Jornal Estado de Minas

NATAL

Solidariedade de mão dupla: por que o ato de doar também é um presente

O espírito do Natal está presente no abraço de quem acolhe, no sorriso da criança ao ganhar um brinquedo, no momento de agradecer pelo alimento recebido – ou pela satisfação de poder doar. Por isso, o sentido da celebração vem também das mãos unidas para ajudar famílias, dos pés ligeiros rumo a comunidades, dos corações abertos à doação. Em Belo Horizonte e pelo interior mineiro, são muitos os voluntários empenhados em transformar esta data em tempo de esperança, paz, alento, fazendo da solidariedade a vacina contra a solidão, e do afeto o poderoso remédio pela harmonia no mundo. Assim, em perfeita sintonia com o momento, onde quer que a voz chegue, é hora de desejar, a quem doa ou recebe: feliz Natal!.





Diante dos olhos de Marcos Paulo Pacífico, de 11 anos, o mundo é redondinho, colorido e brilhante como o presente embalado em papel laminado que acaba de receber. “Fico feliz por ganhar a bola para brincar com os amigos”, disse o jovem morador do Bairro João Pinheiro, na Região Noroeste de Belo Horizonte. O brinquedo foi entregue pelo Papai Noel moçambicano e seminarista Armindo Afonso Lopes, durante a festa de Natal para 120 crianças das vilas 31 de Março, Delta e parte do Bairro Pinheiros, realizada no Convivium Emaús, da Arquidiocese de BH. Além dos presentes, muitas brincadeiras, lanche e animação também para as famílias – tudo feito com recursos doados por pessoas da região.

Também perto da árvore de Natal, Rafaela de Araújo Moreira Soares, de 5, ganhava a sonhada boneca, entregue pela Mamãe Noel Rosana Gonçalves. “Muito legal”, agradeceu a menina ao lado da mãe, Ana Lúcia de Araújo Moreira Filha. Enternecida com a cena, a tia de Marcos Paulo, Camila Costa Pacífico, foi certeira: “Ações de solidariedade, de inclusão são muito importantes, o tempo todo”.

Em tempos tão difíceis para a humanidade, nada melhor que enxergar a esperança em quem personifica tal sentimento particular e o desejo coletivo: as crianças. E lá estavam, na frente do presépio, a doméstica Tamara Nayara Calazans, de 26, e os filhos Matheus, de 10, Marcos Brayan, de 8, e Ulisses, de 2. “A mão que oferece uma cesta básica para a família ou o presente dos meninos precisa vir lá do fundo do coração. Esse é o maior valor, aí está o sentido da doação”, disse Tamara.





E o que desejar a quem se dispõe a ajudar os necessitados? “Só posso desejar em dobro. A solidariedade é sinal de um coração grande”, responde Karla Cristina de Rezende, de 44, que tem três filhas, de 27, 19 e 16, e adotou João Vitor, de 4.

AMOR E DIGNIDADE 


Em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, os 40 integrantes da organização não governamental (ONG) Solidariedade – Todos Juntos Sempre vêm, há meses, se virando do avesso para fazer as cestas de Natal e doar não só a famílias das áreas urbana e rural do município, como também de comunidades de São José de Almeida, em Jaboticatubas, Morro Alto, em Vespasiano, e da zona rural de Baldim, todas na Grande BH. Para garantir os recursos, a turma fez rifas, tardes festivas e “passou o chapéu” em casas e empresas.

Ao todo, foram distribuídas 510 cestas com alimentos e o mesmo número de kits de limpeza, além de frangos, panetones, chocolates e biscoitos e 400 quilos de suã. Cerca de 700 crianças de 1 a 11 anos também receberam brinquedos, que foram cuidadosa e carinhosamente embrulhados.





Na manhã de terça-feira, na sede da ONG criada há cinco anos, os voluntários mostraram que Papai Noel, na verdade, trabalha o ano todo. Afinal, durante a pandemia, entregaram centenas de marmitas a pessoas que perderam o emprego ou estavam passando fome. “Fazer o bem, em qualquer época, nos torna mais felizes. A carência não é só do alimento, mas também de afeto”, ressalta a vice-presidente da Solidariedade – Todos Juntos Sempre, Marly Avelino da Costa.

Foi com alegria que Marly e Luiz Gabrich entregaram os presentes a Alexandre Faria Soares e aos dois filhos, Raphaelle, de 9, e Miguel, de 8 meses. “Pago aluguel, então fica tudo mais difícil nesta época”, contou Alexandre, certo de que uma doação traduz bom coração e simplicidade. “É um ato de respeito à dignidade das pessoas”, observou Gabrich.

