“Macaca, preta, suja, usa drogas e só serve para sexo”. Estes foram alguns ataques com os quais a estudante Graziele Cláudia Matias Campos Batista, de 24 anos, foi surpreendida nas redes sociais, em Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira. A reportagem conversou com a vítima nesta terça-feira (18/1).
O autor das agressões é o mesmo que abordou a jovem, em mensagem privada pelo Instagram, no fim de outubro do ano passado. Na ocasião, usando um perfil falso com o nome de Arthur Rodrigues, ele cometeu os crimes de homofobia, injúria racial e fez ameaças de morte e estupro contra várias vítimas.
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Na função Stories da rede social, o agressor publicou uma montagem com duas fotos. De um lado, ele colocou a imagem de Graziele, chamando-a de “gorda” e “preta fedida”.
Entre outras ofensas, ele escreveu: “Lugar de preto é no tronco e levando chicotada. Volta para a África.” Traçando um comparativo, o agressor publicou a foto de uma mulher branca com os seguintes dizeres: “Branca”, “mora em castelo”, “tem empregados”, “limpa e com saúde”, entre outros.
Entre outras ofensas, ele escreveu: “Lugar de preto é no tronco e levando chicotada. Volta para a África.” Traçando um comparativo, o agressor publicou a foto de uma mulher branca com os seguintes dizeres: “Branca”, “mora em castelo”, “tem empregados”, “limpa e com saúde”, entre outros.
À reportagem, Graziele revela que a experiência desta vez foi ainda mais traumática. “Um amigo me contou que o ‘Arthur’ havia voltado com um novo perfil no Instagram. Ele me mandou o print com a minha foto. Aí eu entrei rápido no Instagram para entender o que estava acontecendo e já tinha um monte de gente me mandando mensagens, perguntando se eu estava bem. E eu não estava entendendo o que estava acontecendo”, inicia.
Gaziele conta, então, que resolveu entrar no novo falso perfil para ver as publicações. “Mas não deu certo. Parece que ele me bloqueou. Porém, muitas pessoas começaram a me seguir, contando o que ele estava fazendo ao usar a minha imagem. Também recebi muitas mensagens de apoio. Em seguida, fiz uma publicação nos Stories mostrando a publicação criminosa direcionada a mim e muita gente começou a repostar”, explica.
Um misto de sentimentos
Ao ser atacada pela segunda vez, a estudante disse que, novamente, teve um “misto de sentimentos”. “No início, fiquei muito assustada, pois parecia uma perseguição. Fiquei triste demais e em choque por ler aquilo”, desabafa Graziele, contando que o episódio ativou alguns gatilhos de traumas adormecidos.
Na adolescência, até meus 16 anos, tive muitos problemas com minha imagem corporal e meu peso. Sempre me cobrei demais em relação à estética. Aos poucos, fui me aceitando e lidando melhor com isso. Esses ataques mexeram comigo. Eu vou à academia todos os dias. Desde que isso aconteceu, não consegui voltar”, lamenta Graziele, reforçando que tudo o que ela quer neste momento é que a justiça seja feita.
Vítima de homofobia diz que teve atendimento negado na PM
A reportagem descobriu outra vítima. Trata-se do influenciador digital João Pedro Scapim, de 21 anos. Ele foi um dos alvos dos ataques homofóbicos ocorridos no fim de outubro.
“Eu já sofri homofobia, mas nada parecido com isso. Ele chegou ao ponto de ameaçar a minha família de morte. Quando recebi as mensagens, eu estava no trabalho e demorei um pouco para processar o que estava acontecendo”, inicia.
No arquivo de vídeo, com gravação de tela, encaminhado pela vítima à reportagem, o homem usa a mesma abordagem agressiva. Além dos crimes de homofobia e gordofobia, o indivíduo faz ameaças de morte à família de João Pedro.
“Eu fui à delegacia após sair do trabalho fazer um boletim de ocorrência. No entanto, o policial disse que, como era um perfil falso, não tinha como identificar a pessoa e não fez a ocorrência. Isso aumentou meu medo, pois fiquei com a sensação de que não teria como recorrer a ninguém para me proteger”, complementa.
Indagada sobre as alegações da vítima, a Polícia Militar não havia se pronunciado até o fechamento da reportagem nessa terça-feira.
Em nota encaminhada no início da tarde desta quarta-feira (19/1), o tenente da Polícia Militar Robson Neves reforçou que todos os policiais são orientados a registrar a ocorrência. “Qualquer vítima deste tipo de fato pode procurar nossos postos policiais para registro”, diz.
Sobre a suposta falha de atendimento ao negar o registro do caso relatado por João Pedro Scapim, a PM não se manifestou.
Mobilização da Unegro
Para Kennedy Vasconcelos Junior – um dos membros da Mesa Diretora da União de Negros pela Igualdade em Minas Gerais (Unegro-MG) –, “é inadmissível um caso de tamanha gravidade ficar sem solução”. “As agressões são brutais”, exclama.
“Esta nova denúncia chegou ao nosso conhecimento pela própria vítima. Logo, passamos a dar toda a orientação jurídica necessária e também acionamos a delegada Ione Barbosa, que prontamente se colocou à disposição”, diz Kennedy, ressaltando que o trabalho de assistência à vítima prossegue até o fim das investigações.
Delegada e presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher assume o caso
A Polícia Civil já abriu inquérito, e as diligências tiveram início nessa segunda-feira (17/1) com a oitiva da vítima. “Já solicitei à Justiça uma medida protetiva devido à situação de vulnerabilidade na qual ela se encontra”, conta a delegada do caso, Ione Barbosa.
“É importante destacar que o crime de injúria racial foi equiparado ao racismo, tornando-se inafiançável e imprescritível, conforme o novo entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF). Temos aqui uma situação de extrema gravidade e tenho outras vítimas no radar que ainda serão ouvidas”, conta a delegada, que também atua como presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Juiz de Fora e da ONG Adcuidar.