Conduta firmado com o Ministério Público Estadual (MPMG) todo início de mês, em valores que variam de R$$ 545,45 a R$ 1.090,90 por família.
“A atual gestão teve que remanejar a quantia de aproximadamente R$ 720 mil do orçamento da Secretaria Municipal de Obras e Serviços Urbanos justamente para pagar essa antecipação indenizatória, uma vez que no orçamento do município de 2021, elaborado pela gestão anterior, não constava essa dotação orçamentária específica”, informa a nota da administração municipal.
A prefeitura informa ainda, além de ter criado uma comissão especial para avaliar e acompanhar as condições atuais das famílias, “analisa a proposta apresentada pela Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais com relação à definição dos valores de indenização e o abatimento do que já foi antecipado” e que “as tratativas estão bem adiantadas”.