Satisfeita com as ações de generosidade, a voluntária Piedade Henrique Machado Santos destacou: “O espírito natalino desperta o que temos de melhor, as virtudes que trazemos. É importante a gente se colocar no lugar dos outros”. Ao lado, a filha dela, Karoline Helene Henrique Soares, revelou encontrar apenas uma palavra para descrever a entrega: “Emoção”. Cleia Márcia Pereira contou que, ao entregar um frango a um homem que catava restos e peles da ave em um lixão, ouviu uma frase que emociona e entristece: “Há muitos anos não vejo um frango. Só como os restos que encontro”.





Já em BH, a aposentada Neide José da Silva Ratts, de 71, não tem dúvida de que a solidariedade pode mudar vidas – de quem recebe e de quem doa. Desde que começou a ajudar os necessitados, ela assegura que se tornou uma pessoa melhor. “Até para comer eu era chata, mas a rua nos mostra todos os lados”, afirma a moradora do Bairro Nova Suíssa, na Região Oeste da capital.

Acostumada a levar comida à população em situação de rua às quartas-feiras e aos sábados, Neide e um grupo que inclui 12 voluntários entregam alimentos e presentes a até 280 pessoas no período natalino. “Cada saída é um aprendizado, o valor da doação não tem limite”, ensina a aposentada, que tem levado o neto Gabriel, de 10, para fazer a entrega das refeições, cobertores, escovas de dentes e outros artigos de primeira necessidade. “Só tenho a agradecer a Deus pela oportunidade de fazer essas ações. A palavra para definir tudo é gratidão”, resume Neide, para quem, se Papai Noel existe, ele precisa estar presente o ano todo, e em todo lugar.

ÁRVORE E FRUTOS 


No Santuário Arquidiocesano São José, mais conhecido como Igreja São José, no Centro de BH, o tradicional pinheiro de Natal se transformou na Árvore da Solidariedade. Com objetivo de arrecadar 5 mil brinquedos e alimentos para os pobres, os padres redentoristas colocaram uma caixa para as doações. A iniciativa agradou a uma dupla de colegas, alagoanos de Maceió: a estudante de direito Adryan Patrícia de Amorim e Bruno Manoel Lins Lyra, em visita à capital mineira. Certos de que solidariedade e solidão são palavras próximas na grafia, embora distantes no significado, os dois deram contribuição em forma de alimentos e concluíram que o espírito solidário é o antídoto perfeito para a solidão. “Ser solidário é estar próximo de quem, muitas vezes, se encontra sozinho”, garantiu Bruno.



Os 'noéis' Armindo Lopes e Rosana Golçalves: presentes com carinho (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)


Uma jornada que nem a pandemia interrompeu

Ações generosas desconhecem tempo, espaço, hora e lugar – a missão é mesmo plantar sementes para colher os frutos da dignidade no Natal e sempre. Assim, a Jornada Solidária Estado de Minas trabalha há 58 anos para ajudar crianças carentes. Desde 2005, passou a beneficiar creches comunitárias com reformas patrimoniais e equipando as instituições. “Em 2021, entregamos a reforma da Creche Comunitária Padre Francisco Moreira, no Bairro São Geraldo, em Belo Horizonte. E, apesar da pandemia, conseguimos fazer a Noite de Prêmios Virtual. Foi o primeiro evento desde abril de 2020, quando encerramos o Torneio Empresarial de Tênis Estado de Minas, de forma discreta, por causa do coronavírus. A Noite de Prêmios foi um grande sucesso, e conseguimos arrecadar mais de R$ 72 mil”, informa a presidente da Jornada, Nazareth Teixeira da Costa.

O valor será usado para atender a uma lista de prioridades feita pelas 13 creches beneficiadas pelo programa de responsabilidade social dos Diários Associados em Minas. “Pedimos às creches que enviassem uma relação com três coisas de que mais precisam na instituição. Isso não significa que conseguiremos atender a todas elas e nem tudo o que foi listado. Nazareth e eu vamos nos reunir depois do Natal para analisar cada pedido, orçar o material e, então, definiremos o quê e quem conseguiremos atender”, explica a coordenadora da Jornada, Isabela Teixeira da Costa.

Este é o segundo ano em que não foi realizada a tradicional Festa de Natal para as crianças das creches, mas como ocorreu em 2020, a equipe da Jornada enviou presentes de Natal para todas as creches, e as professoras fizeram a entrega às crianças. A expectativa é de que em 2022 a programação volte ao normal, com os eventos tradicionais presenciais, para a arrecadação de recursos. Desde sua fundação, a Jornada já beneficiou mais de 10 mil instituições, num total de mais de 2 milhões de crianças. A partir da fase em que começou a fazer reformas patrimoniais, o programa já entregou 36 creches totalmente reformadas e ampliadas – quando o espaço permitia –, para as comunidades.




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