Minas Gerais tem mais de 85% da população vacinada com a segunda dose ou dose única contra a COVID-19. A campanha de imunização, que começou há quase um ano, teve início com uma gestão na Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG) e continuou com outra: o ex-presidente da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) Fábio Baccheretti Vitor substituiu Carlos Eduardo Amaral, demitido após o escândalo dos “fura-filas”.
Fábio Baccheretti foi o presidente mais jovem a assumir a Fhemig, aos 35 anos à época. O gestor se formou em medicina em 2010, na Universidade Vale do Rio Verde, em Três Corações, no Sul de Minas. No ano seguinte, se tornou clínico plantonista do Hospital Júlia Kubitschek, vinculado à Fhemig. Foi escolhido diretor-geral do Júlia Kubitschek em 2018, cargo que ocupou por 11 meses, até migrar para a presidência da Fhemig.
Desde 15 de março de 2021, o médico passou a comandar a principal secretaria durante a crise do coronavírus e se deparou com diversos desafios, como implementar a onda roxa no estado – a medida de isolamento social mais restritiva –, mas também alcançar o sucesso com o avanço da população mineira vacinada.
Em entrevista ao Estado de Minas, Baccheretti compartilha as angústias da gestão, é otimista com relação aos impactos da nova variante Ômicron, nega um surto de gripe e ainda fala sobre carnaval em 2022.
O senhor assumiu a Secretaria de Saúde em março, após o escândalo dos ‘fura-filas’. Quais os desafios de aceitar esse cargo no auge da segunda onda e em meio a uma das maiores campanhas de vacinação da história?
Foi um desafio muito grande. Estava na presidência da Fhemig; vivia a pandemia com os hospitais Eduardo de Menezes, o Julia Kubitschek e os hospitais do interior, mas certamente o peso da secretaria é muito maior. Você tem todo o estado sob o seu comando. Foi um grande desafio de, primeiro, resgatar, dentro da equipe da secretaria, que já estava trabalhando muito, a autoestima de trabalho depois de tudo o que havia acontecido. E, também, de fazer um planejamento daquele pior momento, que foi em março. Minha primeira decisão foi a onda roxa. Dois dias na cadeira, e já tive que dizer sobre a onda roxa no estado como um todo. E, depois, os desafios como risco de faltar oxigênio. Então, soltar às pressas uma resolução para conseguir que os hospitais conseguissem mudar a forma de fornecimento de gases, organizar ainda melhor a logística, porque o número de vacinas vinha crescendo, e aumentar mais [o número de] leitos. Foi muito desafiador, muito difícil e muito cansativo. Mas, certamente, valeu a pena.
Foi cansativo em que sentido? Como era a rotina de trabalho?
Primeiro, tive que chegar a uma secretaria e precisei, em curtíssimo espaço de tempo, entender tudo o que acontecia. Não dava tempo para que conseguisse me aprofundar em todos os problemas e tudo o que estava vinculado à pandemia. Tinha que dar respostas rápidas. Isso foi o maior desafio. Como venho de hospital e, comumente, precisamos dar respostas imediatas em hospitais — o paciente precisa de um exame, senão pode morrer; o paciente precisa de um leito —, já tinha isso dentro de mim. Mas, na secretaria, onde o planejamento é muito maior, tomar essas decisões rápido sempre foi muito difícil. A gente veio dentro dessa linha dinâmica, e o pessoal me considera uma pessoa quase que hiperativa, muito animada, fomos conseguindo construir esses passos a mais. Foi quando precisávamos garantir kits de intubação, transparência nos dados da vacinação, conseguir chegar com a vacina o mais rápido possível e o desafio de estratégias em que os municípios vacinassem mais rápido. Foram muitas coisas acontecendo. No decorrer do caminho, vem uma nova variante, a onda roxa em março — em regiões como o Sul de Minas, esse pico veio depois, quando achávamos que ia melhorar. O grande desafio é trazer, para uma secretaria que planeja a saúde, uma resposta muito rápida, porque isso, da área central da secretaria, não é algo comum. Aqui, a gente sempre tem tempo de planejar, mas a pandemia quebrou qualquer tipo de forma convencional de se fazer gestão.
Quais desafios vamos enfrentar com a chegada de novas variantes como a Ômicron? Corremos o risco de retroceder nas flexibilizações?
Novas variantes não são novidade. Em agosto, a Delta chegou no estado; agora, vem a Ômicron. A grande vantagem que temos agora é a existência da vacina. Não dá para comparar uma nova variante, mesmo mais infectante como a Ômicron, porque temos hoje, em Minas, mais de 70% das pessoas com duas doses. Se olhar o público-alvo, acima de 12 anos [há] mais de 80% com duas doses — e com doses sobrando. Estamos em um momento diferente de qualquer outro na pandemia. As doses estão sobrando. Falta, agora, a população entender que o reforço é fundamental para a sua proteção. Não espero, realmente, que haja piora da pandemia em relação ao número de óbitos e internados. Deve, talvez, se a Ômicron crescer, aumentar o número de casos, que é a expectativa, e um pouco o número de internações, mas a ponto de termos aquela pressão no sistema de saúde como vivenciamos em março e abril, acho que não deve acontecer. Não é nossa expectativa. O Brasil vacina muito bem, Minas Gerais é o terceiro estado que melhor vacina com duas doses. Nossa expectativa é sem grandes reviravoltas em relação à pandemia. É fazer a gestão dessas pioras, dessas crises, da melhor maneira. Acredito que vamos sair bem dela.
