Você já se deparou por aí com o termo doenças negligenciadas? Sabe o que significa? O assunto é tão sério que tem até data especial: 30 de janeiro, marcado no calendário como o Dia Mundial de Combate às Doenças Tropicais Negligenciadas (DTN).
Conforme Boletim Epidemiológico da Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde (MS), em edição especial de março de 2021, as doenças tropicais negligenciadas ocorrem em 149 países, geralmente em populações pobres da África, Ásia e América Latina.
Um grupo de diferentes enfermidades compõe esse conjunto, e não há um critério universal para inseri-las. O termo “negligenciada” foi proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS), devido às empresas farmacêuticas multinacionais não despertarem interesse e pelo investimento baixo de recursos destinados a esse grupo de doenças.
Conforme Boletim Epidemiológico da Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde (MS), em edição especial de março de 2021, as doenças tropicais negligenciadas ocorrem em 149 países, geralmente em populações pobres da África, Ásia e América Latina.
Um grupo de diferentes enfermidades compõe esse conjunto, e não há um critério universal para inseri-las. O termo “negligenciada” foi proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS), devido às empresas farmacêuticas multinacionais não despertarem interesse e pelo investimento baixo de recursos destinados a esse grupo de doenças.
De acordo com a OMS, atualmente, 17 doenças parasitárias crônicas são classificadas como DTNs, entre elas raiva, doença de Chagas, leishmaniose e esquistossomose, entre outras. No Brasil, essas doenças persistem como problema de saúde pública.
Conforme a Agência Fiocruz de Notícias, embora as doenças tropicais e a tuberculose sejam responsáveis por 11,4% da carga global de doença, apenas 21 (1,3%) dos 1.556 novos medicamentos registrados entre 1975 e 2004, foram desenvolvidos especificamente para essas doenças.
Por que isso acontece? Qual o atual cenário? O que é preciso mudar? Quem responde a essas e a outras questões é Vitória Ramos, gerente de advocacy, relações institucionais e assuntos humanitários da Médicos Sem Fronteiras (MSF), organização internacional de ajuda humanitária com expertise na área.
Conforme a Agência Fiocruz de Notícias, embora as doenças tropicais e a tuberculose sejam responsáveis por 11,4% da carga global de doença, apenas 21 (1,3%) dos 1.556 novos medicamentos registrados entre 1975 e 2004, foram desenvolvidos especificamente para essas doenças.
Por que isso acontece? Qual o atual cenário? O que é preciso mudar? Quem responde a essas e a outras questões é Vitória Ramos, gerente de advocacy, relações institucionais e assuntos humanitários da Médicos Sem Fronteiras (MSF), organização internacional de ajuda humanitária com expertise na área.
A COVID-19 é um exemplo claro de que, quando há recursos, é possível desenvolver muito rapidamente tecnologias médicas para diagnosticar, tratar ou até prevenir, como é o caso da vacina
Vitória Ramos
Quais foram os impactos da pandemia no enfrentamento às doenças negligenciadas?
O impacto da pandemia no tratamento das doenças negligenciadas, assim como no de várias doenças crônicas, foi o mesmo. Com a chegada do novo coronavírus, o sistema de saúde redirecionou sua capacidade de atendimento para os casos de COVID-19, represando o atendimento a pacientes crônicos e àqueles que precisavam de acompanhamento na atenção primaria de saúde. A própria população deixou de buscar assistência médica temendo contrair o novo coronavírus. Recentemente, estivemos no Ministério da Saúde (MS) falando sobre a doença de Chagas e soubemos que a demanda pelo tratamento caiu. Certamente, há muito trabalho para ser feito agora. O que virá pela frente? Bom, o sistema de saúde continua estressado, especialmente por conta dos profissionais que estão muito cansados após todos os esforços realizados durante a pandemia. Eles ainda continuam trabalhando muito na campanha de vacinação da população. Mas também temos os aprendizados deixados pela COVID-19. Por exemplo, podemos aperfeiçoar várias estruturas do sistema de saúde, como a parte ligada à notificação de algumas doenças.
O que são as chamadas doenças negligenciadas?
A Organização Mundial de Saúde (OMS) trabalha com o conceito de doenças tropicais negligenciadas em uma lista de 20 enfermidades que afetam diferentes grupos populacionais, geralmente de países com baixa e média rendas localizados na África, na Ásia e nas Américas. Chagas, leishmaniose visceral, hanseníase e escabiose são alguns exemplos de doenças negligenciadas que afetam pessoas em situação de vulnerabilidade e que, por seu baixo poder aquisitivo, não despertam o interesse da indústria farmacêutica e dos institutos de pesquisa, que não desenvolvem novas formas de combatê-las, tratá-las e diagnosticá-las. Invisíveis, essas pessoas também são ignoradas pelas políticas públicas de saúde.
No Brasil, qual doença negligenciada tem a maior incidência?
