Embora quedas de rochas que compõem paredões como os cânions de Capitólio, no Sudoeste mineiro, sejam comuns, a tragédia que matou 10 pessoas nesse sábado (8/1) era plenamente evitável. O geólogo Guilherme de Freitas, especialista em engenharia geotécnica e diretor técnico da Geocontrole Brasil, empresa portuguesa que pesquisa rochas e minerais em território nacional, diz que há, no entorno da área, outras grandes pedras em situações parecidas. Para ele, proibir a circulação nas proximidades das paredes sob risco é medida fundamental para poupar vidas.
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O especialista explica que estudos e observações de formações rochosas têm, como produto final, a formulação de medidas preventivas, como a definição de faixas de segurança.
"Poderíamos ter, nesta época de mais risco e chuvas intensas, com verão, uma série de dispositivos de segurança coletiva, como boias e áreas de distanciamento predefinidas por alguma barreira física", lamenta. "Pode ter havido, também, falta de orientação mais especializada a nível do poder público, que tem profissionais especialistas e conseguiriam identificar aquilo e pedir para que as pessoas não ficassem tão próximas da encosta".
Duas embarcações foram atingidas pela rocha que se desprendeu do cânion. Imagens da tragédia mostram que, instantes antes da soltura do material, navegantes distantes da área de perigo tentam alertar as lanchas atingidas.
À medida que "farelos" do paredão iam caindo, a apreensão aumentava. "Naquele ponto, era possível que pessoas leigas vissem que era uma situação de risco. Infelizmente, quem estava lá no momento não teve a mesma percepção", assinala Guilherme, que é, também, professor de Geologia de Engenharia do curso de pós-graduação em Engenharia Geotécnica da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG).
Do céu, mais problemas
Tecnicamente, geólogos chamam a ruptura vista em Capitólio de tombamento. Guilherme de Freitas conta que incidentes do tipo "ocorrem o tempo todo". O fato de a encosta ser íngreme facilitou o movimento para baixo de parte do paredão.
Deteriorada pela ação do tempo, a rocha sofreu golpe extra com a ação da água da chuva, que se infiltrou na estrutura.
"A fratura que originou a queda daquele bloco já é antiga. Ela vai se desenvolvendo ao longo do tempo e aumentando o espaço muito por conta da chuva. A água, infelizmente, não traz muitos benefícios. Ela vai permeando e aumentando a pressão nas paredes, fazendo com que a fratura se alargue cada vez mais, até que as faces da rocha percam o contato, culminando na perda da resistência do maciço rochoso", detalha o docente.
Vigilância e ações pontuais
Os cânions de Capitólio se estendem por vários quilômetros. Em grandes áreas, a recomendação é lançar mão de mapeamento da situação geológica e geotécnica. O trabalho serve para identificar os tipos de rochas presentes, as inclinações das encostas e as fraturas que castigam as pedras.
De posse do monitoramento, os especialistas podem confeccionar a chamada carta de risco geológico, responsável por apontar as diretrizes de um plano de monitoramento periódico. A vistoria pode ser feita a olhos nus, mas equipamentos como radares, câmeras e softwares têm a função de auxiliar. "Em termos de monitoramento, há extensa gama de alternativas", assegura Guilherme de Freitas.
Ainda segundo ele, é possível fazer vistorias em áreas específicas, que chamem mais a atenção. Trata-se da análise cinemática, fundamental para descobrir se determinada encosta pode se romper.
"O tombamento é um dos tipos de possibilidade de ruptura que a técnica identifica. Isso funciona muito bem sob o ponto de vista pontual", ressalta.
Polícia Civil e Marinha terão inquéritos
O curso d'água palco da tragédia está sob a jurisdição da Marinha do Brasil (MB), que instaurou, ainda ontem, inquérito para apurar as causas do acidente. O balneário foi interditado. Também serão analisados os aspectos sobre a segurança da navegação, a habilitação dos condutores envolvidos, o ordenamento aquaviário do local e a observância das normas e legislações emanadas pela Autoridade Marítima. A corporação chegou a enviar homens e um helicóptero para auxiliar nas buscas.
Paralelamente aos trabalhos da MB, a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) conduz investigação própria para saber se houve influência alheia à ação da natureza.
"A princípio, nosso foco principal e de todos os atores, é a localização do maior número possível de vítimas.Posteriormente, vamos ouvir geólogos para saber se houve algum problema de estrutura. A princípio, queremos acalentar as famílias enlutadas", explicou, neste domingo, o delegado Marcos Pimenta, responsável pela seccional regional da Polícia Civil em Passos, cidade vizinha a Capitólio.
O proprietário da lancha Jesus, a mais atingida pelo impacto das pedras, já foi ouvido. Antes da ida à água, ainda no hotel que hospedava os turistas, ele fez uma foto das 10 pessoas que perderam suas vidas. "Essa fotografia está conosco e nos ajudando na identificação dos corpos no Instituto Médico Legal (IML) em Passos", pontuou Pimenta.
Ao longo desta semana, a ideia é colher depoimentos de testemunhas do caso. Uma força-tarefa com três delegados será montada. Por ora, em respeito ao luto, as oitivas de familiares não estão nos planos.