Susto e perplexidade marcaram a manhã das mais de 90 pessoas que viajavam em um ônibus da linha 524R do Move Metropolitano, que liga o Terminal Justinópolis a Belo Horizonte. Por volta das 7h30, ao passar pela Avenida Vilarinho, uma das principais vias de ligação dos municípios do Vetor Norte ao Centro da capital, em Venda Nova, o veículo tombou, parando o trânsito por quase quatro horas.
Segundo o Corpo de Bombeiros, entre escoriações e fraturas, não houve mortes ou pessoas com ferimentos graves. Relatos dão conta de que o veículo deu sinais de problemas mecânicos antes de o eixo se soltar em plena avenida. O tombamento evidencia a situação precária na qual os usuários do transporte público viajam atualmente, ainda convivendo há dois anos com o risco de contaminação pelo coronavírus com aglomeração e janelas fechadas. Segundo o Departamento de Edificações e Estradas de Rodagem (DEER-MG), o veículo viajava com 127% de ocupantes a mais do que o permitido, ou seja, mais que o dobro. O consórcio responsável pelo veículo será alvo de processo administrativo.
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Nelson Ivan, de 64 anos, trabalha em uma loja de granitos próximo ao local do acidente e ajudou a socorrer os passageiros na hora em que o ônibus tombou. A câmera de segurança do local mostra o momento em que ele corre para socorrer as vítimas, após o veículo passar com um perceptível balanço. “Trabalho ao lado. Escutei o barulho e vim correndo para ajudar porque nessa hora não tem como não ajudar. É muita gente chorando, muita gente machucada e tem que fazer o possível para ajudar as pessoas”.
Socorro
Em meio ao caos, tanto de passageiros desesperados quanto de pessoas que ainda tentavam filmar a situação, Nelson conseguiu retirar vários usuários do veículo. Ele comentou a sensação de ser um dos heróis do dia. "A gente se sente bem ajudando os outros porque, às vezes, você está em uma dessa e a pessoa pode ajudar você também. Uma criancinha saiu rindo. Ali que eu me emocionei porque o menino saiu rindo, sem saber o que estava acontecendo. Saber que saiu todo mundo vivo dali é bom demais, só é ruim quando as pessoas se machucam", contou.
O cenário impressionou quem passava pelo local e os comentários eram de incredulidade por não haver mortes. Havia peças espalhadas por vários metros. Seis viaturas do Corpo de Bombeiros, com 22 militares, e cinco ambulâncias do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) trabalharam no atendimento às vítimas. Após uma triagem feita pelos médicos, 29 pessoas com escoriações e suspeita de fraturas foram levadas para serviços de saúde, sendo duas para o Risoleta Neves, próximo ao local, e outras 27 para Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) de Venda Nova e Ribeirão das Neves. Policiais militares e agentes da BHTrans estiveram no local e o trânsito foi interditado, sendo desviado pela Rua Padre Pedro Pinto.
Ao saber do acidente, amigos e familiares de passageiros foram para a Avenida Vilarinho. Um deles foi o lanterneiro Wanderson Rodrigues dos Santos, de 32, que saiu do Bairro Areias, em Ribeirão das Neves, para encontrar a família. A mãe dele estava no veículo, assim como a esposa e o filho de apenas 10 meses, que ela levava para uma consulta médica. A mãe dele estava a caminho do hospital, para passar o dia com a avó de Wanderson, que está internada. “Saí para trabalhar e recebi a ligação da minha esposa de que tinha ocorrido um acidente. Chegando aqui, me deparei com esse cenário”, comentou. "É agradecer a Deus que deu outra oportunidade para todo mundo começar de novo. Dar mais valor às vidas, aos familiares, pessoas próximas, porque a vida da gente é um sopro. Meu filho, graças a Deus teve uma segunda chance. Meu filho poderia estar vitimado dentro do carro uma hora dessa", desabafou com o pequeno Davi, que ria no colo do pai. No início da tarde, ele informou que a família acabava de deixar o atendimento médico e todos estavam bem.
Problemas mecânicos
Passageiros relatam que ouviram barulhos suspeitos no ônibus antes do acidente e que o motorista chegou a verificar o que estava acontecendo. O próprio Wanderson, chegando ao local, ouviu comentários a respeito. “Há relatos de pessoas ali de que o carro vinha apresentando ‘estalos’ havia três dias. Olha o que aconteceu hoje. Podia ter custado a vida de alguém.”
