Serrote, martelo, pregos, tijolos e sacos de cimento sempre fizeram parte do universo de Getúlio de Araújo Bastos, de 70 anos. No ofício de pedreiro há mais de cinco décadas, foi construindo casas, da base ao telhado, que ele criou a família e pavimentou seu caminho pela vida. Em momento algum nesse tempo todo, o morador de Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, jamais imaginou que rosas de organza, com fitas de cetim, e borboletas multicores pudessem povoar seu dia a dia.
Durante a pandemia, e com mais folgas no trabalho como autônomo, Getúlio viu a luz da criatividade brilhar e sentiu que as mãos se moviam na direção da arte. Assim, nasceu uma primeira peça, a panelinha de pressão feita de uma latinha de cerveja. Com elogios da família e dos amigos, o pedreiro-artesão não parou mais: produziu borboletas e as flores que agora lhe dão o maior orgulho.
“Meu trabalho é bruto, da manhã à noite. Não tem moleza, não. É subindo em telhado, fazendo massa, orientando o servente, enfim, o tempo todo em movimento”, conta Getúlio, casado há 42 anos e pai de Monique, de 30, Giovani, de 28, e Jardelli, de 26, e avô de Pedro Henrique, de 7. “Recebi muita energia boa, fiquei feliz, pois, enquanto descanso do meu serviço como pedreiro, posso exercer essa atividade de extrema delicadeza”, ele diz.
Boca a boca
Residente no Bairro São Geraldo, no sobradinho que ergueu ao lado da casa da mãe, dona Alexandrina, de 93, Getúlio recebe encomendas, principalmente pelas rosas que faz e ganharam fama no popular “boca a boca”. E se diverte quando revela que, nos últimos tempos, tem a mesma desenvoltura nas lojas de aviamentos como nas de material de construção. “Peço os tecidos, fitas e rendas, compro linhas, tesoura, cola quente e outros artigos que preciso. De repente, as ferramentas são outras. É um novo mundo que está me fazendo muito bem. Meio terapia, sabe? A mente deu o sinal e o corpo acompanhou”, garante Getúlio, agora fazendo também miniflores para tiaras de noivas e para enfeitar berços de bebê.
Com a novidade circulando no bairro, Getúlio está certo de que a vida mudou da água para o vinho. “Continuo pedreiro, é meu ganha-pão, mas por que não ser também artesão?”, pergunta cheio de sabedoria. Nos dois ofícios, explica, a paciência é a alma do negócio. “Não adianta ficar nervoso em nada nesta vida. Mas garanto que ser artesão é bem mais tranquilo do que mexer massa e pegar no ‘pesado’. Tudo nesta vida é questão de aprendizagem, ninguém nasce sabendo.”
Da casa de Getúlio, as borboletas “voaram” para presépios vizinhos, nesta temporada de Natal que termina na quinta-feira, Dia de Reis. “Um amigo gostou demais e comprou seis, de cores diferentes. Agora estão enfeitando a gruta onde Jesus nasceu. Quer alegria maior nesta época?”. O próximo passo, acredita, será fazer um curso para aprimorar a arte, e, no futuro, quem sabe, trocar de profissão e ampliar os horizontes: “Mas sempre com paciência para viver e criar.”