O fechamento de uma escola infantil e a notícia de vários casos de COVID-19 fazem com que a vizinhança do Bairro Nova Gameleira ainda não se sinta aliviada como a maior parte de Belo Horizonte, que vive reduções drásticas nos números de infectados pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2). Na contramão da tendência na capital, a comunidade experimentou aumento de 10% nos casos e mortes confirmados no mês de novembro.
“A gente fica com medo. Vê esse tanto de gente saindo sem máscara, circulando juntos e aglomerando. Enquanto isso, até fecharam essa escolinha de mais de 20 crianças e funcionários. Muitos são gente do bairro”, afirma a moradora e atendente Kacielen Godinho, de 35 anos. “Tomo minhas precauções, só atendo atrás do balcão, com máscara e distância. Mas nem todo mundo é assim. E muita gente pega (a COVID-19) fora e vem para o bairro, onde mora. Realmente, as pessoas estão facilitando. Parece que não aprenderam”, completa a comerciante Rita de Cássia Freitas Viana, de 72.
Com uma brusca redução no avanço de casos e mortes causados pelo novo coronavírus, chegando a 80% na comparação com o auge do colapso hospitalar, em maio, Belo Horizonte respira o alívio na ocupação de leitos de UTI e a liberdade das flexibilizações nas atividades. Mas especialistas alertam: ainda há focos de doentes com a COVID-19 em bairros, onde é preciso que se mantenha a vigilância das autoridades sanitárias, para que surtos não façam esse respiro se tornar desespero, como ocorre com as novas ondas de contágio pela Europa e Ásia.
Pelo menos 70 bairros de BH tiveram aumento de doentes acima de 1% em novembro, sendo 11 acima de 5%, segundo levantamento da reportagem do Estado de Minas sobre dados do Boletim Epidemiológico e Assistencial da Prefeitura de Belo Horizonte fechado no último dia 24. A Secretaria Municipal de Saúde afirma que há reforço de monitoramento em comunidades com maior número de casos, mas que todas as regionais apresentam queda na transmissão da COVID-19.
Mesmo com a expressiva redução geral de casos em BH, chegando a 80%, a Região Oeste, por exemplo, onde fica o Bairro Nova Gameleira, recuou apenas 55% e é onde estão a maior parte dos bairros com ampliação acima de 5% no contágio durante o mês. Já na Regional Noroeste, em novembro, o Bairro Santo André apresentou aumento de 12,6% de casos confirmados com quadros graves de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) e mortes pela COVID-19. A mesma região registrou alta também no Bairro Serrano, de 5,3%.
Na Oeste, onde é maior a concentração de comunidades com ampliação de casos, a situação é mais preocupante no Nova Gameleira, com 10,1%, seguido do Havaí (7,1%), Salgado Filho (7,1%), Jardim América (6,7%), Cabana do Pai Tomás (6,2%) e Nova Suíssa (5,2%). Os índices apresentam alta, também, no Bairro Lagoa (7%), em Venda Nova, Santa Amélia (5%), na Pampulha, e no Bairro das Indústrias (5%), no Barreiro.
O risco de um descontrole local desencadear um surto não parece próximo, mas o infectologista Dirceu Greco, professor da Faculdade de Medicina da UFMG e presidente da Sociedade Brasileira de Bioética, afirma ser uma ameaça difícil de prever. “Por isso, é importante o geoprocessamento (tratamento por programas e cálculos de informações geográficas): para intervir no momento certo em lugares propensos a se iniciar um surto. O papel da vigilância é cercar esses possíveis surtos, procurar quem estava envolvido, em uma busca ativa, mesmo que não saiba onde estava ocorrendo. Isso é importantíssimo”, avalia o especialista.
Até o momento, para o médico, o alívio que se sente é uma somatória do avanço da vacinação com as pessoas que acabaram tendo contato com o vírus e desenvolveram defesas imunológicas. Contudo, isso não deve ser entendido como motivo para não terminar a aplicação das duas doses ou a dose única, dependendo de cada imunizante. “Sem que os vacinados completem as doses necessárias de cada vacina, o vírus sempre encontrará um caminho para continuar com os surtos. A discussão sobre as características (de cada imunizante) e a necessidade de tornar obrigatória a vacina não podem encobrir nosso direito de lutar para receber todas as doses necessárias. É um direito do cidadão”, destaca.
