Primeiro, eles enfrentaram as agruras da seca, rogando pelo retorno das chuvas como solução. Mas, quando chegaram, ao mesmo tempo em que foram comemoradas, as águas do céu vieram em excesso e acabaram provocando danos. Essa é a situação enfrentada neste ano pelos moradores dos municípios do Norte de Minas e dos Vales do Jequitinhonha e do Mucuri, as regiões do semiárido mineiro.
Por causa dos temporais deste mês, concentrados em curto espaço de tempo e acima da média histórica, 29 municípios dos vales do Jequitinhonha e do Mucuri estão numa situação paradoxal: encontram-se em estado de emergência devido à seca e por conta dos prejuízos causados pelas chuvas ao mesmo tempo.
Entre esses lugares estão, por exemplo, Machacalis e Águas Formosas, cidades do Mucuri que foram arrasadas pelas inundações nos primeiros dias de dezembro.
No Norte de Minas, mesmo que tenham causado transtornos em alguns municípios, as precipitações da atual temporada chuvosa foram festejadas por amenizar os prejuízos acumulados pela seca histórica, que castigou a região ao longo dos anos anteriores.
Por mais de uma década, as densidades pluviométricas da região, além de poucas, foram mal distribuídas. As chuvas registradas no Norte do estado no intervalo de outubro até os primeiros dias de dezembro provocaram mudanças completas no cenário da região.
O exemplo dessa transformação é o caso de um lago na localidade de Lagoa da Barra, no município de Francisco Sá. No final de setembro, a reportagem do Estado de Minas esteve no lugar e fotografou a lagoa vazia, com o chão trincado e a vegetação seca ao seu redor. No início deste mês, a reportagem voltou ao local e flagrou o mesmo reservatório completamente cheio, com a pastagem recuperada, dominada pelo verde no seu entorno e com a paisagem marcada pela presença de um rebanho bem-alimentado.
No Norte de Minas, mesmo que tenham causado transtornos em alguns municípios, as precipitações da atual temporada chuvosa foram festejadas por amenizar os prejuízos acumulados pela seca histórica, que castigou a região ao longo dos anos anteriores.
Por mais de uma década, as densidades pluviométricas da região, além de poucas, foram mal distribuídas. As chuvas registradas no Norte do estado no intervalo de outubro até os primeiros dias de dezembro provocaram mudanças completas no cenário da região.
O exemplo dessa transformação é o caso de um lago na localidade de Lagoa da Barra, no município de Francisco Sá. No final de setembro, a reportagem do Estado de Minas esteve no lugar e fotografou a lagoa vazia, com o chão trincado e a vegetação seca ao seu redor. No início deste mês, a reportagem voltou ao local e flagrou o mesmo reservatório completamente cheio, com a pastagem recuperada, dominada pelo verde no seu entorno e com a paisagem marcada pela presença de um rebanho bem-alimentado.
Apesar de em excesso, acima da média histórica, as chuvas da atual temporada no Norte do estado ainda não foram suficientes para a recuperação do lençol freático, que garante a manutenção de nascentes e rios. Por isso, mesmo com o tempo chuvoso, famílias da zona rural da região ainda continuam na dependência da chegada da água em caminhões-pipa.
“As chuvas registradas ainda não foram suficientes para resolver o problema da seca no Norte de Minas porque tivemos um passivo de longas estiagens ao longo de 12 anos”, afirma o coordenador de Defesa Civil da Associação dos Municípios da Área Mineira da Sudene (Amams), Sérgio Nassau. Ele afirma que praticamente depois de uma década de índices pluviométricos muito baixos, nos últimos dois anos, o Norte do estado registrou quantidades de chuvas mais significativas. O problema é que as chuvas vêm de maneira irregular, mais concentradas nos meses de novembro, dezembro, janeiro e fevereiro, conforme apontam estudos da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater-MG).
Uma comprovação prática desse cenário é que, mesmo com o início da temporada chuvosa em 15 de novembro, o governo do estado renovou, prorrogando por mais seis meses, o decreto que reconhece emergência em função dos efeitos da seca em 146 municípios mineiros, dos quais 85 no Norte do estado, na área da Amams – e os demais nos vales do Jequitinhonha e do Mucuri. A situação emergencial também foi reconhecida pelo governo federal.
