Jornal Estado de Minas

ÍCONE DA CAPITAL

Cerveja, rochedão e espaguete: boemia de BH comemora os 60 anos do Bolão

Um dos mais famosos redutos da boemia belo-horizontina chega hoje aos 60 anos. É o famoso Bar do Bolão, marca registrada do Bairro Santa Tereza, Região Leste de Belo Horizonte, inaugurado . em 11 de outubro de 1961 e administrado pela mesma família há três gerações. No ano passado, a empresa enfrentou sua pior crise impulsionada pelo fechamento necessário para conter a pandemia do novo coronavírus. Com a vida voltando quase ao normal, o bar vai se reerguendo aos poucos, ganha uma nova unidade e deixa orgulhosos os funcionários e clientes que ajudaram a manter a tradição.



"Você não tem noção da alegria e da satisfação em chegar até aqui", conta a sócia-proprietária Karla Rocha, a terceira geração da família que cuida do espaço. Ao lado de Karla, também eternizam a tradição de família os sócios proprietários: Márcia, irmã do Bolão, o irmão de Karla, Carlos Henrique, seu primo Luiz Cláudio e a prima Luciana. "Pensei que a gente não ia chegar nos 60, mas o medo nos deu força para fazer com que nosso segredo se evidenciasse". Segredo é aquilo que não deve ser revelado, mas esse clichê o bar não esconde: é o amor. "Tudo que a gente faz com amor, não tem como dar errado. Nossa comida é simples, caseira, você come como se estivesse em casa. Começou com meus avós, minha mãe com meus tios e agora a gente. Meu tio (José Maria Rocha, o Bolão) falou que não gostava de ervas, o negócio dele era alho, sal e muito amor", revela.

Karla Rocha (blusa lilás), Carlos Henrique (camisa cinza), Luiz Cláudio (camisa escura), Luciana (blusa preta), Márcia (jaleco branco) e funcionários do Bolão da Praça Duque Caxias (foto: RAMON LISBOA/EM/D.A. PRESS )
Ícone da vida noturna belo-horizontina, o Bar do Bolão enfrentou a maior crise de sua trajetória ancorado no peso de um "rochedão" - o mais famoso prato do cardápio da casa, composto por arroz, feijão, batata, bife e ovo, que virou também carro-chefe do delivery. No auge da pandemia, o faturamento caiu 60% e 15 funcionários tiveram que ser demitidos. O casarão, tombado pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte em 2011, quase fechou as portas. "A nossa principal vitória é estar vivo. É muita luta. Essa pandemia não foi fácil pra ninguém. Foi um momento de muita resiliência, fé e foco. A maior vitória é comemorar os 60 anos com muita alegria e amor no coração", celebra Karla, emocionada.

Rochedão, um dos mais famosos pratos do Bolão ao longo das décadas (foto: Euler Júnior/EM -30/8/02)
Conhecido também como "rei da madrugada", o bar ainda não voltou com seu horário normal de funcionamento "normal" devido às restrições de horário impostas pelas regras de flexibilização, que exigem o fechamento à 1h. Apesar disso, há esperança de dias - e noites - melhores por lá. "A gente deve muito aos funcionários, clientes, amigos, fornecedores. É uma parceria. Ainda não recuperamos nosso prejuízo, mas acredito que ainda voltaremos como antes porque a vacina está fazendo efeito", diz a proprietária.



Rei da madrugada conquistou a clientela com cardápio simples

O bar foi um dos primeiros a funcionar na madrugada. Era passagem obrigatória para quem estendia a noite ou trabalhava no período noturno, como artistas e motoristas de táxi. Entre os frequentadores, o bar tem os músicos do Clube da Esquina, na década de 1970, e, a partir dos anos de 1990, músicos que tiveram projeção nacional e até internacional, como as bandas Skank, Sepultura e Pato Fu. Os taxistas da região também são um público garantido nas mesas. Além disso, os moradores do Santa Tereza cresceram junto com o Bolão e viram o desenvolvimento do bairro impulsionado pelo bar, que atraía gente de todos os cantos.


