Minas Gerais tem mais de 85% da população vacinada com a segunda dose ou dose única contra a COVID-19. A campanha de imunização, que começou há quase um ano, teve início com uma gestão na Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG) e continuou com outra: o ex-presidente da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) Fábio Baccheretti Vitor substituiu Carlos Eduardo Amaral, demitido após o escândalo dos “fura-filas”.
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Desde 15 de março de 2021, o médico passou a comandar a principal secretaria durante a crise do coronavírus e se deparou com diversos desafios, como implementar a onda roxa no estado – a medida de isolamento social mais restritiva –, mas também alcançar o sucesso com o avanço da população mineira vacinada.
Em entrevista ao Estado de Minas, Baccheretti compartilha as angústias da gestão, é otimista com relação aos impactos da nova variante Ômicron, nega um surto de gripe e ainda fala sobre carnaval em 2022.
O senhor assumiu a Secretaria de Saúde em março, após o escândalo dos ‘fura-filas’. Quais os desafios de aceitar esse cargo no auge da segunda onda e em meio a uma das maiores campanhas de vacinação da história?
Foi um desafio muito grande. Estava na presidência da Fhemig; vivia a pandemia com os hospitais Eduardo de Menezes, o Julia Kubitschek e os hospitais do interior, mas certamente o peso da secretaria é muito maior. Você tem todo o estado sob o seu comando. Foi um grande desafio de, primeiro, resgatar, dentro da equipe da secretaria, que já estava trabalhando muito, a autoestima de trabalho depois de tudo o que havia acontecido. E, também, de fazer um planejamento daquele pior momento, que foi em março. Minha primeira decisão foi a onda roxa. Dois dias na cadeira, e já tive que dizer sobre a onda roxa no estado como um todo. E, depois, os desafios como risco de faltar oxigênio. Então, soltar às pressas uma resolução para conseguir que os hospitais conseguissem mudar a forma de fornecimento de gases, organizar ainda melhor a logística, porque o número de vacinas vinha crescendo, e aumentar mais leitos. Foi muito desafiador, muito difícil e muito cansativo. Mas, certamente, valeu a pena.
Foi cansativo em que sentido? Como era a rotina de trabalho?
Primeiro, tive que chegar a uma secretaria e precisei, em curtíssimo espaço de tempo, entender tudo o que acontecia. Não dava tempo para que conseguisse me aprofundar em todos os problemas e tudo o que estava vinculado à pandemia. Tinha que dar respostas rápidas. Isso foi o maior desafio. Como venho de hospital e, comumente, precisamos dar respostas imediatas em hospitais — o paciente precisa de um exame, senão pode morrer; o paciente precisa de um leito —, já tinha isso dentro de mim. Mas, na secretaria, onde o planejamento é muito maior, tomar essas decisões rápido sempre foi muito difícil. A gente veio dentro dessa linha dinâmica, e o pessoal me considera uma pessoa quase que hiperativa, muito animada, fomos conseguindo construir esses passos a mais. Foi quando precisávamos garantir kits de intubação, transparência nos dados da vacinação, conseguir chegar com a vacina o mais rápido possível e o desafio de estratégias em que os municípios vacinassem mais rápido. Foram muitas coisas acontecendo. No decorrer do caminho, vem uma nova variante, a onda roxa em março — em regiões como o Sul de Minas, esse pico veio depois, quando achávamos que ia melhorar. O grande desafio é trazer, para uma secretaria que planeja a saúde, uma resposta muito rápida, porque isso, da área central da secretaria, não é algo comum. Aqui, a gente sempre tem tempo de planejar, mas a pandemia quebrou qualquer tipo de forma convencional de se fazer gestão.
Quais desafios vamos enfrentar com a chegada de novas variantes como a Ômicron? Corremos o risco de retroceder nas flexibilizações?
Novas variantes não são novidade. Em agosto, a Delta chegou no estado; agora, vem a Ômicron. A grande vantagem que temos agora é a existência da vacina. Não dá para comparar uma nova variante, mesmo mais infectante como a Ômicron, porque temos hoje, em Minas, mais de 70% das pessoas com duas doses. Se olhar o público-alvo, acima de 12 anos mais de 80% com duas doses — e com doses sobrando. Estamos em um momento diferente de qualquer outro na pandemia. As doses estão sobrando. Falta, agora, a população entender que o reforço é fundamental para a sua proteção. Não espero, realmente, que haja piora da pandemia em relação ao número de óbitos e internados. Deve, talvez, se a Ômicron crescer, aumentar o número de casos, que é a expectativa, e um pouco o número de internações, mas a ponto de termos aquela pressão no sistema de saúde como vivenciamos em março e abril, acho que não deve acontecer. Não é nossa expectativa. O Brasil vacina muito bem, Minas Gerais é o terceiro estado que melhor vacina com duas doses. Nossa expectativa é sem grandes reviravoltas em relação à pandemia. É fazer a gestão dessas pioras, dessas crises, da melhor maneira. Acredito que vamos sair bem dela.
