Jornal Estado de Minas

CRÍTICAS

Passaporte vacinal: MG e BH erram ao não adotar medida, dizem especialistas



A recente escalada dos casos de COVID-19, refletida em todos os indicadores da pandemia em Minas Gerais e Belo Horizonte, não modificou os planos das autoridades estaduais e municipais sobre a exigência do passaporte da vacinação. Na contramão de localidades como a capital paulista, que passará a exigir o comprovante de imunização em qualquer tipo de evento a partir desta segunda-feira (10/1), ou do Rio de Janeiro, onde o documento é obrigatório em hotéis, bares e restaurantes, Minas e BH descartam a medida, sob argumento de que se fiam nos bons índices de cobertura vacinal alcançados.





Especialistas ouvidos pelo Estado de Minas criticam a gestão pública. Pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da UFMG classificam o protocolo como muito relevante diante da nova onda da pandemia impulsionada pela variante Ômicron e da intensa circulação de pessoas oriundas de outras localidades, sobretudo nas capitais: “Nenhuma cidade é uma ilha”.

Nas últimas 24 horas, Minas registrou 3.400 casos de COVID-19, praticamente o dobro dos diagnósticos confirmados há uma semana. Na comparação com os registros divulgados um mês atrás, o número é 29 vezes maior. Em Belo Horizonte, a doença respiratória voltou a pressionar o sistema de saúde. A ocupação dos leitos de enfermaria do SUS para o coronavírus chegou 100% nesta quarta-feira (5/01), o que levou a PBH a anunciar a abertura de ao menos mais 70 vagas até o fim de semana.

‘Não é o caso’

A única referência do governo mineiro à comprovação de imunidade consta na última atualização do Protocolo Sanitário de Eventos de Entretenimento e Lazer com Grande Público, divulgada em 22 de novembro do ano passado. Na ocasião, o estado orientou aos municípios que exijam o passaporte em locais que concentrem mais de 600 pessoas simultaneamente. O documento, contudo, pode ser substituído pelo teste PCR negativo. Questionada pelo Estado de Minas, a administração estadual informou que a diretriz será mantida, mas que cada prefeitura tem autonomia para definir suas estratégias.





Nova onda: Pacientes com quadros respiratórios já lotam emergência dos hospitais de BH (foto: Leandro Couri/EM/D.A.Press)
Já a Secretaria Municipal de Saúde cobra o atestado apenas em eventos com mais de 2 mil participantes, ocasião em que o exame PCR também é admitido. Membro do Comitê Municipal de Enfrentamento à COVID-19, que assessora o Executivo na condução da pandemia, o infectologista Carlos Starling justifica que o passaporte é desnecessário diante da boa adesão da população à campanha. 

“Temos, hoje, 93% da população acima de 12 anos vacinada com as duas doses. O passaporte apenas constataria o que já está descrito nos boletins epidemiológicos. Não valeria a pena, portanto, mobilizar toda uma logística de fiscalização - e isso não é simples - para constatar que a maioria das pessoas já está vacinada”, pondera o médico. 

“Além disso, o Brasil passou a exigir o passaporte da vacinação para quem chega ao País. Seria plausível exigir o comprovante caso BH fosse uma cidade com grande vocação turística ou com dificuldades importantes de acesso à vacina, o que não é o caso”, complementa Starling. 




‘Pedagógico’

A perspectiva do infectologista não é consenso entre seus pares. Para o imunologista e professor da Faculdade de Medicina da UFMG, Jorge Pinto Andrade, a premissa de que o alto índice de cobertura vacinal da cidade permite abrir mão do passaporte da vacinação é equivocada, uma vez que a circulação de pessoas na cidade não está circunscrita à população local.  

“ Você acha, por exemplo, que nos jogos de futebol recentes realizados por aqui só havia moradores de Belo Horizonte? Vamos lembrar que as pessoas também viajaram para outras cidades e estados para passar o Natal com suas famílias. Viajaram no Reveillón. Entram e saem daqui a trabalho. E a distribuição das vacinas, ao contrário do que pode parecer, é heterogênea. Logo, não faz sentido pensar que a boa adesão à campanha nos blinda de alguma forma”, questiona o médico. 

Governo de MG e prefeitura de BH apostam no alto índice de cobertura vacinal e descartam passaporte (foto: Leandro Couri/EM/D.A.Press)


Andrade também menciona o declínio da imunidade das vacinas atualmente disponíveis no mercado, que começa seis meses após a finalização do esquema vacinal. Com isso, observa o médico, as campanhas precisam recomeçar de forma cíclica.

 “Temos mais de 90% das pessoas acima de 12 anos vacinadas desde o início da vacinação, mas o índice de de aplicação da dose de reforço é certamente bem inferior. O passaporte, nesse sentido, funciona de maneira pedagógica. Ele estimula a adesão ao reforço a cada ciclo de vacinação. É, portanto, uma peça muito importante da cesta de medidas de prevenção à COVID”. 





O especialista em Saúde Pública da Fiocruz Carlos Machado também critica a exclusão do comprovante das medidas de combate à pandemia. “Que os donos de bares e restaurantes sejam resistentes, eu até entendo. Mas que o poder público não reconheça essa necessidade, sinceramente, não compreendo”, comenta. 

Ele rebate o argumento de que a difícil logística de fiscalização da exigência do passaporte justifica descartá-lo. “Remanejar leitos também é difícil. Contratar profissionais de saúde na pandemia, também. A falta de estrutura de fiscalização não deve ser o argumento que conduz a decisão de adotar ou não o passaporte. Aprendemos, nos últimos dois anos, que o combate à pandemia exige um conjunto de estratégias. Neste momento em que assistimos o possível surgimento de uma nova onda da doença, não podemos abrir mão de nenhuma delas. Todas são fundamentais”, analisa Machado. 

Rigor

Veja cidades onde o passaporte da vacinação é exigido em espaços coletivos. 

Montes Claros
Em lojas de conveniência, bares, restaurantes, casas de festas e eventos, clubes de lazer e serviço, reuniões maçônicas, cinemas, shows artísticos, teatros, eventos desportivos, reuniões de qualquer natureza e embarque/desembarque na rodoviária e aeroporto.





São Paulo 
Na capital paulista,em todos os eventos, a partir de 10/1. Em todo o estado, para os servidores públicos nos prédios estaduais a partir de 9/1.

Fortaleza
Em estabelecimentos do ramo de hotelaria, academias de ginástica, restaurantes, bares, barracas de praia e eventos de qualquer natureza e prédios públicos estaduais.

Rio de Janeiro
Em hotéis, cinemas, teatros, museus, bares e restaurantes

Belém
Em shows, casas noturnas e boates; cinemas, teatros, clubes, bares e afins; em eventos esportivos, amadores e profissionais, assim como em reuniões, eventos e festas, realizadas em espaços públicos ou privados.

João Pessoa
Praças de alimentação de shopping centers, salões de beleza e eventos de qualquer natureza.

Cuiabá
Em estádios, cinemas, teatros, museus, salões de jogo, casas de show.





Recife
Em eventos fechados e órgãos públicos estaduais

Salvador
Em unidades prisionais, além de serviços de atendimento público da Bahia

Teresina
Casas de show, academias e clubes

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