Cerca de 329 mil vidas perdidas pela COVID-19 poderiam ter sido salvas no Brasil caso a pandemia do novo coronavírus (Sars-CoV-2) tivesse sido conduzida nacionalmente da mesma forma como foi em Belo Horizonte.
O alívio de 55% no número de vítimas para os 602.099 óbitos já alcançados nesta sexta-feira (15/10), foi calculado com base na sobrevivência hospitalar ao vírus na capital mineira, uma pesquisa do Imperial College, universidade londrina de excelência mundial na produção cinetífica e avaliada pelo médico Carlos Starling, infectologista e membro do Comitê Municipal de Enfrentamento à COVID-19 da Prefeitura de Belo Horizonte.
"Aproximadamente um terço das mortes atribuíveis ao COVID-19 no Brasil em hospitais poderiam ter sido evitadas se a pressão da saúde não tivesse taxas de mortalidade tão exacerbadas. Aproximadamente metade das mortes atribuíveis à COVID-19 no Brasil poderiam ter sido evitadas se tivessem taxas semelhantes às observadas em Belo Horizonte", indica o estudo do Imperial College.
De acordo com o trabalho científico, entre as 14 capitais brasileiras estudadas (veja a tabela), entre 20 de janeiro de 2020 e 26 de julho de 2021, Belo Horizonte é a que teve o menor percentual de mortes, com 7.842 (18%) óbitos entre os 43.763 pacientes internados.
O trabalho é intitulado "Fatores que conduzem a grandes flutuações espaciais e temporais nas taxas de letalidade do COVID%u201019 em hospitais brasileiros" e é assinado por especialistas ligados a instituições brasileiras, inglesas, norte-americanas, espanholas, belgas e dinamarquesas.
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De acordo com o trabalho científico, entre as 14 capitais brasileiras estudadas (veja a tabela), entre 20 de janeiro de 2020 e 26 de julho de 2021, Belo Horizonte é a que teve o menor percentual de mortes, com 7.842 (18%) óbitos entre os 43.763 pacientes internados.
O trabalho é intitulado "Fatores que conduzem a grandes flutuações espaciais e temporais nas taxas de letalidade do COVID%u201019 em hospitais brasileiros" e é assinado por especialistas ligados a instituições brasileiras, inglesas, norte-americanas, espanholas, belgas e dinamarquesas.
Em Belo Horizonte, os pesquisadores Renato Aguiar, Paula Fonseca, Victor Guedes, Diego Bonfim e Renan Souza do Departamento de Genética, Ecologia e Evolução, do Instituto de Ciências Biológicas, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) participaram da pesquisa.
O desempenho total das capitais estudadas é 10 pontos percentuais pior que o belo-horizontino, com 135.714 (28%) mortes entre 480.157 pacientes estudados. Outro fator de destaque, ajustado pelas idades, é o dos impactos em semanas com maior e menor intensidade de fatalidades pela COVID-19.
BH registrou um índice de óbitos de 7,7% dos internados nas semanas menos intensas e 12,2% nas mais críticas. O Rio de Janeiro teve a pior semana menos intensa, com 20,1% mortes e Macapá registrou a mais crítica, com 41,7%.
O bom trabalho mereceu citação específica da capital mineira pelo estudo como destaque de uma situação de grande controle. "Em Belo Horizonte, nenhum grupo de idade experimentou choques de COVID%u201019 com taxas de mortalidade hospitalar acima de 50% que duraram pelo menos quatro semanas consecutivas, enquanto em Porto Velho todos os pacientes com 50 anos ou mais sofreram tais choques fatais", aponta o trabalho.
Para o infectologista Carlos Starling, que é membro do comitê municipal de enfentamento da pandemia em BH, um dos motivos é a boa estruturação do Sistema Único de Saúde (SUS). "BH conta com uma das melhores estruturas para o SUS. Precisa de muito investimento, ainda, para melhorar, mas o SUS de BH comparado com o restante é muito consistente, muito sólido e isso foi fundamental", avalia.
De acordo com o médico, esse modelo, caso fosse seguido e fortalecido no Brasil, poderia ter evitado muitas perdas. "A pesquisa do Imperial College mostra que o SUS é fundamental para a proteção da população, pela assistência diária. Pode ter as falhas que tem, mas foi essencial e teve uma condução coerente na pandia que se baseou em dados epidemiológicos para a gestão pública. Nós poderíamos ter menos da metade das mortes registradas no país se a condução do combate à pandemia tivesse sido como em BH", afirma.
