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Estado de Minas DENÚNCIA

Violência obstétrica em Itabira: irmã de gestante denuncia hospital

Tânia Mara busca por respostas pela forma como o hospital tratou sua irmã, grávida, que, após a bebê nascer morta, teve o útero retirado e hemorragia no fígado


12/11/2021 16:42 - atualizado 12/11/2021 18:08

Fachada do Hospital Municipal Carlos Chagas, da Fundação São Francisco Xavier
A reportagem da DeFato procurou a Fundação São Francisco Xavier e encaminhou alguns questionamentos sobre o caso (foto: ACOM/FSFX)

A itabirana Tânia Mara de Almeida usou seu perfil no Instagram, na última segunda-feira (8/11), para denunciar um caso de violência obstétrica sofrido por sua irmã, Ângela Maria de Almeida, no Hospital Municipal Carlos Chagas, em Itabira, na Região Central de Minas. De acordo com a postagem, as decisões tomadas pela equipe que atendeu sua irmã culminaram na morte da bebê, Ana Laura. 

 

Em entrevista ao site DeFato Online, Tânia e seu marido, Isac Júnior, explicaram que o caso aconteceu em 3 de novembro. Ângela estava com 40 semanas de gestação, ao dar entrada no hospital queixando de dores no peito e no braço direito. Ela passava por uma gravidez de risco após dois abortos.

 

 

 

 

 

“Fizeram alguns exames nela, com resultados inconclusivos. Mas trataram como embolia pulmonar e aplicaram um anticoagulante. Ela não tinha dilatação nem contração. Minha irmã ficou em observação na UTI, para ser monitorada por 12 horas e fazer o parto na manhã seguinte”, relata.

 

Tânia relata ainda que poucas horas depois, o quadro da irmã piorou com uma queda de pressão. “A obstetra estava lá para fazer o parto. Mas o cirurgião plantonista não estava no hospital. Por volta das 22h, começou a cesariana de emergência, mas a médica já sabia que a bebê tinha entrado em óbito”, descreve.

 

Ela explica que a própria médica levantou a hipótese de que a bebê poderia não ter resistido, pois não tinha conseguido auscultá-la nos exames preliminares. Tânia também disse que a família aguardou do lado de fora do hospital por notícia, mas que as informações eram desencontradas e foram alimentadas falsas esperanças de que a bebê estava bem.

 

“Teve uma enfermeira que veio pedir uma roupinha da Ana Laura e falou ‘daqui a pouco ela está aqui com vocês’. Depois, o que nos falaram foi que ela nasceu, teve uma parada cardíaca e estavam tentando reanimar. Como iam reanimar se ela já estava morta há um tempão?”, relembra Tânia. 

 

A irmã seguia no bloco cirúrgico, pois a médica havia detectado uma hemorragia interna no fígado. Porém, o cirurgião plantonista ainda não tinha sido encontrado. “A médica retirou o útero, fechou a minha irmã com uma hemorragia interna no fígado e mandou para a UTI. O cirurgião de plantão tinha ido embora às 19h20. Nem se ele morasse do outro lado da cidade demoraria tanto para voltar. Ele só chegou de madrugada, à 1h45. Porque ele não estava fazendo o plantão dele lá dentro?” questiona Tânia.

 

Saiba mais:   MP recomenda a Ministério da Saúde 'medidas' contra violência obstétrica  

 

Boletim de Ocorrência

 

Tânia e o marido Isac chamaram a polícia e fizeram um boletim de ocorrência (B.O.). Além da família, foram ouvidas enfermeiras e a médica obstetra responsável pelo parto. À Polícia Militar, a médica disse que fez a cesariana de emergência e confirmou que a bebê foi retirada sem sinais vitais.

 

“Durante a avalição da paciente [a obstetra] tentou escutar o bebê e não conseguiu. Por esse motivo, levou a paciente para o bloco cirúrgico para fazer uma cesárea. Segundo a médica obstetra, quando ela abriu a barriga da paciente, esta estava com sangramento fora do útero, que ela (médica) acreditava que o sangramento poderia estar saindo do fígado; que, sendo assim, retirou o bebê, o qual já não apresentava sinais vitais, e que, além disso, foi necessário retirar o útero da paciente devido o sangramento”, diz o boletim de ocorrência.

