Algo incrível no espaço estava à espera da juiz-forana Rafaela Bigonha Bovareto Silveira, de 15 anos. Só faltava ela descobrir. Essa certeza e o amor investido na astronomia converteram-se no gatilho necessário para que a estudante da 1ª série do ensino médio acabasse descobrindo oito asteroides entre as órbitas de Marte e Júpiter. Agora, a Nasa vai investigar os corpos celestes encontrados pela jovem para identificar se há possibilidade de algum deles entrar em rota de colisão com a Terra. Tal análise, no entanto, pode levar de seis a dez anos.
Na última quinta-feira (28/10), a família recebeu a reportagem do Estado de Minas em casa, em um condomínio na Zona Oeste de Juiz de Fora, na Zona da Mata, para conversar sobre a nova conquista da filha – que, inclusive, foi medalhista de ouro neste ano na Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica (OBA) e também na Olimpíada Nacional de Ciências (ONC).
Devido à pontuação de destaque obtida na OBA, Rafaela participa atualmente de um processo seletivo para formação das equipes que vão representar o Brasil na Olimpíada Internacional de Astronomia e Astrofísica (IOAA).
A descoberta dos oito corpos celestes feita pela jovem aconteceu durante o projeto intitulado Caça Asteroides – uma iniciativa realizada no Brasil por meio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), em parceria com a International Astronomical Search Collaboration (IASC), vinculada à Agência Espacial Norte-Americana (Nasa).
Rafaela e outros participantes analisaram 25 pacotes de imagens do espaço registradas por um telescópio da Universidade do Havaí (EUA). “Os asteroides têm movimentos definidos nas suas órbitas, o que não acontece, por exemplo, com estrelas e galáxias. Então, com base nisso, é possível fazer a identificação”, explica a estudante, acrescentando que os trabalhos foram realizados entre os dias 2 e 27 de setembro.
No quarto de sua casa, utilizando um software no computador chamado Astrométrica, a adolescente gastava, em média, cerca de duas horas para analisar as imagens captadas pelo telescópio.
“A gente recebeu um treinamento para conseguir utilizar o programa. Foi um trabalho muito minucioso, no qual eu tinha que observar cada quadrante da imagem. Nesse processo, a gente acaba encontrando também os asteroides já conhecidos e catalogados. Eu repetia o processo todos os dias e sempre à noite”, explica.
Paixão pela astronomia na infância
Dependendo do dia, a rotina de investigação era ainda mais pesada, conta o funcionário público Marcos Renato Silveira, de 50 anos, pai de Rafaela. “Já aconteceu, muitas vezes, de ela iniciar os trabalhos às 19h e só parar às 23h”, revela.
Foi justamente por meio do pai, aos seis anos de idade, que a jovem deu os primeiros passos rumo ao espaço. À época, ele mostrou à filha a série de TV “Cosmos”, do norte-americano Carl Sagan (1934-1996) – astrofísico que acabou se tornando uma inspiração para a estudante. Segundo ela, o nome do cientista e dos membros de sua família serão usados para nomear os asteroides. No entanto, a nomeação definitiva só acontece após o término das análises da Nasa
Na magia expressa por meio das cores vibrantes apresentadas pelo pai por meio da série, Rafaela encantou-se pela infinidade de possibilidades ao mergulhar no desconhecido. “O universo, a Terra e os demais planetas eram ali apresentados com uma linguagem muito acessível. Eu gostava muito de assistir e resolvi mostrar a série pra ela”, conta Marcos, sem imaginar que anos depois sua filha optaria pela faculdade de astronomia.
“Na época, eu assistia e não entendia direito. Porém, eu ficava encantada com as cores. Aquilo, de alguma forma, despertou algo em mim. Hoje, a decisão de estudar astronomia no curso superior foi comunicada aos meus pais no dia 5 de janeiro deste ano. Montei uma apresentação pensando em tudo que eu queria falar. Foi um momento emocionante e eu até chorei, pois não imaginava qual seria a reação deles, já que não tem astronomia aqui na cidade e eu teria que, obrigatoriamente, sair de Juiz de Fora”, conta Rafaela, que também tem o desejo de atuar como palestrante e professora de astronomia.
Faculdade nos EUA
Embora a paixão pelas coisas do universo tenha tido início há algum tempo na vida da jovem astrônoma, os pais, até então, imaginavam outros rumos para o futuro profissional da filha.
“Eu pensei que ela fosse fazer nutrição e psicologia. No entanto, quando ela contou para a gente, nós demos total apoio”, destaca a professora de língua portuguesa Daniela Bigonha Bovareto Silveira, de 43 anos, mãe da adolescente.
Inicialmente, Rafaela cogitou a possibilidade de ingressar na graduação na Universidade de São Paulo (USP). “Hoje em dia, meus pais estão mais liberais com a ideia de que eu more fora do Brasil. Por isso, eu estou considerando estudar astronomia nos EUA, mas ainda não escolhi uma instituição”, diz Rafaela.
“O coração fica apertado com a possibilidade dela sair do país. No entanto, a gente apoia porque é o que ela ama fazer”, diz a mãe. “É a ordem natural das coisas. Ela deve ir atrás do sonho dela. Se é o que ela gosta, é o que ela tem que fazer”, complementa o pai.
Com a mesma energia que Rafaela se debruça sobre os estudos de sua área de atuação, ela também tem sede de transmitir o conhecimento e trocar experiências nas redes sociais. Logo, no ano passado ela deu início ao projeto de iniciação científica intitulado Astronomia Poética, no Instagram.
Bastante atuante nas redes, ela publica vídeos, artes e textos, temperando esses conteúdos com muito didatismo, carisma e, algumas vezes, pitadas de bom humor. “No início, eu só postava resenhas literárias de livros sobre astronomia. Depois comecei a fazer divulgação científica porque eu gosto muito”, comenta.
“Muita gente manda mensagem perguntando como iniciar os estudos de astronomia. Outras já entendem do assunto, mas querem dividir experiências. Eu adoro instruir as pessoas quanto a isso. Indico livros, séries, filmes, entre outros materiais relacionados ao tema”, finaliza Rafaela, com um sorriso no rosto e a certeza de que – assim como o universo é infinito – o seu prazer em testemunhar o aprendizado de outras pessoas tomando forma também não tem fim.