O receio da COVID-19 e o estrangulamento de serviços médicos devido à pandemia fizeram com que o supervisor de pessoal Alex José de Oliveira Ferreira, de 51 anos, morador de Itabirito, na Região Central de Minas, tivesse de esperar semanas por uma consulta pelo convênio particular.
Enquanto a demora agravava seu quadro de hipertensão, apesar de se cuidar usando a medicação prescrita, ele também deixou de ir ao atendimento de urgência quando se sentia mal, para evitar a unidade de pronto-atendimento.
Faltando apenas dois dias para que enfim conseguisse se consultar, um ataque cardíaco levou esse marido, pai de duas filhas.
Além das mais de 55 mil vidas perdidas em Minas Gerais para o novo coronavírus (Sars-CoV-2), a fragilização do sistema de saúde e muitas vezes o medo de deixar o isolamento mataram silenciosamente milhares de pacientes de outras doenças controláveis, como ocorreu com Alex.
Enquanto a demora agravava seu quadro de hipertensão, apesar de se cuidar usando a medicação prescrita, ele também deixou de ir ao atendimento de urgência quando se sentia mal, para evitar a unidade de pronto-atendimento.
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Só na cidade do supervisor, que tem 53 mil habitantes e é uma das mais ricas da região, o número de mortes diárias não relacionadas à COVID-19 ou a causas externas, como acidentes e crimes, aumentou 29% de janeiro a setembro de 2021 na comparação com 2019 (último ano pré-pandemia).
Os dados são da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), compilados pela reportagem do Estado de Minas.
Os dados são da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), compilados pela reportagem do Estado de Minas.
O levantamento indica que em 2020, 391 municípios mineiros (46% do total de 853) registraram mais mortes diárias não COVID-19 do que no ano anterior. Em 2021, esse quantitativo já era de 333 até setembro (39%). O aumento médio de mortes do comparativo foi de 17% em 2020 e de 20% em 2021.
O maior volume de óbitos está relacionado a doenças vasculares cerebrais e cardíacas, muitas delas de acompanhamento necessário e medicação com prescrição médica.
Foi o caso de Alex, segundo a sua mulher, a supervisora administrativa Mônica Lúcia dos Reis Ferreira, de 48.
“A consulta dele estava marcada para 11 de maio, mas dias antes começou a passar mal. Do dia 7 para o dia 8, perguntei se poderíamos ir até a UPA da cidade, mas ele não quis. Preferiu descansar e melhorar, achava que a consulta estava perto e seria mais segura do que a emergência. Mas, no dia 9, ele passou muito mal, foi levado pelos bombeiros para a UPA, mas não resistiu. Para nós foi inesperado, porque ele aparentava estar bem e se cuidava”, disse Mônica.
Foi o caso de Alex, segundo a sua mulher, a supervisora administrativa Mônica Lúcia dos Reis Ferreira, de 48.
“A consulta dele estava marcada para 11 de maio, mas dias antes começou a passar mal. Do dia 7 para o dia 8, perguntei se poderíamos ir até a UPA da cidade, mas ele não quis. Preferiu descansar e melhorar, achava que a consulta estava perto e seria mais segura do que a emergência. Mas, no dia 9, ele passou muito mal, foi levado pelos bombeiros para a UPA, mas não resistiu. Para nós foi inesperado, porque ele aparentava estar bem e se cuidava”, disse Mônica.
Também morador de Itabirito, o administrador Fábio Júnior Ribeiro, de 41, e sua mulher precisam de atendimento especializado, mas têm evitado comparecer a serviços médicos por medo de aglomerações e de um possível contágio pelo novo coronavírus.
“Ela tem que remover o útero e eu preciso extrair a vesícula, mas estamos com medo de ir para um hospital ou nos consultar nos postos. Com o avanço agora da vacinação, a gente já vai se sentir mais seguro”, afirma o administrador.