 

O B.O. ainda explica que “a doutora relatou que, após a retirada do útero, a paciente continuava apresentando sangramento. Contudo, como não era de sua competência, ela acionou o cirurgião que estava de sobreaviso. Como não podia deixar a paciente com a barriga aberta, ela fechou a barriga da paciente mesmo com o sangramento interno e encaminhou para a UTI para receber sangue para aguentar nova cirurgia, caso fosse necessário, após avaliação do cirurgião”.

 

Ainda na ocorrência, os policiais informam que não foi possível ouvir o cirurgião, já que ele estava em atendimento à paciente sem previsão de horário de término.

 

Questionamentos

A publicação feita por Tânia traz, ainda, uma série de questionamentos sobre o Hospital Municipal Carlos Chegas, onde tudo aconteceu. Segundo ela, o vídeo recebeu uma grande quantidade de relatos de violência obstétrica sofrida por dezenas de outras mulheres itabiranas.

 

“Não estou aqui para denegrir a imagem de ninguém, mas no dia em que eu enterrei a minha sobrinha tinha mais duas crianças e uma mãe sendo enterradas. Eu te pergunto, se eu não tivesse ido a público teriam enterrado minha irmã também?”, desabafa.

 

O marido de Tânia, Isac Júnior fez questão de falar como a dor da perda vem afetando a família. “Nesse momento é hora de pensar na Ângela, porque ela ainda está internada. Na hora de fazer o velório da neném, ninguém viu a dor do pai que perdeu a filha e está com a esposa internada. Ele não tem condições de brigar por isso, mas eu tenho.”

 

Diante da repercussão, a Fundação São Francisco Xavier (FSFX), gestora da unidade hospitalar, divulgou uma nota de esclarecimento que causou indignação na família. Isac informou que uma denúncia foi formalizada no Ministério Público. “Não é uma situação tão simples quanto a FSFX falou na nota deles. Minha cunhada passou por três cirurgias e eles trataram apenas como uma fatalidade.”

 

Para Tânia, essa é uma luta que está apenas começando. “Eu não me arrependo. Se não tivesse feito isso, será que minha irmã estaria viva? A gente não pode fechar os olhos para o que está acontecendo”, finalizou.

 

A DeFato entrou em contato com o Ministério Público para saber em que situação está a averiguação dos fatos, mas até a publicação dessa reportagem não obteve resposta.

 

O que diz a FSFX

A reportagem da DeFato procurou a Fundação São Francisco Xavier e encaminhou alguns questionamentos sobre o caso. Entre as perguntas enviadas, a reportagem quis saber quais exames foram realizados e medicamentos foram ministrados em Ângela Maria de Almeida; porque o cirurgião plantonista não estava no hospital e o motivo da demora de sua chegada; quantos partos foram realizados nos dias 3 e 4 de novembro e quantos óbitos de bebês ou mães aconteceram nos mesmos dias; como a FSFX lida com esse tipo de caso; e qual a assistência oferecida para a família da Ângela.

 

Além disso, também foram solicitados documentos relativos à denúncia feita por Tânia Almeida. DeFato pediu o posicionamento da Fundação São Francisco Xavier; a escala de plantão dos médicos nos dias 3 e 4 de novembro de 2021 (incluindo cirurgiões gerais e obstetras); o prontuário médico e estado de saúde de  Ângela e os números de óbitos de bebês e mães na maternidade do Hospital Carlos Chagas no último ano.

 

A assessoria de comunicação da instituição respondeu apenas que “conforme a Lei Geral de Proteção dos Dados (LGPD) não temos autorização para passar dados de saúde da paciente. Somente a família que tem esse direito”. E encaminhou uma nota de esclarecimento sobre o caso. Leia na íntegra.