O aumento de casos de gripe tem sido um problema para Minas? Já podemos afirmar que estamos em um surto de H1N1 e H3N2, como no Rio de Janeiro e em São Paulo?
Não estamos em surto. Os critérios de surto não são preenchidos em Minas, que conseguiu, em relação à vacinação da gripe, um índice muito semelhante ao de antes da pandemia. Foi um dos estados que melhor vacinaram. A sensibilidade da população em relação a isso foi grande. Mas, como ficamos muito tempo em distanciamento e isolamento social, perdeu-se a sazonalidade. O comum da gripe é aparecer em fevereiro, março e abril, e ela veio agora, no final da primavera e início do verão. Mas não acreditamos que haja grande surpresa. Há um pico que era para vir em três meses sendo antecipado, mas não estamos vendo grande pressão sobre o sistema de saúde com casos graves. Mas, sim, os nossos pronto-atendimentos infantis, privados e públicos, estão mais cheios. É um adiantamento do que era para se esperar em março, porque crianças e adultos começaram a conviver socialmente. Ou seja: a conviver com vírus novos. É a primeira vez que muitas crianças convivem com alguns vírus específicos. Os cuidados para a COVID-19 servem para a gripe: se os cuidados forem mantidos, o risco de gripar diminui bastante.
Do ponto de vista da Saúde, qual a maior preocupação com o carnaval de 2022?
A gente não fica estigmatizando eventos específicos. Tratamos todos de forma muito comum, porque o risco de contaminação não está em ser carnaval ou réveillon, mas, obviamente, na aglomeração de pessoas, especialmente não vacinadas, especialmente em ambientes fechados. Tratamos isso de forma muito natural. A Secretaria de Cultura vem liderando essas discussões com o setor de eventos, sempre baseada tecnicamente no protocolo estabelecido pela Secretaria de Saúde. Classificamos o protocolo pelas ondas, e estamos há mais de três meses em onda verde em todo o estado.
Temos, ainda, restrições, como o uso de máscaras. Em grandes eventos, há a necessidade, ou do cartão de vacina, ou da testagem — ou de comprovante de que a pessoa teve a doença há menos de três meses. Já existe um protocolo rígido. Vamos acompanhar cada momento. A expectativa, em relação ao carnaval, é que tenhamos mais de 90% do público-alvo com duas doses aplicadas e boa parte dos adultos já com reforço. Em questão de vacinas, estamos muito bem. Nossa preocupação, agora, fica sobre a variante Ômicron, como ela vai se comportar no estado nos próximos meses. Penso sempre mais a curto prazo, e o carnaval está um pouco mais à frente. Temos mais tempo para discutir. Mas temos, também, que o setor de eventos é um setor produtivo que sofreu muito. Então, temos que ter sensibilidade em dar a diretriz correta, na hora certa. Não adianta, também, a gente simplesmente negar tudo e não considerar que eles vêm sofrendo muito economicamente com a pandemia.
Em 2020, enfrentamos o início de uma pandemia que desafiou a população e as autoridades sanitárias. Com a vacinação, a situação começou a melhorar. É possível ter esperança de um ano mais tranquilo e saudável em 2022?
A gente começou o ano de 2021 com muita apreensão e medo. Uma situação muito complexa. A vacinação começou em janeiro, mas ainda de forma muito pontual, em grupos específicos, e terminamos o ano com vacina sobrando no estado, nos municípios e no governo federal. Não tem como não terminar o ano sem estar cheio de esperança. Apesar de a Ômicron estar aí — e nos preocupa —, temos a principal arma, que é a vacina. Certamente, 2022 vai ser um ano mais ameno, mas depende muito da gente, de cada um, em não baixar a guarda na hora errada. Temos mantido a obrigatoriedade do uso de máscaras, mas as pessoas têm que se lembrar dos mais vulneráveis, idosos, portadores de doenças, para que a gente não tenha, neste momento de mais tranquilidade, qualquer tipo de atitude que possa deixar alguém sob risco de morte. Estou muito esperançoso. A vacina deve vir mais adequada às novas cepas a partir de agora. As crianças de 5 a 11 anos foram incluídas no plano de vacinação. Então, não tem como não estar repleto de esperança por um 2022 muito melhor.
Obviamente, 2022 tem os outros desafios que não são a COVID-19. Estamos trabalhando para o estado ter uma rede mais robusta, para que a gente consiga manter cerca de 1 mil leitos de CTI. É uma luta grande de Minas. Estamos com as cirurgias represadas. Muitas cirurgias o estado vai financiar agora, para que a gente consiga, também, atacar as outras doenças, que por um tempo foram deixadas de lado. Nossa expectativa, em 2022, é correr atrás do prejuízo, porque a pandemia deixou todo o nosso esforço vinculado a ela, para que a gente consiga fazer muito mais pela saúde pública.