O que era inicialmente uma ocorrência de agressão, envolvendo um motorista de aplicativo e um policial militar, acabou se transformando em uma denúncia de omissão de PMs diante de um suposto flagrante de injúria racial. O motorista de aplicativo Michael Braga Machado, de 45 anos, conta que foi agredido fisicamente por um policial militar, com quem teve um desentendimento durante uma corrida em Juiz de Fora, na Zona da Mata.
No curso dos acontecimentos, a mulher do policial envolvido no caso ainda teria chamado uma colega de trabalho de Michael de "macaca" – fato que, conforme o denunciante, ocorreu na presença das autoridades, sem nenhum tipo de ação imediata dos policiais diante do crime. Os casos foram registrados em dois boletins de ocorrência no último domingo (10/10), e ninguém foi preso.
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Logo, o suposto autor xingou a vítima e ordenou que ele parasse o carro – o que foi atendido por Michael. Ainda conforme o registro oficial da PM, o homem entrou em luta corporal com o motorista, deu um soco em seu rosto e chutou a porta traseira do carro, que ficou amassada. Ele também teria quebrado um dos retrovisores do automóvel.
“Eu só consegui sair daquela situação porque pessoas que passavam pelo local seguraram o agressor. Daí, eu entrei no carro novamente e dirigi até chegar a um posto de gasolina. Foi ali que acionei a PM e também o apoio dos meus colegas de trabalho”, explica Michael durante entrevista à reportagem.
Segundo a ocorrência registrada pela PM, a viatura policial realizou o rastreamento na tentativa de localizar o suspeito, contudo não obteve êxito. “A única forma, segundo eles seria entrar em contato com a plataforma do aplicativo e acionar a Justiça. Existe uma grande possibilidade de terem dito que não o localizaram pelo fato dele ser PM. Provavelmente, eles pensaram que nós também não encontraríamos o agressor”, opina Michael.
Abordagem agressiva da PM
Diante do exposto pela autoridade policial, a vítima e cerca de 10 colegas de profissão decidiram ir até o endereço do agressor – que foi descoberto por meio do aplicativo de corrida. “Ao chegar lá, nós fizemos contato com a PM de novo e informamos que tínhamos encontrado o local onde ele mora. Aí, cerca de oito viaturas chegaram lá. Quando questionamos o motivo de tantas viaturas, descobrimos que o agressor era policial militar.”
“Quem for vítima, permanece. Quem não for, mete o pé! Agora! Quero que saiam daqui agora!”. Assim teria sido – conforme Michael – a abordagem inicial da PM ao visualizar o grupo na rua, próximo à residência do casal. “E assim foi feito. Nossos colegas de trabalho saíram de lá”.
Injúria racial antes e depois da chegada da PM, apontam vítimas
A motorista de aplicativo Ada de Souza Bastos, de 42 anos, foi uma das colegas de profissão que, em apoio a Michael, esteve no endereço onde reside o casal. “Diante da nossa movimentação na rua, ela apareceu na janela e disse: ‘Não acredito que vocês vieram aqui!’. Então eu respondi: ‘Nós viemos para você responder pelo ocorrido’. Aí, ela começou as injúrias”, explica Ada, também em entrevista à reportagem, destacando que a mulher teria exclamado: “Sua macaca. Sai da porta da minha casa”.
“Ela também agrediu verbalmente os outros motoristas. O companheiro dela não apareceu em nenhum momento porque ele é militar. Quando a polícia chegou lá, ela saiu da residência”, conta a motorista. Segundo ela, a injúria aconteceu novamente na frente das autoridades.
“Na presença da polícia, eu falei pra ela: ‘Você me desrespeitou’. Aí, ela respondeu: ‘Chamando você de macaca? Não, você é uma macaca’. Ela falou isso na frente de todos os policiais, que não fizeram nada. O companheiro dela é amigo deles; é da polícia. Então, ficou por isso mesmo.”
Michael disse que testemunhou o crime. “A Ada contou para eles que sofreu a injúria, e a mulher novamente, na frente dos policiais, confirmou o que tinha falado e falou novamente”.
Por outro lado, a Polícia Militar diz no registro da ocorrência que a mulher do policial negou o crime de injúria.
Ainda conforme o documento oficial da PM, a suspeita disse “que muitas pessoas estavam batendo em seu portão, várias com bastões de madeira e acionando a campainha de sua casa”. Além disso, o grupo estaria “gritando para ela descer, dizendo que ela iria ver o que lhe aconteceria” – o que a teria deixado “com sua integridade física e psicológica ameaçadas”.
À reportagem, Ada e Michael negaram a acusação. “Não agredimos ela de nenhuma forma. Ela que se mostrou muito agressiva com todos nós”, reforça a motorista.
Suposto descaso na delegacia
Conforme Michael Braga Machado, um subtenente, que integrava as diligências no local, deu ordem de prisão para ele e sua colega de trabalho. “Eles alegaram que nós estávamos coagindo o militar e sua esposa.”
“A gente foi para a delegacia no nosso próprio carro, mas escoltados pela PM. Chegando lá, o clima foi de muita descontração, devido ao fato de ser uma esposa de militar. Lá, eles não nos ouviram. Só ouviram ela. Nós, que éramos as vítimas, fomos tratados como autores. Não deram importância ao nosso caso.”
“O assunto desvirtuou muito rápido. Começaram a falar de comida, linguiça, cachaça da roça, chouriço. Lá dentro, as coisas ficaram muito suaves para todos eles”, complementa a motorista Ada, lembrando que o suspeito de agressão contra Michael não compareceu à delegacia. Durante as diligências no imóvel, ele também não apareceu, afirmam as vítimas.
Presidente da categoria se manifesta
A reportagem também conversou com Julio Cesar Marques Paes, de 52 anos, presidente da Associação de Motoristas de Aplicativos da Zona da Mata. Segundo ele, “os crimes de agressão e injúria racial não podem ficar impunes”.
“Eu vou na delegacia de polícia nesta quarta-feira cobrar providências. Quero saber quem vai investigar o caso. Também vamos procurar o comandante-geral da Polícia Militar de Juiz de Fora. Vamos querer que toda a verdade apareça”, afirma.