O chão do entorno do chamado marco zero de Belo Horizonte, a Praça Raul Soares, ganhou cores e desenhos que refletem a arte indígena. Trata-se do Festival Cura – Circuito Urbana de Artes –, que este ano está em sua 6ª edição.
Neste fim de semana, quem passou próximo ao local pôde acompanhar uma das programações do festival, o trabalho dos artistas Shipibo Sadith Silvano e Ronin Koshi, da Amazônia Peruana, que desenvolvem uma pintura nas faixas centrais da praça.
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BH poderá ter capacidade total de público em eventos e jogos de futebolCOVID-19: BH aplica segunda dose em jovens de 26 e 29 anosA partir do dia 3, aula presencial é compulsória na rede municipal de BHArte dialoga com cena urbana da Praça Raul SoaresBH: setor de eventos teme não conseguir fazer grandes festas ainda em 2021E essa ação na praça só deve terminar amanhã (2/11), data em que o Festival Cura também finaliza as atividades pela capital. O processo de pintura-ritual foi programado para ser realizado de forma ininterrupta por 72 horas. Quando terminar, a pintura deve ter 2.870m²: a maior já feita fora do Peru.
A ideia do festival foi trazer para Minas Gerais a marca forte da identidade dos kenés (declarados patrimônio cultural do Peru), o bordado mítico de padrões geométricos e labirínticos, inspirado pela cultura Ayahuasqueira.
União dos povos
A dupla de artistas responsáveis pela intervenção na praça saíram da Amazônia Peruana – parte da Amazônia que se circunscreve dentro do território do Peru – e enfrentaram as diferenças da língua, comida e costumes para representar sua cultura e seu povo em Minas Gerais.
“Pra gente, entregar essa obra, essa memória dos nossos avós, é muito importante”, comentou Ronin Koshi, orgulhoso e honrado com a oportunidade de realizar o desenho. “Muito gratificante para nosso povo e nosso país porque uma cultura indígena está fazendo a maior obra do mundo e não em nosso país de origem, mas num país que nos acolheu e nos chamou de irmãos”, afirmou.
Sadith Silvano também se diz motivada e agradecida com a possibilidade de disseminar sua cultura fora de seu território. “Nossa alma tem todo amor do mundo para compartilhar. Essa é uma arte de terapia, de cura, de resistência cultural”, disse.
Acolhimento e afeto
Esta é a primeira vez que a dupla sai de seu país, mas acolhimento do público belo-horizontino já deixou uma boa impressão. “BH que abriu as portas é muito acolhedora, muito organizada. Muito feliz de ver meu povo numa cidade tão grande e moderna”, afirmou Sadith.
Enquanto pintava o chão da praça, a artista recebeu o entusiasmo dos espectadores. “Quando estamos na rua pintando, as pessoas passam e elogiam. Isso me fortalece enquanto pessoa, me faz sentir mais feliz, me tira um sorriso”, agradece. “Espero que não seja a última vez aqui.”
Ronin reiterou: “as pessoas nos tratam muito bem”, afirmou. “Eu estava vendo um edifício em branco e fiquei pensando como seria legal se a gente pintasse. Como a gente deixou a marca no chão, queremos deixar essa arte nos edifícios também.”
Praça Raul Soares
A intervenção artística teve lugar certo para se instalar. A Praça Raul Soares, um dos principais símbolos da cidade, guarda a cultura dos povos originários do Rio Amazonas. O cartão-postal, inaugurado em 3 de setembro de 1936, é o único do gênero na capital cujo piso leva pedra portuguesa com mosaicos marajoara.
“O CURA é um festival com multicamadas de atravessamentos e diálogos diversos, e a chegada na Praça Raul Soares nos fez ver a magia da cultura Marajoara tatuada no centro da nossa cidade. Praça que também nos levou a uma mulher incrível que é a Tainá Marajoara, cozinheira, artista, realizadora cultural e pensadora indígena”, explica Flaviana Lasan, curadora convidada desta 6ª edição.
Conversa guiada
Amanhã, a partir das 16h, Tainá vai guiar uma vivência, na Praça Raul Soares, com mais três mulheres que trabalham com comida, cura e arte: Mayo Pataxó, Silvia Herval e Patricia Brito. O encontro tem relação com o dia de Finados, pois, segundo o festival, "trazer vida à morte é um ato de resistência. Juntas, elas vão compartilhar saberes e também homenagear todos que se foram".
“É um encontro que, ao mesmo tempo, é fruto de um processo artístico e de intenções, encantarias e espiritualidade. A gente tá falando entre corações, um diálogo de arte de afetos que vai ser oferecido em transcendência no centro geométrico de Belo Horizonte”, explica Tainá.
Atrações do CURA
O Festival Cura iniciou-se no dia 21 de outubro e contou com cinco programações, previstas para serem finalizadas nesta terça-feira (2/11). Além do chão pindado e da “vivência”, as as apresentações contam com pinturas de empena e intervenções artísticas, como a pintura-ritual, e também, projeções, como a realizada no Edifício JK.
Confira abaixo algumas das outras artes propostas pelo festival este ano:
Edifício Paula Ferreira
Uma das primeiras intervenções artísticas iniciadas pelo movimento foi dada pelo artista Ed-Mun, no Edíficio Paula Ferreira, na Praça Raul Soares, nº 265. Anfitrião do CURA21, ele é conhecido no mundo do graffiti pela caligrafia 3d.O artista disse que sua pintura irá causar a impressão de que ela vem de dentro do prédio, e busca homenagear a escrita: "uma comunicação por símbolos e grafismos, inspirada na arte marajoara, na pintura rupestre, com um estilo urbano contemporâneo que é o graffiti 3d e com um pouco de anamórfico”, afirmou.
Edifício Levy
A segunda empena artística também teve início no primeiro dia do festival. No Edifício Levy, localizado na Avenida Amazonas, 718, a artista Kassia Rare Karaja Hunikuin com Coletivo Mahku (Movimento dos Artistas Huni Kuin), propõe uma pintura-ritual inspirada na cultura indígena. Segundo os artistas, eles buscam expressar com a arte, a força do povo guardião da floresta, a luta pelo direito ao território.Edifício JK
O Edifício JK, na Rua dos Guajajaras, 1268, presenciou, na noite do dia 23 de outubro, uma projeção realizada pelo Coletivo VIVA JK, que homenageou a população LGBTQIA %2b.Segundo o movimento artístico, "as pessoas fotografadas representam a ancestral luta por reconhecimento da própria identidade, sendo entidades da comunidade queer belo-horizontina".
* Estagiário sob supervisão da subeditora Ellen Cristie.