Santa Maria de Itabira - Chuva, lama e aflição. Onze meses depois de um temporal que arrasou a cidade, causou estragos nas ruas e deslizamentos que soterraram seis pessoas, Santa Maria de Itabira, na Região Central de Minas, vive um novo drama. No último sábado, primeiro dia do novo ano, uma chuva insistente se agravou no fim da noite, quando a pressão da água foi suficiente para alagar as ruas e causar novas quedas de encostas. Foi motivo de desespero para muitos moradores de um lugar que ainda não se reconstruiu. São pessoas que não querem repetir o drama de 65 famílias que continuam fora de suas casas desde fevereiro do ano passado.
Dois dias depois do temporal, as ruas ainda estão tomadas de barro e sujeira por todo lado. O Centro do município, onde fica o comércio e serviços úteis para a população, precisou de muito trabalho manual e de maquinários para abrir caminhos. Ontem, ainda era possível ver tratores ajudando na limpeza e servidores municipais juntando na enxada montantes de lama. Na Rua Sebastião Bretas, a principal da cidade, o comércio foi prejudicado pela enxurrada que passou na noite de sábado para domingo.
“Já estava chovendo o dia todo, mas por volta das 21h30 começou a piorar. Começou tampando as canaletas até tampar o meio da rua e encher aqui tudo”, relembra Marcelo Rodrigues, de 31 anos, proprietário de um bar que estava aberto e assistiu o momento do caos. “Sempre que dá uma chuva forte dá isso. Na hora que fui embora ainda estava chovendo, mas estava abaixando. Deu bastante trabalho pra limpar. A noite toda, muita água, lama. Pelo menos não perdemos nada. Se eu não estivesse aqui provavelmente teria perdido algumas coisas”, alivia.
A professora Tânia Lage, de 66 anos, descreve que o sentimento é de tristeza e recomeço com mais uma chuva preocupante. “A zona rural foi devastada, as montanhas, tudo. A única diferença para o ano passado é que o rio não transbordou dessa vez e não tivemos morte, graças a Deus. Mas a gente observa a população que saiu das suas casas temendo novas enchentes”, conta a moradora, que depende de uma das pontes interditadas. “Desde que a água passou por cima dessa ponte, está causando problemas. É o acesso principal. Os comerciantes reclamam muito.”
Segundo a prefeitura, choveu cerca de 150 milímetros em 24 horas. O prefeito Reinaldo das Dores Santos diz que “todo mundo está assustado, e com razão”. “A situação do clima hoje mudou muito. Vamos torcer para que não se repita, mas qualquer chuva a terra desce. Enquanto a terra não firmar, vai ter sempre essa lama e desconforto para a população”, justifica, lembrando da tragédia do ano passado. “Qualquer chuva é um susto porque nós sabemos o que passamos em 2021”, acrescenta.
O temor de que o drama se repita
“A gente vive com medo. Eu saí carregada pelo braço de um rapaz que me tirou daqui de dentro porque a água estava subindo numa velocidade tão forte que rapidinho aqui encheu de lama”. O relato é de Marlene Aparecida de Oliveira, de 57 anos, moradora da Rua Antônio Dias, no Bairro Poção, onde cinco pessoas morreram soterradas no ano passado. Com a chuva do último fim de semana, a rua voltou a virar um mar de lama e as casas voltaram a se tornar locais de risco.
Marlene mora com o marido na casa da frente e aos fundos está o filho. O terreno da família fica embaixo de uma encosta que pode ceder a qualquer momento. “Dá muito medo, mas a gente não tem outro espaço. A gente não sabe o que vem do fundo, qualquer chuva que tem pode correr de lá de cima água, terra, vem tudo”, lamenta com os olhos marejados. Marlene espera uma ação efetiva das autoridades e tranquilidade no clima. “A gente não tem outro lugar pra ir. Temos que pedir apoio para ter segurança”, reclama. “Se o céu escurecer de novo, eu jamais vou ficar em casa. Eu corro risco. A natureza não avisa. Quando começa a chover, sai todo mundo daqui, É um desespero só.”
Em 21 de fevereiro de 2021, o município ficou sob as águas. Ruas obstruídas, pontes condenadas, carros arrastados, casas inundadas e quase todas as construções atingidas. As chuvas constantes causaram deslizamentos que mataram seis pessoas (uma na zona rural). Em uma cidade de cerca de 11 mil habitantes, a 140 quilômetros de Belo Horizonte, qualquer água que cai no céu é motivo de lembrar das vidas que foram embora.
“Aqui, quando chove, ninguém dorme”, conta Maria Anastácia, de 68 anos, conhecida pelos colegas como “Neném”. Ela mora na mesma casa desde criança – há 66 anos – e conta que nunca tinha acontecido uma tragédia como no ano passado e este ano. “Nunca teve essa coisa que estou vendo agora”, observa. Em 2021, sua casa foi interditada pelo risco de novos desabamentos.
Naquela época, ela recebeu apoio de R$ 400 mensais da prefeitura – valor pago como auxílio-moradia para que os moradores encontrassem outra residência para viver. O problema é que ela não tem condição de arcar com o restante das despesas. “A dona da casa que eu estava alugando aumentou o aluguel para R$ 1 mil. Tive que voltar para minha casa mesmo interditada”. Neném sabe que corre risco com a decisão. “Quando está chovendo eu saio daqui, mas espero que façam alguma coisa por nós.”
Primo de dona “Neném”, Rogério de Morais, de 55 anos, enfrentou na manhã de ontem o perigoso barro sobre a rua de casa para acessar sua antiga moradia que está interditada pela Defesa Civil. “Minha casa está abandonada aqui. Desde fevereiro que não venho e mesmo assim estão me cobrando IPTU, energia elétrica e água. Cheguei e tinha carta do Serasa com indiciamento da Cemig. Como? Se ninguém mora aqui desde fevereiro?”, ele indaga. Dentro da casa de Rogério, só tem lama. Não há rede elétrica, sequer lâmpadas, móveis ou eletrodomésticos.
“A casa está vazia desde 21 de fevereiro. Naquele dia, foi uma chuva tão forte que desceu o morro todo matando três pessoas na casa ao lado da minha. Como vou viver aqui? Como vou reformar uma casa dessa? O barracão está condenado”, questiona. Ele faz parte das 65 famílias que ainda dependem do aluguel social. “A rua é impossível de acessar e só tem uma única boca de lobo. Um serviço péssimo de drenagem de água. Daqui a pouco esse morro vai descer inteiro. Não tenho coragem de ficar aqui.”
O único comércio que sobreviveu na Rua Antônio Dias é a loja de utilidades de Thamara Ketelen Nunes, uma adolescente de 16 anos que toca o negócio com a mãe. As duas moram por lá e acompanharam de perto a tragédia do ano passado com o temor presente de novas chuvas. “Na tempestade que deu aqui de sábado para domingo entrou muita água e barro. Perdemos algumas roupas e capinhas de celular que não dá pra vender mais. Aqui, a maioria das coisas temos que deixar no alto, senão perde tudo”, conta. “A gente nem está dormindo em casa porque quando chove a gente morre de medo do barranco.”