O trabalho científico do Imperial College também verificou a importância das variantes mais agressivas, sobretudo a denominada Gama, descoberta em Manaus, sobre as mortes hospitalares.
"No final de março de 2021, os dados da sequência Sars%u2010CoV%u20102 pertencentes à variante Gama estavam presentes em 14 de 27 estados brasileiros. A rápida propagação da Gama por todo o país foi seguida por ondas de morte, sugerindo um aumento da gravidade da doença após a infecção com essa variante".
A expansão da variante gama foi seguida por choques nas taxas de letalidade da COVID-19 em hospitais brasileiros, de acordo com o trabalho. "Apresentamos índices de pressão de saúde pandêmica que medem e monitoram incompatibilidades entre a demanda de saúde e os recursos disponíveis. A pressão pandêmica sobre a saúde está fortemente correlacionada com as taxas de mortalidade da COVID-19. Nossas descobertas são importantes na calibração do risco representado por novas variantes".
O impacto da Gama nos hospitais do Brasil sugerem necessidade de investimentos. "Mais recursos de saúde, otimização e preparação para uma pandemia são essenciais para minimizar a mortalidade e morbidade em toda a população causada por patógenos altamente transmissíveis e mortais, especialmente em pessoas de baixa e média renda", determina o trabalho.
Aprender com os erros
Renan Souza, professor de genética da UFMG e um dos coordenadores da pesquisa, ao lado do professor Renato Aguiar, conta que o estudo teve início em março e as análises terminaram no final de setembro.
“O grande foco era entender qual foi o impacto da variante Gama, porque ela mudou a cara da pandemia neste ano, em comparação com o ano passado, e entender como a estrutura que já existia no país contribuiu para essa resposta.”
Segundo ele, a UFMG participou do processo de caracterização da Gama e o objetivo era entender a dinâmica dela em Belo Horizonte, por meio de dados do Sistema Único de Saúde (SUS) e estimar qual foi a sobrecarga no sistema de saúde, decorrente dessa variante.
“Nossa análise mostrou que essa taxa que aconteceu em Belo Horizonte é uma taxa possível dentro da realidade do serviço de saúde no Brasil e que poderia ter acontecido em outros lugares. Se ela tivesse acontecido nas outras localidades, seriam mais de 300 mil mortes evitadas. Na verdade, vimos que há uma disparidade muito grande entre essas capitais.”
O pesquisador explica como foi a participação do Departamento de Genética, Ecologia e Evolução na pesquisa.
“A pandemia de COVID-19 para ser estudada e compreendida como um todo precisa de profissionais de diversas áreas. Não conseguimos com apenas um olhar descrever a complexidade da doença. Viemos com dados genéticos sobre as variantes virais e contamos com colaboração com outros grupos no Brasil e com esses profissionais do Imperial College, em especial o professor Oliver, um estatístico de formação.”
Souza acredita que a união dessas equipes, com os dados do SUS ajudam a ter uma visão mais completa do que aconteceu, além das lições que podem ser aprendidas.
“Não vamos conseguir recuperar essas vidas. Mas, que possamos aprender com esses resultados, ao ver que essas 14 capitais diferiram tão drasticamente na forma. Falar só dessa redução é um pouco pobre. É um número importante, mas é só um deles.”
“Olhando os gráficos, parecem pandemias completamente diferentes que aconteceram em cada lugar. Entender o porquê de comportamentos tão diversos é extremamente importante para que, seja numa nova onda, numa outra epidemia ou nova pandemia, tenhamos uma resposta mais satisfatória e possivelmente menos mortes”, completa.
O pesquisador conta quais serão os próximos passos do estudo.
"Nosso próximo ponto de trabalho seria fazer essa descrição agora, não da Gama, mas estudar o que aconteceu com a variante Delta. Foi muito inesperado, estávamos com uma expectativa de ter uma nova onda, de acontecer algo semelhante aos outros países. E, na verdade, nossos indicadores estão cada dia melhores e temos a esperança de voltar a ter uma vida mais normal.”
*Estagiária sob supervisão da editora-assistente Vera Schmitz