Pelo menos cinco milhões de mineiros pagam por um serviço que não recebem plenamente: a da coleta e tratamento de esgoto. Especialmente quem vive em cidades menores, onde o esgoto sequer é recolhido corretamente. É o que aponta um levantamento feito pela reportagem com base em dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), do Ministério do Desenvolvimento.
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É importante ressaltar que os números podem variar, já que os últimos dados disponíveis são de 2019, e algumas cidades mineiras não participaram do questionário do SNIS - elas não são obrigadas, em teoria.
Baseado em quantos moradores haviam no Estado na época, o número passa de 5,7 milhões de mineiros que poderiam pagar uma taxa de coleta e tratamento de esgoto mesmo sem ter o serviço de fato instalado.
Taxa polêmica
Valendo desde o mês passado, a medida gerou muitos questionamentos, especialmente nas cidades menores - onde o saneamento básico é uma questão delicada e pouco discutida.
Em resposta à reportagem, a Arsae-MG afirma que a cobrança é "justa". Foi ela quem autorizou a Copasa, que responde pelo serviço em centenas de cidades mineiras, a cobrar o valor único.
Na prática: a tarifa de tratamento de esgoto foi extinta, e criada uma nova, para tratamento e coleta, que vale 74% do valor total que o consumidor paga. Até então, ela era fixada em 25% para quem tem apenas a coleta e 100% para quem conta com o serviço completo, incluindo o tratamento.
"Hoje temos um índice inflacionário no Brasil chegando a 32% e a nova tarifa média está com redução de 1,52%. Ou seja, além de não ter o reajuste pela inflação, está havendo uma redução histórica e inédita nas contas. Outro ponto importante é a unificação da tarifa de esgoto, com a redução do subsídio. Assim, faz-se a justiça tarifária", considera a agência, em nota encaminhada à reportagem.
"Esta revisão tarifária buscou a menor tarifa possível desde que disponíveis recursos para que a Copasa possa operar e investir, tendo em vistas os objetivos de universalização e de melhoria da qualidade dos serviços", complementa a Arsae-MG.
O presidente da agência reguladora, Antônio Claret Jr., chegou a publicar um vídeo nas redes sociais para explicar a decisão de unificar as taxas. A resposta foi dada quase que diretamente ao prefeito de Divinópolis, no Centro-Oeste mineiro, Gleidson Azevedo (PSC), que criticou abertamente a medida.
Segundo Azevedo, a mudança encareceu as contas na cidade. O município pediu na Justiça uma liminar para suspender o aumento, mas o pedido ainda não foi analisado.
Casos de Justiça
Além de Divinópolis, São João Nepomuceno, na Zona da Mata, também foi à Justiça e conseguiu revertar os valores. Itamarandiba, no Vale do Jequitinhonha, ainda aguarda uma decisão. E, segundo a Associação Mineira de Municípios (AMM), esse é o jeito: as cidades que não concordarem com os valores devem procurar, individualmente, as instâncias superiores.
O presidente da AMM, Julvan Rezende Lacerda, afirma que a entidade não pode entrar com uma ação coletiva, já que há municípios associados que se beneficiaram com a medida - são aqueles que têm todos os serviços de saneamento e viram as cobranças caírem entre 20% e 30%.
"Por isso, nós estamos prestando apoio jurídico às cidades que querem entrar com ações para reverter a cobrança. Apesar disso, somos totalmente contra cobrar uma cidade por um serviço que ela não tem", disse, mas sem saber informar quantos municípios pediram esse auxílio.
'Prejudicados quatro vezes'
O senso de "justiça tarifária" também é questionado pela professora do Instituto de Ciência, Engenharia e Tecnologia (IECT), da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), Aruana Rocha Barros Lopes. Ela não acredita que a cobrança possa ser justa se nem todos recebem pelo serviço.
"A população sofre quatro vezes: pagamento inadequado de um serviço não realizado; poluição do corpo hídrico superficial e subterrâneo; problemas com a saúde; e aumento do gasto do Estado com o tratamento de doenças causadas pela falta de saneamento básico, resultantes da contaminação e poluição da água e do solo, afetando principalmente os mais pobres", afirma.
A AMM e a professora concordam que as cidades menores, onde os investimentos nesse setor ainda não chegaram, serão as principais prejudicadas neste momento. Para mudar esse quadro, a avaliação é que faltam políticas públicas que exijam das concessionárias a construção das estações de tratamento de esgoto, redes coletoras de esgoto, fornecimento de água em quantidade e qualidade adequada, coleta e destinação final de resíduos sólidos
"A população tem que ser informada da importância do saneamento básico na vida delas através de constante educação ambiental. Muitas vezes as pessoas têm doenças e não associam à falta de saneamento. Se houvesse essa educação ambiental da população como um todo, poderia haver também uma maior pressão para um saneamento básico universalizado e adequado em todas as cidades, tanto na parte urbana, como na parte rural", finaliza a professora.