A dona de casa Margareth Silva, de 57, perdeu a tia Luzia Silva, de 84, vítima de um câncer que se espalhou.
“Ela fazia acompanhamento de saúde, mas depois que o coronavírus passou a circular, não saía mais de casa para nada. Um dia, passou mal e já não tinha mais tratamento”, conta. Já a atendente de padaria Cássia Maria da Silva, de 45, perdeu a tia Iracilda Silva, de 60, cardíaca, moradora do município de Moeda. “Ela tinha medo de se consultar, de chegar nos postos de saúde todos cheios de pessoas com suspeita de COVID-19. O pior é que tentaram enterrá-la como se tivesse a doença, mas conseguimos reverter e ela pôde pelo menos ter um enterro aberto, o que muitos não tiveram, já que a COVID-19 obriga o velório a ser fechado”, afirma.
O médico Carlos Starling, infectologista e integrante do comitê de enfrentamento à COVID-19 da Prefeitura de Belo Horizonte, considera que esse aumento de mortes seja um efeito indireto de uma pandemia como a enfrentada atualmente, com necessidade de isolamento e precauções sociais.
“São consequências de vários fatores da pandemia, como a superlotação do sistema por uma doença. À medida que as pessoas precisaram se afastar, ocorreu também uma redução no acompanhamento de outras condições de saúde, adiamento de cirurgias e de tratamentos. Certamente, foi muito prejudicial para quem já tinha uma condição de saúde que piorou”, observa Starling.
“São consequências de vários fatores da pandemia, como a superlotação do sistema por uma doença. À medida que as pessoas precisaram se afastar, ocorreu também uma redução no acompanhamento de outras condições de saúde, adiamento de cirurgias e de tratamentos. Certamente, foi muito prejudicial para quem já tinha uma condição de saúde que piorou”, observa Starling.
“A superlotação do sistema de saúde com uma doença só não permite o tratamento de outras doenças importantes. Na pandemia, foram afetados não são só os infectados que precisaram de cuidados, mas também os que perderam a oportunidade de tratamento. A situação só não foi pior porque muitos municípios de referência, como Belo Horizonte, souberam se adaptar a essas demandas, inclusive com parcerias fundamentais com o setor de saúde privada”, considera o infectologista.
Letalidade de males não respiratórios aumentou 43%
No Brasil, chama a atenção o aumento do índice de mortes diárias por doenças não respiratórias, que teve uma escalada de quase 43%, na comparação entre 2019, último ano pré-pandemia, com os dados deste ano, apenas até 10 de setembro.
Na Região Sudeste, a alta foi de 44,3% no mesmo comparativo diário.
Na Região Sudeste, a alta foi de 44,3% no mesmo comparativo diário.
A disparada dos óbitos no cenário nacional é observada em dados do Ministério da Saúde enviados para a reportagem, relativos a pacientes que não resistiram a doenças não respiratórias.
Contudo, pode conter distorções, por incluir condições em que médicos ainda assinalaram mortes causadas pela COVID-19, como “outras doenças infecciosas não determinadas”.
Contudo, pode conter distorções, por incluir condições em que médicos ainda assinalaram mortes causadas pela COVID-19, como “outras doenças infecciosas não determinadas”.
De acordo com os números, no Brasil, morriam em 2019 3.254 pessoas diariamente, em média, por causas não respiratórias (excluídos acidentes, crimes e outros fatores externos).
O número se ampliou em 2020, primeiro ano da pandemia, para 3.866 óbitos por dia, crescimento de 19%, mas em 2021 sofreu um salto de 43% no comparativo com 2019, com mortes de 4.640 pacientes a cada 24 horas.
O número se ampliou em 2020, primeiro ano da pandemia, para 3.866 óbitos por dia, crescimento de 19%, mas em 2021 sofreu um salto de 43% no comparativo com 2019, com mortes de 4.640 pacientes a cada 24 horas.