 

Saiba mais:  Sanções da Lei de Proteção de Dados já estão em vigor; confira  

 

“Sobre o fato ocorrido nesta madrugada de 4 de novembro de 2021, a respeito da paciente  gestante que questionou a demora de intervenção cirúrgica, a Fundação São Francisco Xavier,  responsável pela administração do Hospital Municipal Carlos Chagas esclarece que a gestante  deu entrada na unidade hospitalar com queixa de dor torácica e falta de ar. A paciente, então,  foi encaminhada à Unidade de Terapia Intensiva – UTI da unidade para monitoramento e  tratamento. Após evolução desfavorável do quadro de saúde, foi necessária a realização de  cesárea de urgência, quando, devido às complicações, foi constatada a morte fetal. A paciente  segue sob cuidados na UTI do Hospital Municipal Carlos Chagas que está prestando todo o  apoio necessário aos familiares e à paciente.”

 

Polêmica da maternidade SUS

As maternidades em Itabira têm sido alvo de debates e polêmicas desde 2015. Na época, o então prefeito municipal, Damon Lázaro de Sena firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com Ministério Público para que o Hospital Municipal Carlos Chagas (HMCC) fosse destinado exclusivamente aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). Esse acordo gerou a necessidade de uma licitação.

 

A Fundação São Francisco Xavier foi a vencedora do processo e assumiu, em janeiro de 2016, o contrato de R$ 455.583.650 pela gestão referente a um prazo de dez anos. Ainda nesse ano, em julho, a maternidade SUS foi transferida, definitivamente, para o HMCC. O HNSD, então, optou por direcionar sua maternidade para clientes de planos de saúde e particulares.

 

Em julho de 2017, o Hospital Nossa Senhora das Dores (HNSD) iniciou uma negociação com a Prefeitura de Itabira para retomar o atendimento pelo SUS em sua maternidade.

 

Manter a maternidade do HNSD se tornou um desafio desde as mudanças de 2016. Esse ano, com a possibilidade do fechamento, diversas instituições se manifestaram como a Associação Médica de Itabira que considera a hipótese um grande retrocesso. Durante as reuniões ordinárias da Câmara de Itabira, o vereador Neidson Freitas chegou a cobrar a Prefeitura de Itabira um posicionamento sobre o assunto.

 

Ainda em fevereiro, uma reunião no gabinete do atual prefeito, Marco Antônio Lage, reuniu setores envolvidos no assunto, como Promotoria Pública; secretaria municipal de Saúde; Associação Médica de Itabira; Conselho Regional de Medicina; e Unimed Itabira. Uma das possibilidades de solução levantadas foi o reajuste nos valores repassados pelos planos de saúde para a realização dos partos no hospital. Algo considerado inviável pela Unimed.

 

As discussões se arrastaram até junho de 2021, quando o HNSD anunciou que conseguiria manter a maternidade até dezembro desse ano. Houve um consenso entre os envolvidos na divisão das despesas, de forma igualitária. Os R$ 100 mil de déficit mensal gerados pela maternidade foram divididos por: HNSD; Unimed; planos de saúde Pasa e AMS; a classe médica; pediatras que assistem o setor hospitalar. Cada um vem arcando ou absorvendo R$ 17 mil do passivo gerado.

 

Recentemente, em outubro, o provedor do HNSD Márcio Labruna, declarou que há 80% de chance da maternidade não fechar. “Os serviços que criamos pode aumentar o número de partos e médicos terão mais consultas. Toda a renda dessas consultas será canalizada para atenuar o déficit. Não é que o déficit acabou, ele continua sendo dividido, só que agora é muito menor. Hoje, temos renda do Pronto Atendimento e da clínica da mulher que vão somar e viabilizar a maternidade”, declarou na época.

 

Em tempo

 

Durante a última reunião ordinária da Câmara de Vereadores de Itabira (9), o vereador Bernardo Rosa (PSB) deu um depoimento pessoal a respeito.

 

“Eu tenho uma filha de um ano e seis meses e sei o quanto é o amor que temos pelos nosso filhos. Quando do parto da minha esposa, nós tínhamos a opção de ir para o Hospital Carlos Chagas. Lá, infelizmente, eles esperam até os 45 minutos do segundo tempo para fazer o parto, porque eles priorizam o parto natural. Eu achei um absurdo! Aí, eu tive que pagar o parto no Hospital Nossa Senhora das Dores com receio pela integridade física da minha filha. Minha mulher já estava com 39 semana, não tinha a dilatação necessária e teria que ficar lá aguardando. Então, eu sinto a dor e sei como é, principalmente para a mulher”, relatou.

 


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