Jornal Estado de Minas

FEMINICÍDIO EM MINAS

Homem mata mulher na véspera do aniversário dela e diz que foi suicídio

Iara Natali Silveira, 28 anos, dois filhos e uma vida pela frente, em fase profissional promissora. Os sonhos da jovem foram interrompidos na véspera do aniversário dela, no dia 24 de dezembro, quando foi assassinada em Tiradentes, Região Central de Minas. Parte do sofrimento de familiares e amigos, que viram a ocorrência ser registrada inicialmente como suicídio, terminou hoje (31/12), com a prisão do suspeito.





 

O apontado como autor do crime pelas autoridades policiais é Matheus Cindra, de 29 anos, companheiro de Iara. Foi ele que acionou a Polícia Militar na madrugada do dia 23, quando a body piercing e tatuadora foi morta. Ele contou aos militares que Iara havia se matado. "Eu sabia que isso não aconteceu, eu sabia que ela tinha sido assassinada", diz, sem titubear, a mãe de Iara, Leonor das Merces Matias, de 52 anos. 

 

A corporação ouviu o homem, liberou e, dias depois, informações da perícia criminal revelaram que o exame de necropsia da vítima era incompatível com a versão do homem. Depois de nove dias foragido, Matheus foi preso nesta sexta-feira (31/12) no interior do Rio de Janeiro (veja mais abaixo). 

 

A reportagem tentou contato com a defesa do homem, mas não obteve sucesso. Tão logo os advogados respondam os contatos, esta reportagem será atualizada. 

 

Relacionamento 

 

Uma amiga de Iara ouvida pelo Estado de Minas conta que o casal se conheceu há cerca de três anos. No início da relação, Matheus se mostrava um companheiro. Mas, com o passar do tempo, as brigas não só começaram, como se intensificaram.





 

Assim como a mãe da Iara, a amiga não acreditou na versão de suicídio - e tinha certeza da autoria. "Ela estava em uma boa fase da vida profissional, estava crescendo. Homem não pode ver mulher se tornar independente, né?", pontua a Kaya Sottani, de 36 anos.

 

Recentemente, Iara se destacava como tatuadora e body piercing, mas também atuava como manicure e cabelereira. "Eu ensinei a ela que precisávamos fazer várias coisas. A gente precisava de dinheiro. Ela aprendia muito rápido", relembra a mãe da jovem, Leonor.   

 

Ela lembra com orgulho sobre o mochilão para o Chile feito por Iara e dos programas em família. "Gostávamos de acampar, de verde, de mato. Era só alegria", disse. "Iara não era apenas minha filha, era também minha mãe, minha amiga". 

 

Versão do namorado

 

Na versão registrada no Boletim de Ocorrência, Matheus chamou a polícia. Ele afirmou que estava junto com Iara em um bar, no Centro de Tiradentes, bebendo. Depois disso, se deslocaram sentido Bairro Mococa, onde fizeram uso de maconha e, em seguida, foram para casa, no Bairro Santíssima Trindade.





Ele contou que, no momento em que entrou no banheiro para tomar banho, eles começaram a discutir. Na versão do homem, para evitar briga, ele trocou de roupa para sair. E Iara teria dito: 'se você sair não vai me encontrar mais'.

Ainda de acordo com o registro policial, Matheus disse que saiu e ficou na escadaria da igreja e que, depois de algum tempo, mandou mensagem no celular de Iara perguntando se ele já poderia voltar.

Segundo o homem, como não teve resposta, deslocou-se para casa e, quando abriu a porta da sala, se deparou com Iara caída no chão. Ainda de acordo com o suspeito, havia muito sangue pela casa e uma faca próximo de Iara.

Indignação 


A família e amigos se indignaram com a versão dada a polícia. "Se ele fosse negro, teria sido levado no mesmo dia para a delegacia. Mas como é branco, bonitinho e falou com propriedade, a polícia acreditou. Isso só mostra como a palavra do homem tem valor na sociedade machista em que vivemos", pontua Kaya. "Ela foi uma guerreira até o fim. Não conseguiu desvincular. Ela era uma mulher com grande potencial".