Descuido precoce
nas comunidades
Caminhar por bairros que ainda registram aumento de casos de novo coronavírus em Belo Horizonte é, muitas vezes, como uma volta no tempo, para a época em que não se sabia exatamente como se prevenir, quando as máscaras não eram obrigatórias e nem havia regulamentação específica contra aglomerações. No Santo André, onde se registrou o maior aumento de contágio em novembro, da ordem de 12,6%, áreas comerciais têm pessoas aglomeradas, a maioria sem proteção facial ou usando o acessório de forma ineficiente.
Na Rua Mendes de Oliveira, vários pontos de comércio atraem pessoas que circulam sem máscara, conversam com atendentes desprotegidos e são por eles servidos da mesma maneira. Em sacolões e feiras, clientes sem proteção manipulam e se debruçam sobre frutas, verduras e legumes. Em oficinas e lava-jatos que usam ruas e calçadas para trabalhar nos veículos, também é comum ver concentração de pessoas, em um clima de despreocupação muito parecido com o que se tinha antes da pandemia: brincando, contando piadas, rindo e até cantando próximas umas das outras, comportamentos que auxiliam na disseminação viral.
Mas, mesmo nesse ambiente menos rígido, há quem siga firme nas regras de proteção sanitária. Pontos comerciais com correntes e faixas que obrigam cliente e atendentes a manterem distância e pessoas que continuam se protegendo com as máscaras e evitando aglomerações, cruzando ruas para não se aproximar de concentrações. É a receita da dona de casa Vera Carvalho, de 58 anos, que toma todos os cuidados e proteções ao buscar o neto de 6 em uma escola do bairro. “As pessoas relaxaram bastante, mas o perigo ainda está circulando. Melhorou, mas ainda está aí. Perdi uma prima e uma cunhada. Onde moro, faleceram dois vizinhos de 50 anos. Pessoas boas. Fomos criados juntos e todo mundo ficou muito triste. Não pudemos nem ter velório ou assistir ao enterro. Mas muita gente está se esquecendo disso, e não tem nem um ano”, afirma.
Na Região Oeste, que concentrou em novembro bairros com avanço de casos, cenas de descuido se repetem. Na Rua Oscar Negão de Lima, uma multidão circula pelos quarteirões de serviços do Detran sem proteção, próximas umas das outras, gritando para oferecer serviços de despachante ou vagas de estacionamento, tudo em meio ao sobe e desce de veículos que buscam serviços na repartição. Mais adiante, no Jardim América, aglomerações de pessoas desprotegidas se dão nos passeios do importante cruzamento entre as ruas Maquiné e Concórdia, entre supermercados, feiras, drogarias, padarias e sacolões, em meio a outras pequenas lojas. No Salgado Filho, a Rua Lagoa da Prata lembra uma avenida de cidades menores, onde nas portas dos comércios se formam rodas de pessoas a palmos de distância umas das outras, conversando animadas com máscaras presas ao queixo.
“As pessoas relaxaram bastante, mas o perigo ainda está circulando. Perdi uma prima e uma cunhada. Onde moro, faleceram dois vizinhos. Mas muita gente está se esquecendo disso, e não tem nem um ano”
Vera Carvalho, 58 anos, moradora do Bairro Santo André
Saúde afirma manter
taxas sob atenção
A Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte informa que usa indicadores de monitoramento, tais como os indicativos da COVID-19 em bairros e regionais, como parâmetros para avaliação da tendência da pandemia na cidade. “As medidas adotadas pela prefeitura são definidas e utilizadas de modo geral para todo o município e, até o momento, têm proporcionado resultados satisfatórios no controle da COVID-19. De acordo com os indicadores de monitoramento da doença, o número de casos por região tem apresentado variações, o que não indica piora na transmissão da doença. Atualmente, todas as regionais vêm apresentando queda de casos. Essa diminuição se deve ao aumento progressivo da cobertura vacinal em toda a cidade”, informou.
De acordo com os indicadores de monitoramento, a situação atual é de estabilidade, com tendência de queda, principalmente em relação à taxa de incidência, que passou de 400 para cerca de 50 casos por 100.000 habitantes nos últimos meses. “O município tem mantido as ações de prevenção e orientação, além do pleno funcionamento das unidades de saúde da capital. Há também unidades de repescagem para aplicação da vacina. Os locais estão espalhados pelas nove regionais, por tipo de imunizante”, informa a SMSA.
A secretaria indica, ainda, que o local de moradia dos cidadãos não é necessariamente o mesmo do contágio. “Nos bairros com maior número de casos, os profissionais das equipes de saúde das áreas de abrangência são orientados a intensificar o monitoramento dos pacientes. Além de reforçar medidas de controle e prevenção, como o distanciamento social, medidas sanitárias de higienização e uso de máscaras”, conclui a secretaria.