A técnica de refrigeração Denise de Fátima, de 38, estava no ônibus e confirmou. "Na primeira curva ele (o ônibus) estalou. Na segunda curva, quando parou na primeira cabine, ele deu outro estalo. O motorista desceu, olhou e disse que não era nada. Quando fez a curva na Vilarinho, estalou de novo. O povo começou a falar 'vai ter que parar' quando o coletivo chegou ao ponto antes da estação Candelaria", relata. "Ele (o motorista) acelerou e o ônibus capotou", completou. Denise bateu a cabeça e sofreu um inchaço na testa. Ela foi atendida e a orientação era de que procurasse um médico caso aparecesse algum outro sintoma.
Revoltada com a situação, ela cobrava responsabilidade.“A culpa é da empresa, que não presta um bom serviço nos carros, manuteção correta e coisa parecida. Do motorista também, porque ele sabia que o ônibus estava com defeito. Não foi só um, foram vários estalos. Era para ele ter parado, feito todo mundo descer”, afirmou.
Versão do motorista
No local do acidente, o Estado de Minas tentou falar com o motorista e representantes da empresa que estavam ao lado dele, mas ninguém quis dar entrevista. Eles se limitaram a responder que “estava tudo bem” ao serem questionados. O condutor não aparentava ferimentos. Ele conversou com responsáveis pela vistoria do Departamento de Edificações e Estradas de Rodagem (DEER-MG), policiais civis e militares. O motorista chegou a fazer o teste do bafômetro com a Polícia Militar. Segundo o Corpo de Bombeiros, o condutor afirmou que "estava na velocidade normal na via, percebeu alteração na direção puxando para a esquerda, logo depois escutou um estalo e a direção travou, puxando o ônibus para a esquerda e depois para a direita, momento no qual o veículo acabou tombando. Aparentemente houve a quebra do ‘facão’ e consequente colapso do eixo traseiro", disse corporação, ainda pela manhã.
O ônibus foi destombado por volta das 11h, após o eixo ser retirado da via e colocado em um caminhão. O motorista foi autorizado a entrar para pegar alguns pertences. Do lado de fora, havia pessoas esperando para recuperar objetos de passageiros que ficaram para trás, a pedido deles. Mais um perito da Polícia Civil chegou para avaliar a situação por outro ângulo. Após o reboque, o trânsito foi totalmente liberado às 11h15.
Investigação
Em nota enviada ao EM à tarde, a Polícia Civil informou que o condutor do veículo foi conduzido pela Polícia Militar e será ouvido na Central Estadual de Plantão Digital. As investigações para determinar as circunstâncias e causas do fato serão de responsabilidade da Divisão Especializada em Prevenção e Investigação de Crimes de Trânsito (DEPICT). “Uma equipe de investigadores compareceu ao local e já iniciaram os trabalhos para levantamento de possíveis imagens do acidente, assim como, coletar nomes das testemunhas que possam auxiliar na elucidação dos fatos”, diz o texto. A nota informou ainda que a perícia compareceu ao local para os trabalhos iniciais e um laudo será produzido e anexado ao inquérito. “A ocorrência do fato ainda não foi finalizada pela Polícia Militar”, completou o texto.
Danos
O imóvel atingido pelo ônibus pertence a Patrícia de Paula, de 45, que acompanhou a parte final do trabalho. Ela disse que o espaço estava em reforma e seria alugado. A notícia do acidente chegou pelo filho dela, que estava a caminho do trabalho e passou na porta do local no momento do acidente. “Na hora que eu recebi a notícia foi um choque. Quando ele falou que o ônibus tombou e entrou, a gente já pensa nas vítimas, mas graças a Deus não teve nenhuma morte”, comentou. Segundo ela, a empresa proprietária do ônibus prometeu ressarcir todos os danos, reconstruindo o muro e providenciando um bloqueio para evitar a invasão por criminosos.
Processo administrativo
Pelo relato do Corpo de Bombeiros e das próprias placas instaladas dentro do veículo, o ônibus que tombou ontem estava superlotado. Um dos informativos, que mostra o número dele, diz que a capacidade de passageiros é para 26 pessoas sentadas e 51 em pé, totalizando 77 pessoas. Em outra placa, com detalhes de fábrica, como a data da fabricação e modelo, consta que o veículo pode transportar 79 pessoas.