Falta d'água
Sérgio Nassau salienta que, ao mesmo tempo em que as chuvas provocaram problemas como destruição de pontes e alagamentos, centenas de pessoas da mesma região ainda sofrem com os efeitos da seca. A prova disso é que, lembra ele, após o inicio da temporada chuvosa, 70 municípios norte-mineiros apresentaram o Plano Municipal de Distribuição de Água Potável (PMDA), encaminhado ao governo do estado, com pedido de manutenção da cessão de caminhões-pipa para o fornecimento de água para cerca de 6 mil famílias, totalizando 30 mil pessoas a serem atendidas.“Por outro lado, ainda temos 30 municípios da região que, mesmo após as chuvas, mantiveram o abastecimento das comunidades rurais por caminhões-pipa por conta própria, seja com veículos da prefeitura ou com caminhões alugados.”
Segundo ele, como a média é de dois veículos mantidos em circulação por cada prefeitura, existem 60 caminhões-pipa rodando no Norte de Minas por conta dos municípios, entre os quais Coração de Jesus, São Francisco, Manga, Ibiracatu, Berizal e Monte Azul, sendo que este último também teve problemas provocados pelas chuvas neste mês.
O presidente da Amams, José Nilson Bispo de Sá, lembra que o norte do estado passa por dois extremos, com os impactos deixados pela seca e a estiagem prolongada e os prejuízos econômicos causados pelas chuvas e enchentes. Ele argumenta que tem feito gestões junto aos governos estadual e federal, a fim de que sejam liberados recursos para obras estruturantes – como a construção de barraginhas de captação de água da chuva – e de combate aos efeitos da seca, de forma permanente, além de ações emergenciais como o abastecimento de água por caminhões-pipa e a distribuição de cestas básicas para os flagelados.
Estragos
Um dos municípios historicamente afetados pelas longas estiagens é Espinosa (32,1 mil habitantes), no extremo norte de Minas, na divisa com a Bahia. Neste ano, a angústia se repetiu e a população enfrentou seis meses de estiagem (entre março e setembro), que provocou a falta d'água para o abastecimento humano e a morte de animais.As chuvas retornaram na região em outubro. Na madrugada de 8 de dezembro passado, uma tempestade em Espinosa provocou vários danos no município, entre os quais a derrubada de parte da torre da Igreja Matriz São Sebastião, a principal da cidade. Ninguém ficou ferido. O prefeito de Espinosa, Milton Barbosa (PT), diz que em um único dia foram registrados na cidade 123mm de chuva. Além dos estragos na igreja, o dilúvio derrubou pontes e danificou estradas vicinais, deixando duas comunidades rurais do município isoladas: Espigão e Rio Grande.
Ele diz, no entanto, que mesmo com os danos, comemora o volume de chuvas, depois do sofrimento provocado pela estiagem prolongada.“Os problemas provocados pelas chuvas podem ser reparados em pouco tempo, como os estragos nas estradas e pontes. Os danos causados pela seca são irreparáveis, como as perdas de animais pelos pequenos produtores”, avalia o prefeito de Espinosa.
Chuvas acima da média histórica
O meteorologista Ruibran dos Reis, do Climatempo, observa que novembro de 2021 foi um mês com volume pluviométrico significativo no Norte de Minas. Ele lembra que, em Montes Claros, cidade-polo da região, foram registrados em novembro 230,1mm de chuvas, 3% acima da média histórica para o mês no município, que é de 224,4mm.
No mês de dezembro, as precipitações continuaram elevadas na região. Os índices registrados nos primeiros 12 dias do mês provocaram problemas em alguns municípios, como Monte Azul, Porteirinha, Serranópolis de Minas, Espinosa e Salinas. Assim como os vales do Jequitinhonha e Mucuri, o volume de chuvas no Norte de Minas em dezembro deverá ficar em torno de 40% a 50% acima da média histórica, segundo Ruibran dos Reis.