O aumento de casos de gripe tem sido um problema para Minas? Já podemos afirmar que estamos em um surto de H1N1 e H3N2, como no Rio de Janeiro e em São Paulo?
Não estamos em surto. Os critérios de surto não são preenchidos em Minas, que conseguiu, em relação à vacinação da gripe, um índice muito semelhante ao de antes da pandemia. Foi um dos estados que melhor vacinaram. A sensibilidade da população em relação a isso foi grande. Mas, como ficamos muito tempo em distanciamento e isolamento social, perdeu-se a sazonalidade. O comum da gripe é aparecer em fevereiro, março e abril, e ela veio agora, no final da primavera e início do verão. Mas não acreditamos que haja grande surpresa. Há um pico que era para vir em três meses sendo antecipado, mas não estamos vendo grande pressão sobre o sistema de saúde com casos graves. Mas, sim, os nossos pronto-atendimentos infantis, privados e públicos, estão mais cheios. É um adiantamento do que era para se esperar em março, porque crianças e adultos começaram a conviver socialmente. Ou seja: a conviver com vírus novos. É a primeira vez que muitas crianças convivem com alguns vírus específicos. Os cuidados para a COVID-19 servem para a gripe: se os cuidados forem mantidos, o risco de gripar diminui bastante.
Do ponto de vista da Saúde, qual a maior preocupação com o carnaval de 2022?
A gente não fica estigmatizando eventos específicos. Tratamos todos de forma muito comum, porque o risco de contaminação não está em ser carnaval ou réveillon, mas, obviamente, na aglomeração de pessoas, especialmente não vacinadas, especialmente em ambientes fechados. Tratamos isso de forma muito natural. A Secretaria de Cultura vem liderando essas discussões com o setor de eventos, sempre baseada tecnicamente no protocolo estabelecido pela Secretaria de Saúde. Classificamos o protocolo pelas ondas, e estamos há mais de três meses em onda verde em todo o estado.
Temos, ainda, restrições, como o uso de máscaras. Em grandes eventos, há a necessidade, ou do cartão de vacina, ou da testagem — ou de comprovante de que a pessoa teve a doença há menos de três meses. Já existe um protocolo rígido. Vamos acompanhar cada momento. A expectativa, em relação ao carnaval, é que tenhamos mais de 90% do público-alvo com duas doses aplicadas e boa parte dos adultos já com reforço. Em questão de vacinas, estamos muito bem. Nossa preocupação, agora, fica sobre a variante Ômicron, como ela vai se comportar no estado nos próximos meses. Penso sempre mais a curto prazo, e o carnaval está um pouco mais à frente. Temos mais tempo para discutir. Mas temos, também, que o setor de eventos é um setor produtivo que sofreu muito. Então, temos que ter sensibilidade em dar a diretriz correta, na hora certa. Não adianta, também, a gente simplesmente negar tudo e não considerar que eles vêm sofrendo muito economicamente com a pandemia.
Em 2020, enfrentamos o início de uma pandemia que desafiou a população e as autoridades sanitárias. Com a vacinação, a situação começou a melhorar. É possível ter esperança de um ano mais tranquilo e saudável em 2022?
A gente começou o ano de 2021 com muita apreensão e medo. Uma situação muito complexa. A vacinação começou em janeiro, mas ainda de forma muito pontual, em grupos específicos, e terminamos o ano com vacina sobrando no estado, nos municípios e no governo federal. Não tem como não terminar o ano sem estar cheio de esperança. Apesar de a Ômicron estar aí — e nos preocupa —, temos a principal arma, que é a vacina. Certamente, 2022 vai ser um ano mais ameno, mas depende muito da gente, de cada um, em não baixar a guarda na hora errada. Temos mantido a obrigatoriedade do uso de máscaras, mas as pessoas têm que se lembrar dos mais vulneráveis, idosos, portadores de doenças, para que a gente não tenha, neste momento de mais tranquilidade, qualquer tipo de atitude que possa deixar alguém sob risco de morte. Estou muito esperançoso. A vacina deve vir mais adequada às novas cepas a partir de agora. As crianças de 5 a 11 anos foram incluídas no plano de vacinação. Então, não tem como não estar repleto de esperança por um 2022 muito melhor.
Obviamente, 2022 tem os outros desafios que não são a COVID-19. Estamos trabalhando para o estado ter uma rede mais robusta, para que a gente consiga manter cerca de 1 mil leitos de CTI. É uma luta grande de Minas. Estamos com as cirurgias represadas. Muitas cirurgias o estado vai financiar agora, para que a gente consiga, também, atacar as outras doenças, que por um tempo foram deixadas de lado. Nossa expectativa, em 2022, é correr atrás do prejuízo, porque a pandemia deixou todo o nosso esforço vinculado a ela, para que a gente consiga fazer muito mais pela saúde pública.