Um vereador de Patos de Minas quer proibir a linguagem neutra em escolas e universidades e, para tanto, tentou criar uma lei municipal para multar o professor que apresentasse o dialeto em quase R$ 1,3 mil. A proposta, no entanto, foi barrada em comissão e agora o legislador quer vetar a linguagem em todo o Brasil.
O vereador da cidade do Alto Paranaíba é Gladston Gabriel (Podemos), que classifica a linguagem neutra como um "atentado à norma culta da língua portuguesa", além de causar prejuízos a indivíduos com deficiência comunicativa, como autistas. Especialistas em educação, no entanto, discordam de tal visão ao classificar o veto como "uma política de silenciamento e discriminação" (leia mais abaixo).
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“Desta forma, a gente sensibiliza o órgão responsável, a nível federal, para que verse sobre esse assunto, para que tenhamos a proteção da língua portuguesa em nossa nação”, diz.
Justificativa do vereador
Gladston Gabriel justifica que o projeto visa garantir o emprego da norma culta da língua portuguesa. "A língua portuguesa e suas regras gramaticais têm como intuito facilitar a comunicação, representando a identidade, história e valores de uma nação."
O vereador pondera ainda que a linguagem neutra pode comprometer o entendimento por pessoas que apresentam deficiências de comunicação. "Outro fator é o prejuízo na comunicação verbal e escrita, e aqui em especial das pessoas disléxicas, surdos e cegos. Neste contexto, a linguagem neutra, promoveria ainda mais a dificuldade de inclusão social para estas pessoas, que por sua vez já tiveram por base seus aprendizados na norma culta da língua portuguesa".
O que previa o projeto barrado?
O projeto de lei nº 5375/2021, que foi barrado pela CLJR, estabelecia a proibição do uso da chamada "linguagem neutra" nas escolas e universidades públicas e particulares de Patos de Minas. Pelo texto, o professor que usar tal dialeto estará sujeito, em caso de reincidência, a multa de R$ 1.299,00.
A proposta de Gladston Gabriel possui três artigos que estabelecem:
- É garantido o não uso de linguagem neutra, nas instituições de ensino público e privado de Patos de Minas e a sua não utilização em materiais didáticos e curriculares, assim como em editais de processos seletivos e concursos públicos.
- Aplica-se nos currículos da educação infantil, do ensino fundamental, médio e técnico, estendendo-se ao ensino superior.
- O descumprimento acarretará sanções administrativas aos estabelecimentos que menciona e aos profissionais de educação. Sendo:
I – Advertência para as instituições e ou profissionais da educação;
II – Multa de 300 UFPM’s (R$ 1.299), ao profissional da educação, seja da rede privada ou pública, em caso de reincidência.
O que é linguagem neutra?
Trata-se da substituição dos artigos feminino e masculino por "x", "e" ou até pela "@" em alguns casos. "Amigo" ou "amiga" virariam "amigue" ou "amigx". As palavras "todos" ou "todas" seriam trocadas, da mesma forma, por "todes", "todxs" ou "tod@s".
Esse tipo de linguagem visa adaptar o português para pessoas não binárias (que não se identificam nem com o masculino nem com o feminino) ou intersexo.
Ouvido pelo Estado de Minas em projeto semelhante proposta em Juiz de Fora, o doutor em educação pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Roney Polato, “a proposição desse tipo de projeto de lei demonstra profundo desconhecimento sobre o que é a educação e, sobretudo, sobre a escola, seus currículos e suas práticas.”
“Proibir que estudantes da educação básica possam conhecer outras formas de expressão da língua – e as múltiplas linguagens que caracterizam as maneiras de ser e estar no mundo – fere a própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, já que ela define a educação como algo que deve ser inspirado em princípios de liberdade e solidariedade humana”, disse o docente, em contraponto ao que foi apresentado pelo parlamentar, em Juiz de Fora, do ponto de vista da legislação.
“Portanto, tentar proibir o uso da diversidade das linguagens na escola, o que inclui conhecer e pensar sobre o uso da linguagem neutra, é colocar-se contra princípios legais e constitucionais. Sobretudo, é promover uma política de silenciamento e discriminação com as pessoas que não se enquadram em normas socialmente constituídas”, concluiu o docente.
Leia o que pensa outro especialista em educação aqui.