Mesmo assim, observa o meteorologista, as pancadas de chuva de novembro e dezembro ainda não são suficientes para recompor o lençol freático do Norte de Minas. “O problema é que a região permaneceu um período longo de seca. Para recuperar o lençol freático e melhorar as vazões das nascentes e dos reservatórios, teria que ocorrer muita chuva ainda, por pelo menos três meses seguidos”, avalia Ruibran.
Destruição e prejuízo causados pelos extremos
Vinte e nove municípios dos vales do Jequitinhonha e do Mucui encontram-se em estado de emergência por causa da seca e da chuva ao mesmo tempo. Eles já se encontravam em situação emergencial por decretos das próprias prefeituras ou foram incluídos no decreto do governo do estado em 15 de novembro, que prorrogou a situação de emergência em 146 cidades por mais seis meses.
Agora, tiveram o quadro de emergência decretado pelo governo de Minas por causa dos estragos provocados pelos temporais da primeira quinzena de dezembro.
Uma das cidades em “emergência dupla” é Machacalis (7.115 habitantes), no Vale do Jequitinhonha. Ao longo de sete meses (de abril a novembro), houve acúmulo de prejuízos com a seca, que afetou duramente a economia do município, baseada na agricultura e na produção leiteira. Por causa da estiagem, a prefeitura decretou estado de emergência no município em 28 de junho. Nos primeiros dias de dezembro, os mesmos moradores de Machacalis que sofreram com a seca enfrentaram outro tormento: a cidade foi arrasada pelas fortes chuvas. Os rios Água Branca e Norte, que cortam a área urbana do município, transbordaram. A parte baixa da cidade foi alagada, deixando 2.903 moradores desalojados e outros 400 desabrigados.
Os temporais também provocaram transtornos e prejuízos na zona rural, onde pontes foram destruídas e estradas ficaram intransitáveis, deixando os pequenos produtores isolados e sem condições de transportar o leite e outros produtos. Machacalis foi uma das 31 cidades – grande maioria nos vales do Jequitinhonha, do Mucuri e do Rio Doce – incluídas em decreto de emergência, publicado pelo governo do estado em 10 de dezembro, reconhecendo a situação crítica nas cidades por causa das chuvas.
Com isso, o município ficou em situação de emergência por causa da seca e do excesso de chuvas ao mesmo tempo. O decreto do município, que oficializou a situação emergencial por causa da seca, assinado em julho, tem validade até 25 de dezembro.
“O nosso município tem uma situação complexa: primeiro, estava sofrendo com a seca, que afetou, principalmente, o homem do campo. Em dezembro, as chuvas chegaram de uma vez e atingiram nosso povo de forma catastrófica”, lamenta o secretário municipal de Agricultura e Meio Ambiente de Machacalis, Alexandre Amador de Souza Soares. Ele lembra que, por causa da estiagem prolongada, os pequenos produtores do município tiveram muitos prejuízos com a perda de hortaliças, queda na produção leiteira e ainda na pecuária de corte, atividades que são os pilares da economia local.
Isolamento
Por sua vez, a presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Machacalis, Klécila Rejane Reis, afirma que, com as fortes chuvas do início deste mês, as inundações destruíram muitas plantações na zona rural do município. Além disso, diz Klécila, muitos produtores tiveram prejuízos porque ficaram isolados e não puderam escoar a produção leiteira.A situação de Machacalis se repetiu no município vizinho de Águas Formosas (19,2 mil habitantes), na mesma região. Águas Formosas entrou na lista das 146 cidades que tiveram o estado de emergência prorrogado em novembro por causa da seca. Ao longo dos primeiros 10 meses de 2021 (até outubro), foram registrados no município somente 340mm de chuvas, o que provocou as perdas de 400 cabeças de gado, com prejuízos da ordem de R$ 5 milhões, e 3 mil famílias de pequenos produtores perderam suas plantações, segundo dados da prefeitura local.