Henrique Portugal, tecladista do Skank

"O Bolão sempre foi um lugar de encontro e de fim de noite. É um bar gostoso, era perto da minha casa, e, se eu queria encontrar um amigo, sabia que ele estaria lá. Tenho 56 anos e há 40 frequento o Bolão com certeza. Lá tem comida pra todo jeito que você quiser. Se o dinheiro estiver curto, tem o pão molhado (pão 'dormido' com molho bolonhesa) e tá ótimo. O dia que tem mais dinheiro e mais estômago, você pede o espaguete. É muito característico da coisa de bairro mesmo. Durante a noite, o pessoal que vê jogo no Independência passa lá depois. Lembro até do Bolão me perguntar se eu fui ao jogo para saber se estava cheio e se teria movimento no bar. O Bolão sobreviveu bem às mudanças culturais. Semana passada mesmo eu fui lá e vi que a tradição continua e sempre encontro alguns amigos. Um lugar de noitadas históricas, que lembro dos bons momentos que passei ali na praça, vendo o dia amanhecer. Tem a história de você estar sentado do lado de fora e o sol aparece atrás da igreja. Começava a clarear e a gente falava 'tá na hora de ir embora'."



Telo Borges, músico, nascido e criado no bairro Santa Tereza


"Um quarteirão abaixo tinha um campinho que a gente jogava bola e o que eu mais lembro era parar no Bolão para a concentração antes do jogo e, muitas vezes, quando a gente acabava, subia pra falar do que tinha acontecido e tomar nossa água. O bar também está ligado aos vários eventos que já toquei ali na praça. O Bolão funcionava quase como um camarim, a gente esperava pra tocar e da mesma forma o pós-show. Era um lugar de encontro de músicos, esse pessoal que tocava na noite terminava o show e passava lá pra comer espaguete. Tem essa característica de fim de noite. Mesmo que o show não fosse na praça, a gente passava no Bolão. Lá que é o canal. O primeiro passeio que levei meu neto, o primeiro almoço que a gente pôde fazer juntos, levei ele lá no Bolão pra conhecer."



João Paulo de Castro Dias presidente do Sindicato dos Taxistas (Sincavir)

"Para o taxista, o Bar do Bolão tem um significado gigante porque nós sempre frequentamos e levamos os clientes. Geralmente é um ponto onde os motoristas se encontram para jantar no fim da jornada. É lá que acontecem os bate-papos, os encontros. Ali que a gente conta as histórias do que se passou no dia de trabalho. É um ponto de encontro do taxista. Quase tudo que acontece no dia de trabalho a gente coloca na mesa. É tradição. Eu vejo que é um lugar com qualidade no atendimento e eles servem uma comida muito boa. Uma variedade de comidas muito gostosas e preço atrativo, que é isso que faz ter a credibilidade em BH. O Bolão é referência para todo mundo. Quando se fala de Santa Tereza, se fala do Bolão."

Nenel, músico e jornalista especializado em gastronomia

"Pra mim é um lugar símbolo de BH, onde a galera sempre se encontrou a qualquer hora do dia, principalmente no final da noite. O Bar do Bolão que manteve a chama da boemia acesa. Tem pratos que são símbolos da cidade: o espaguete e o rochedão. Tenho diversas lembranças de diversas fases da minha vida. Numa época em que eu tocava muito, a gente ia pra lá jantar tipo 4h e 5h da manhã. A gente trazia bandas de fora do estado para tocar em BH e era 'de lei' levar os músicos para comer lá. É história pro mundo da música. Era lá que a galera se encontrava, vinham músicos de várias regiões da cidade. Eu ainda me lembro do velho Bolão lá. É um bar familiar, isso eu acho legal, sempre tem alguém da família, a gente se sente acolhido."

 

Bar também é conhecido como 'Rei da madrugada' e é ponto de encontro de artistas (foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)
 

 

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