Pensando na lista da OMS, o Brasil ainda é afetado por várias dessas doenças, em especial a doença de Chagas, a hanseníase, a dengue e a chikungunya. Algumas delas afetam populações muito pequenas e isoladas, mas outras, como a de Chagas, ainda atingem milhões de brasileiros.
Muitas das chamadas doenças negligenciadas podem não ser letais e até são facilmente curadas ou tratadas. Mas, como afetam pessoas com pouco acesso à saúde, podem levar a óbito
Vitória Ramos
Quais doenças negligenciadas são as mais letais?
A questão da letalidade vai depender muito do nível de acesso à saúde que essas populações têm. Muitas das chamadas doenças negligenciadas podem não ser letais e até são facilmente curadas ou tratadas. Mas, como afetam pessoas com pouco acesso à saúde, podem levar a óbito. Esse é o caso do envenenamento causado por picada de cobra, que foi incluída na lista de doenças negligenciadas da OMS. Atualmente, há poucas empresas produzindo soro antiofídico, pois, comparado com outras drogas, o medicamento não é lucrativo.
Para doenças negligenciadas não há vacinas? Não há inovação nessa área? Com o avanço da tecnologia, não seria possível ter medicamentos mais eficazes para essas doenças? Ou falta interesse?
Sim, com certeza. Esse é um dos principais problemas relacionados às doenças negligenciadas: a falta de interesse da indústria e das instituições no desenvolvimento de pesquisas e em novos tratamentos. A COVID-19 é um exemplo claro de que, quando há recursos, é possível desenvolver muito rapidamente tecnologias médicas para diagnosticar, tratar ou até prevenir, como é o caso da vacina. Só para comparar, os medicamentos usados por pacientes com Chagas foram desenvolvidos nas décadas de 1960 e 1970 para outra doença, mas acabaram sendo utilizados para a enfermidade. No entanto, podem ser altamente tóxicos, provocando muitos efeitos adversos. É óbvio que a população já deveria contar com terapias menos agressivas, mas essa não é a realidade. Como eu disse, doenças que afetam populações em situação de vulnerabilidade não geram o retorno financeiro desejado pelas empresas.
Quais são os tratamentos disponíveis para as pessoas infectadas por essas doenças?
Os tratamentos vão variar muito, porque estamos falando de doenças muito diferentes entre si, causadas por bactérias, vírus e diversos patógenos. Na verdade, quando estamos falando de tratamento para doenças negligenciadas, simplesmente não temos tratamentos adequados. Ou faltam investimentos para melhorar tecnologias de diagnóstico, terapia e prevenção ou não há políticas públicas que tragam benefícios para as populações afetadas.
Em relação às doenças negligenciadas, o governo brasileiro não age em prevenção, pesquisa e investimento em novos tratamentos? O SUS não tem apoio para atender essa população? E a iniciativa privada não age porque não dá dinheiro ou interesse?
Dependendo da doença negligenciada, o Ministério da Saúde (MS), por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), desenvolve programas em diferentes formatos e com diversos níveis de investimentos. Por exemplo, voltando à doença de Chagas, o governo investiu durante as décadas de 1980, 1990 e 2000 no controle do vetor de transmissão da doença, que é o inseto conhecido como barbeiro. Focando na prevenção, você começa a diminuir a incidência de novos casos. Porém, as pessoas que já foram infectadas, continuam recebendo tratamento inadequado e muitas nem sequer recebem o diagnóstico, porque ninguém se lembra mais de que essa doença existe. Nem mesmo os profissionais de saúde estudam nas faculdades muitas dessas enfermidades. O ideal, e o que a gente esperaria, é que os médicos do Programa Saúde da Família, do SUS, fossem capacitados para diagnosticar e prescrever o tratamento para os seus pacientes. Sobre a iniciativa privada, os investimentos são sempre focados nos projetos mais rentáveis, o que não é o caso das terapias para as doenças negligenciadas.
Como a MSF atua neste cenário? O que mais é preciso ser feito para dar visibilidade às doenças negligenciadas?
O MSF costuma ser uma das únicas organizações que oferecem atendimento direto a pacientes afetados por doenças negligenciadas. Nos últimos 30 anos, nossas equipes trataram centenas de milhares de pacientes com doença de Chagas (tripanossomíase americana), doença do sono (tripanossomíase humana africana) e leishmaniose visceral (LV ou calazar), entre outras enfermidades que afetam as populações em áreas muito remotas e sem acesso à saúde. E é exatamente essa experiência que nos dá legitimidade para falar e buscar soluções para realidades que não podem permanecer negligenciadas. A questão do envenenamento por picada de cobra, por exemplo, foi reconhecida como uma doença negligenciada pela OMS após uma campanha da MSF e de outros atores. Também apoiamos os esforços do governo brasileiro para a criação do Dia Mundial da Doença de Chagas pela OMS, que agora é em 14 de abril. Desde 2019, a data dá visibilidade para a questão e ajuda a trazer para a discussão temas como quais são os compromissos assumidos pelos governos, o que está sendo feito e quais são as políticas públicas que podem ser desenvolvidas para o enfrentamento da doença.