A certidão de óbito à qual o Estado de Minas teve acesso já constava o homicídio. Em uma live feita em rede social, o legista da Polícia Civil Sérgio Veloso disse que a vítima tinha três lesões: nas costas, no pescoço e no braço. Sendo que duas pérfuro-cortantes - provocadas pela ponta de um objeto perfurante - e uma lesão cortante provocada pelo deslizamento do objeto perfurante.
 
''A ferida do braço é em um local comum quando a vítima vai se defender. A vítima, quando está sendo atacada, coloca os braços na frente para se defender do agressor", aponta.

VÍDEO: entenda o que é relacionamento abusivo e como sair dele
 
Ele ainda explica que o corte no pescoço de Iara é que matou a vítima. Mas foi a ferida nas costas que mostrou ser incompatível a versão de suicídio. ''A lesão que provocou o óbito dela foi a lesão do pescoço. Mas a lesão das costas foi a condição que demonstrou não ter sido uma tentativa de autoextermínio'', apontou o especialista.





Investigações e prisão 


Por meio da assessoria de imprensa, na quinta-feira (30/12), a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) apenas informou que abriu inquérito policial para apuração completa dos fatos. Segundo o órgão, diversas testemunhas já foram ouvidas e ainda acontecerão algumas oitivas ao longo dos dias. 

"Os laudos periciais ainda não foram concluídos, porém com a análise técnica do médico legista e do perito responsável, foi possível que a autoridade policial solicitasse o mandado de prisão do investigado, que atualmente se encontra foragido", informou, antes da prisão realizada hoje.
 
De acordo com a nota, assim que houver a conclusão do inquérito serão divulgadas mais informações, visando preservar as investigações.

Nesta sexta (31/12), as investigações da Polícia Civil mineira, com apoio da Polícia Civil do Rio de Janeiro, resultaram na prisão de Matheus. O homem foi preso na cidade de Itatiaia, interior do estado do Rio de Janeiro, e será encaminhado ao sistema prisional mineiro na próxima semana.





Violência contra a mulher 


Juliana de Morais Ferreira faz parte do Coletivo Mulheres de Tiradentes e aponta um descaso por parte das autoridades. "Tiradentes é uma cidade pequena que carrega o patriarcado, do coronelismo de forma muito forte."

"Os índices de violência contra a mulher em Tiradentes são altíssimos, principalmente pensando em uma cidade pequena. Não são raras as mulheres que sofrem violência psicológica, fisica ou financeira. Aqui não temos nenhum tipo de atendimento especializado", argumenta. 

A dura realidade da violência contra a mulher em Minas Gerais foi revelada, com números alarmantes, pela delegada-chefe adjunta da Polícia Civil de Minas Gerais, Irene Angélica Franco e Silva Leroy, nessa quinta-feira (30/12).




 
Em todo o estado, de janeiro a outubro deste ano, foram registradas 130.178 ocorrências contra elas. O total de feminicídio tentados ou consumados foi de 287, somente no primeiro semestre de 2021. Desse número, 61% foram concluídos com indiciamentos. O restante está em investigação.

A reportagem do Estado de Minas entrou em contato com a assessoria da Polícia Militar de Minas Gerais e não obteve nenhum retorno. A família vai ser orientada por advogadas a processar a polícia e o estado. 

O que é feminicídio?

Feminicídio é o nome dado ao assassinato de mulheres por causa do gênero. Ou seja, elas são mortas por serem do sexo feminino. O Brasil é um dos países em que mais se matam mulheres, segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.

A tipificação do crime de feminicídio é recente no Brasil. A Lei do Feminicídio (Lei 13.104) entrou em vigor em 9 de março de 2015.

Entretanto, o feminicídio é o nível mais alto da violência doméstica. É um crime de ódio, o desfecho trágico de um relacionamento abusivo.





O que diz a Lei do Feminicídio?

Art. 121, parágrafo 2º, inciso VI
"Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:
I - violência doméstica e familiar;
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher."


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Qual a pena por feminicídio?

Segundo a 13.104, de 2015, "a pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência; na presença de descendente ou de ascendente da vítima."

Como denunciar violência contra mulheres?

  • Ligue 180 para ajudar vítimas de abusos.
  • Em casos de emergência, ligue 190.

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