As regiões que apresentaram o maior aumento percentual de mortes por doenças não respiratórias por dia em 2021, comparado com 2019, foram a Centro-Oeste (62%), Sul (51%), Norte (50%), Sudeste (44%) e Nordeste (28%).
As doenças que mais apresentaram aumento de mortes em 2021 foram as cardíacas isquêmicas, com ritmo de 274 óbitos por dia; as cerebrovasculares, que chegam a 246 a cada 24 horas; e o diabetes, com 184 óbitos diários.
As doenças que mais apresentaram aumento de mortes em 2021 foram as cardíacas isquêmicas, com ritmo de 274 óbitos por dia; as cerebrovasculares, que chegam a 246 a cada 24 horas; e o diabetes, com 184 óbitos diários.
Em Minas Gerais, doenças cerebrovasculares são a causa maior de mortes. Apenas nas macrorregiões de saúde Oeste, Leste e Sudeste há mais mortes por doenças isquêmicas do coração.
Reflexos da suspensão de consultas e cirurgias
A SES-MG confirma que muitos pacientes foram afetados pela pandemia, mesmo sem ter contraído a COVID-19, uma vez que procedimentos eletivos, como cirurgias e consultas, foram suspensos como forma de prevenir possível sobrecarga na rede pública de saúde.
“Também tiveram seus atendimentos presenciais suspensos, parcial ou totalmente, serviços ambulatoriais com a assistência voltada para pessoas que necessitam de reabilitação, hipertensos, diabéticos e (pacientes) odontológicos, entre outros”, acrescentou.
“Também tiveram seus atendimentos presenciais suspensos, parcial ou totalmente, serviços ambulatoriais com a assistência voltada para pessoas que necessitam de reabilitação, hipertensos, diabéticos e (pacientes) odontológicos, entre outros”, acrescentou.
A pasta destaca, contudo, que desde o fim de 2020 e ao longo de 2021, a retomada dos serviços ambulatoriais e hospitalares eletivos têm ocorrido “de forma responsável e organizada, mediante a ação estratégica Cuida de Minas, um programa que busca garantir a integralidade e continuidade do cuidado aos usuários do SUS com condições crônicas e com outras condições de saúde que precisam ser assistidas mesmo em tempo de pandemia. Cabe ressaltar, também, que os serviços de urgência e emergência nunca pararam”, informou a secretaria.
No momento, a SES-MG informa avaliar a contratação de prestadores de serviços de saúde e um novo plano de gestão hospitalar para cirurgias eletivas.
No momento, a SES-MG informa avaliar a contratação de prestadores de serviços de saúde e um novo plano de gestão hospitalar para cirurgias eletivas.
O Ministério da Saúde afirma prestar apoio irrestrito aos gestores locais do SUS (estados e municípios) para a realização de cirurgias, e acrescenta que liberou R$ 350 milhões em recursos extras, repassados após a comprovação dos procedimentos.
“Como resultado dos mais de 300 milhões de doses de vacina COVID-19 distribuídas para todo o país, o Brasil ultrapassa a marca de mais de 100 milhões de brasileiros completamente vacinados, passando de 60% do público-alvo imunizado com as duas doses da vacina ou com o imunizante de dose única. O resultado do esforço do governo federal, em conjunto com os estados e municípios, é um cenário de pandemia mais arrefecido, com queda no número de casos e óbitos, e um sistema público de saúde menos pressionado”.
“Como resultado dos mais de 300 milhões de doses de vacina COVID-19 distribuídas para todo o país, o Brasil ultrapassa a marca de mais de 100 milhões de brasileiros completamente vacinados, passando de 60% do público-alvo imunizado com as duas doses da vacina ou com o imunizante de dose única. O resultado do esforço do governo federal, em conjunto com os estados e municípios, é um cenário de pandemia mais arrefecido, com queda no número de casos e óbitos, e um sistema público de saúde menos pressionado”.