Entra ano, sai ano e o cenário não muda: com as chuvas que atingem Minas Gerais, as águas que banham o Patrimônio Mundial da Pampulha, em Belo Horizonte, ganham a cor verde muito forte, formando um tapete denso, piorado ainda mais pelo lixo carreado pelos córregos Sarandi e Ressaca e lançamento de esgoto. Moradores da região ou visitantes interessados em conhecer o Conjunto Moderno projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012) não se cansam de reclamar, pois, a reboque, vem o mau cheiro.
O diretor da Associação Comunitária Viver Bandeirantes, José Américo Mendicino, diz que, todo ano, especialmente na época de chuva, o material orgânico sobe e deixa o espelho d’água com um aspecto totalmente diferente: “Até hoje lançam esgoto na Lagoa da Pampulha e há proliferação de algas e bactérias, causando o mau cheiro”, afirma.
Preocupado com o quadro, agravado para os moradores pela quantidade de pernilongos, Mendicino ressalta que o problema sempre foi tratado de forma paliativa, “pois nunca combateram a causa. Gastam fortunas todo ano”.
Fotógrafo do Estado de Minas flagrou e resgatou pássaro preso na densa camada de sujeira que encobre a Lagoa na Pampulha.
Atento há anos às intervenções na Pampulha, Mendicino acredita que, se resolvessem os problemas do esgoto e, principalmente, da proteção das nascentes, haveria melhora significativa.
"Passo pela orla diariamente, e a situação sempre preocupa. Uma das causas do mau cheiro da Lagoa da Pampulha está associada à morte: morte de plantas, morte de peixes e de invertebrados"
Paulo Ricardo Silva Coelho, doutorando em parasitologia na UFMG
“Por que não fazem isso? Sempre fiz essa pergunta. Por que querem gastar tanto, em todos esses anos, em situações que vão exigir mais investimento hoje, amanhã, depois e depois? Se quisessem resolver não teriam que combater a causa?”
A conclusão de Mendicino, que é contador e corretor de imóveis, é de lamento: “Triste ver a Pampulha da forma que está. Era para ser um local maravilhoso.”
Cor destoante sobre o espelho
Nos primeiros dias úteis deste ano, a segunda-feira chuvosa teve pouco movimento na região – alguns correndo na orla, outros pedalando perto do Santuário Arquidiocesano São Francisco de Assis, mais conhecido como Igrejinha da Pampulha. Nessa terça-feira (4/1), com céu nublado, praticantes de esportes retornavam timidamente à rotina.
O espanto maior era com a forte tonalidade que chama a atenção e destoa da importância do conjunto arquitetônico reconhecido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Morador do Bairro Santa Terezinha, na Região da Pampulha, o biólogo Paulo Ricardo Silva Coelho, doutorando em parasitologia no Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (ICB/UFMG), conhece bem a grave situação da lagoa, onde faz coletas para suas pesquisas.
“Passo pela orla diariamente, e a situação sempre preocupa. Uma das causas do mau cheiro da Lagoa da Pampulha está associada à morte: morte de plantas, morte de peixes e de invertebrados”, explica.
Segundo o pesquisador, a cor verde do reservatório resulta do processo de eutrofização, que está associado ao excesso de nutrientes na água (nitrato, potássio, fósforo e outros elementos químicos) originários do lançamento de esgoto. Então, trata-se também de um quadro de poluição.
“No período de chuva, ocorre a lixiviação ou ‘lavagem’ das ruas, avenidas e demais locais públicos com o carregamento de matéria orgânica para dentro do espelho d’água”, explica o biólogo.
Para entender melhor a eutrofização, Paulo Ricardo conta que, no verão, com o aumento da temperatura, há proliferação de fitoplâncton na superfície da lagoa, formando o tapete denso que se vê atualmente.
“Esse tapete bloqueia a passagem da luz, causando a morte das algas e plantas que estão embaixo. Consequentemente, com a falta de oxigênio, os organismos competem entre eles. Toda essa cadeia pode causar a morte das plantas, peixes e invertebrados no ecossistema”, diz o pesquisador.
Chuva dobra volume de lixo na Pampulha
Em nota, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), via Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), informou que faz, diariamente, a limpeza do espelho d'água da Lagoa da Pampulha. Os técnicos explicam que o volume de lixo flutuante recolhido todos os dias corresponde, em média, a 5 toneladas durante o período de estiagem e a 10 toneladas no período chuvoso.“Trata-se de serviço de natureza continuada. Importante mencionar que, a coloração esverdeada da água da Lagoa da Pampulha, ainda é reflexo da eutrofização do lago, com consequente floração de algas”.
A Sudecap esclarece que o processo de eutrofização vem sendo revertido com a execução do contrato de prestação dos serviços de recuperação da qualidade da água. “O intenso período chuvoso propiciou uma piora prevista na qualidade das águas afluentes à lagoa, pois ‘lava’ a bacia hidrográfica e lança toda a poluição difusa dentro da represa.”