No dia 21 de dezembro 2019, Tatiana da Silva, de 31 anos, foi assassinada de forma covarde, com golpes de faca, nas costas, no peito e no ombro esquerdo, em Manhuaçu, região do Caparaó. Inconformado com a separação, o ex-companheiro, foi à casa dela, a chamou no portão e cometeu o crime bárbaro. Preso, à época, atualmente ele cumpre pena pelo crime.
A data é lembrada com tristeza pela família de Tatiana, amigos e autoridades policiais de Manhuaçu. Mas nem tudo se resume à tristeza. Passados dois anos do crime, as polícias Civil e Militar e os setores organizados da sociedade na região de Manhuaçu, que atuam no enfrentamento à violência doméstica, comemoram, com alegria, o sucesso de suas ações desenvolvidas nos últimos dois anos, e a inexistência de crimes de feminicídio nesse período, em todos os municípios da Comarca de Manhuaçu.
Essas ações são reconhecidas nacionalmente. O último reconhecimento público foi feito no Supremo Tribunal Federal, em Brasília, em 7 de dezembro de 2021, quando o ministro Dias Tóffoli entregou à escrivã da Polícia Civil de Minas Gerais, Ana Rosa Campos, o Prêmio Innovare, na categoria “justiça e cidadania”.
Ana Rosa, que atua da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), de Manhuaçu, criou a atendente virtual Frida, um chatbot que funciona no WhatsApp e se transformou em um canal para as mulheres vítimas de violência denunciarem os seus agressores e ter acesso a serviços importantes da Deam, como a expedição de medidas protetivas.
O delegado regional de Polícia Civil, em Manhuaçu, Felipe de Ornelas Caldas, disse que a Frida é uma ferramenta simples, mas tem por trás um forte aparato de policiais civis e militares, com atuação destacada de policiais femininas, tanto na Deam, quanto no Patrulha de Prevenção à Violência Doméstica (PPVD), da Polícia Militar, além das autoridades judiciárias.
“A Polícia Civil atua em sintonia com a Polícia Militar, sem descanso, 24 horas por dia, nos 7 dias da semana”, disse. O delegado explica que as denúncias recebidas são analisadas de forma criteriosa. Em casos de urgência extrema, a Polícia Militar é acionada. “Já houve casos em que o agressor foi surpreendido pela polícia, que chegou rápido na casa onde aconteciam as agressões e salvou a mulher de ser morta”, disse.
A PPVD em ação
O major Agnaldo de Souza Schuab, do 11° Batalhão de Polícia Militar de Manhuaçu, destacou a atuação da Patrulha de Prevenção à Violência Doméstica (PPVD) nestes dois anos sem feminicídios na comarca de Manhuaçu. Ele explicou que o serviço da PPVD tem como missão desestimular ações criminosas no ambiente doméstico e familiar, contribuindo para a proteção da mulher vítima de violência.
“Primeiramente, a vítima recebe o atendimento da equipe de policiais militares com quem tem contato no momento dos fatos. Em seguida, após análise das ocorrências de maior gravidade e das reincidências, uma equipe da PPVD entra em contato com a vítima para apresentar o programa e verificar se é de seu interesse que seu caso seja acompanhado de perto pela Polícia Militar”, disse o major.
A PPVD é uma equipe constituída, no mínimo, por dois policiais militares, que prestam serviço de proteção à vítima real ou potencial. Em Manhuaçu, a PPVD é integrada pelo 2º Sargento Ailton e pela Cabo Elenice, que atuam em conjunto com outros órgãos da rede de enfrentamento à violência doméstica e familiar do município (Delegacia da Mulher, CREAS, CRAS, Poder Judiciário, Ministério Público, Serviço de Assistência Jurídica do Município) visando um ciclo completo de acolhimento e atendimento à vítima, agindo como mediadores de conflito para estimular a quebra do ciclo da violência.
Segundo dados do 11º BPM, em 2021, a equipe PPVD realizou 736 atendimentos às mulheres seguindo o protocolo de atendimentos. Foram realizadas, até o momento, 2.985 visitas preventivas, com o objetivo de encerrar o ciclo de violência e garantir os encaminhamentos necessários. “Essas e outras atuações possibilitaram que fatos graves, incluindo o feminicidio, fossem evitados na comarca de Manhuaçu”, disse o major Schuab.
Mulheres comemoram
A delegada da Polícia Civil, titular da Deam, em Manhuaçu, Adline Ribeiro, vê a atendente Frida como uma grande aliada no enfrentamento à violência doméstica. O Projeto Frida é um orgulho para nós, já que a Frida tem sido, ao lado do trabalho em rede, um mecanismo de extrema importância. As mulheres conversam com a delegacia por meio de um simples ‘oi’ pelo WhatsApp”, disse.
Vítima de violência doméstica, a médica Sylvia Prata, que atua em Manhuaçu, pôs fim às agressões que sofria do seu ex-companheiro depois de denunciá-lo à Deam por meio da Frida. “A Frida foi um divisor de águas na minha vida”, disse, lembrando que foi muito bem atendida pelas polícias.
A escrivã de polícia, Ana Rosa Campos, criadora da Frida, celebrou os dois anos sem feminicídios, prevendo mais ações das polícias em 2022. “Enquanto no Brasil os índices de violência doméstica aumentaram, em razão da pandemia da COVID-19, Manhuaçu vive situação oposta à realidade nacional. Este marco demonstra que estamos no caminho certo e os desafios para 2022 são ainda maiores, e vamos multiplicar os dias sem ocorrência deste bárbaro crime, criando novas estratégias para o enfrentamento da violência doméstica."
O que é feminicídio?
Feminicídio é o nome dado ao assassinato de mulheres por causa do gênero. Ou seja, elas são mortas por serem do sexo feminino. O Brasil é um dos países em que mais se matam mulheres, segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
A tipificação do crime de feminicídio é recente no Brasil. A Lei do Feminicídio (Lei 13.104) entrou em vigor em 9 de março de 2015.
Entretanto, o feminicídio é o nível mais alto da violência doméstica. É um crime de ódio, o desfecho trágico de um relacionamento abusivo.
O que diz a Lei do Feminicídio?
Art. 121, parágrafo 2º, inciso VI
"Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:
I - violência doméstica e familiar;
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher."
Qual a pena por feminicídio?
Segundo a 13.104, de 2015, "a pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência; na presença de descendente ou de ascendente da vítima."
Como denunciar violência contra mulheres?
- Ligue 180 para ajudar vítimas de abusos.
- Em casos de emergência, ligue 190.
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