“Muitos animais morreram de sede e pouca disponibilidade de alimento. Algumas comunidades chegaram a ficar sem água disponível para consumo humano”, afirma Siumara Santos Oliveira, coordenadora da Defesa Civil da Prefeitura de Águas Formosas. Nos primeiros 10 dias de dezembro, os temporais na cidade foram fortes. Em virtude das fortes chuvas, dezenas de casas de Águas Formosas foram derrubadas, danificadas ou inundadas, deixando 213 famílias desalojadas. Conforme a prefeitura, a zona rural, antes afetada pela seca, agora foi duramente castigada pelas chuvas: 12 pontes caíram e 10 comunidades ficaram isoladas.
O Rio Pampam, que corta o município, também teve o seu nível elevado e causou danos aos moradores ribeirinhos. Segundo Siumara Santos, os prejuízos provocados pela chuva em Águas Formosas estão estimados em mais de R$ 5,5 milhões, considerando as moradias atingidas, rede de esgoto estourada, pontes derrubadas e as perdas de móveis e eletrodomésticos sofridas pelos moradores.
Ainda no Vale do Mucuri, a pequena Bertópolis (4,6 mil habitantes) também encara o quadro emergencial devido às chuvas depois de enfrentar a mesma situação por causa da estiagem prolongada. Após encarar o sofrimento imposto pela falta de chuva, neste mês, moradores da zona rural viveram prejuízos pelo excesso de água. “Tivemos muitos danos materiais, com as quedas de pontes e de barreiras, que inviabilizaram o acesso à zona rural”, afirma a secretária de Assistência Social de Bertópolis, Flávia Ferreira Martins Silva. Ela lembra que o excesso de chuvas ocasionou a perda de lavouras e de animais para os pequenos agricultores, mas os prejuízos ainda não foram calculados.
Chuva comemorada por produtores rurais
Se alguns reclamam, outros comemoram as precipitações da atual temporada. É o caso dos agricultores de Catuti, na microrregião da Serra Geral, no Norte de Minas. O assessor técnico da Cooperativa dos Produtores Rurais de Catuti (Coopercat), José Tibúrcio de Carvalho Filho, ressalta como aspecto positivo a chegada das chuvas mais cedo este ano na região, em outubro.
“As chuvas deste ano agrícola começaram em outubro, com cerca de 110mm. As chuvas continuaram em novembro e, assim, possibilitaram a recuperação das pastagens e dos mananciais”, descreve Carvalho Filho, que é o coordenador do Projeto de Retomada de Algodão do Norte de Minas, desenvolvido pela cooperativa de Catuti. O técnico observa que não eram registrados volumes de chuvas significativos na região desde março de 2021, o que agravou os problemas decorrentes da seca.
“A alimentação do rebanho bovino estava dependente de aquisição de alimentos oriundos de outras regiões, o que onerava, em condições de inviabilizar economicamente a produção leiteira. As chuvas recuperaram as pastagens, produzindo forragens verdes de altíssima qualidade, o que impacta bastante na redução do custo de produção da região”, afirma Tibúrcio de Carvalho Filho.
Ele destaca que o bom regime de chuvas ocorrido até agora animou os 99 pequenos agricultores participantes do projeto de retomada do plantio do algodão em Catuti, que, juntos, cultivam uma área total de 516,5 hectares. Segundo ele, a expectativa dos cotonicultores da região é alcançar uma produtividade média de 80 arrobas por hectare em área de sequeiro e de 250 arrobas nas lavouras com o sistema irrigado. A colheita do plantio feito neste mês está prevista para março de 2022.
Cidades em duplo estado de emergência
- Águas Formosas
- Almenara
- Araçuaí
- Bandeira
- Bertópolis
- Caraí
- Carlos Chagas
- Catuji
- Crisólita
- Felisburgo
- Franciscópolis
- Itaobim
- Jacinto
- Jequitinhonha
- Joaíma
- Jordânia
- Machacalis
- Mata Verde
- Monte Formoso
- Novo Cruzeiro
- Novo Oriente de Minas
- Pavão
- Pedra Azul
- Ponto dos Volantes
- Rubim
- Santo Antonio do Jacinto
- Teófilo Otoni
- Umburatiba
- Virgem da Lapa
Fontes: Minas Gerais, diário oficial do estado – Defesa Civil MG