Em Belo Horizonte, desde 2020, a regra é que, em função da pandemia da COVID-19, os veículos do transporte coletivo podem circular com apenas 10 passageiros de pé. Conforme o Decreto Nº 17.362, de 22 de maio de 2020, da Prefeitura de Belo Horizonte, esse número só pode dobrar em caso de ônibus do Move articulados.
A confirmação veio por meio do DEER-MG, em nota enviada à reportagem no início da tarde. A capacidade estava ainda mais acima do permitido. O órgão disse que o caso será apurado e a empresa pode ser punida.
“(...)o Consórcio Linha Verde, responsável pela operação da linha do Move Metropolitano, na qual circula o veículo de placa: OXK 3643, número de ordem: 29319524 R, e que se encontrava fazendo o itinerário da linha 524R, será alvo de um processo administrativo punitivo e deverá prestar esclarecimentos sobre o ocorrido. Em condições normais, o limite máximo de passageiros permitido nesse veículo é de 77 pessoas (26 sentadas e 51 de pé). Segundo a deliberação do Comitê COVID-19, a lotação máxima do veículo, neste momento, deveria ser de 41 pessoas (26 sentadas e 15 de pé)”, diz a nota. No entanto, havia 93 pessoas no ônibus, 52 a mais do que o permitido.
“O Consórcio também deverá prestar esclarecimentos sobre a situação de manutenção da frota em operação. Em paralelo, a fiscalização do DER-MG vai promover uma vistoria completa na linha”, diz o DEER-MG, que ainda indicou uma medida para reduzir a lotação dos veículos. “A Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade (Seinfra) informa que a partir de 1º de fevereiro a oferta de linhas do transporte metropolitano será retomada no padrão pré-pandemia. Ou seja, as empresas não circularão mais com horários reduzidos em nenhum dos itinerários”, finaliza a nota. Ao acionar o departamento, o Estado de Minas também perguntou sobre reclamações feitas pelos usuários das linhas metropolitanas, mas não houve resposta.
Usuários reclamam até de falta de freio
O acidente com o ônibus da linha 524 (Terminal Justinópolis/Belo Horizonte), que tombou após perder o eixo na Avenida Vilarinho, em Venda Nova, no início da manhã de ontem chamou atenção para as condições do Move Metropolitano, que servem usuários da Região Metropolitana de Belo Horizonte. A reportagem do Estado de Minas entrevistou passageiros desses ônibus e encontrou uma lista de reclamações, sendo a principal delas a superlotação dos veículos, como a constatada no veículo que se acidentou. Superlotação, goteiras e até falta de freio estão entre as reclamações dos passageiros.
Consultado pelo EM, o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros Metropolitano (Sintram) afirmou que “monitora diariamente a demanda de passageiros, oferecendo uma quantidade de viagens compatível” e que “o número de viagens vem aumentando à medida em que os passageiros retornam ao sistema metropolitano”. De acordo com o sindicato, o número de usuários ainda está 30% abaixo da média pré-pandêmica.
A nota diz ainda que goteiras só podem ser identificadas quando chove e, nesses casos, “o veículo é recolhido logo após o término da viagem para passar pelos
devidos reparos”. E completa: “Todos os veículos que operam o serviço metropolitano passam por revisões periódicas e, quando algum problema é detectado, o carro é recolhido para passar pelas reparações cabíveis”. Leia abaixo depoimentos de passageiros.
“Pra começar, parece um carnaval. Você entra lá dentro e não consegue conversar com ninguém de tão cheio. Entrar num ônibus desse e numa lata de sardinha é a mesma coisa. A única diferença é que eu sou humano e a sardinha é peixe. E os motoristas têm que andar controlando, já cansei de ouvir motorista falar que o ônibus não tinha freio. Tem que controlar nas descidas. Se deixar pegar velocidade, (o ônibus) não para”.
Jair José da Silva, de 65 anos, aposentado
“A situação é precária. Se chove, molha tudo lá dentro. No calor, o ar-condicionado não funciona e a gente passa mal. As cadeiras balançando, os ferros às vezes você segura e cai”, pontua. “É muito cheio, lotado, às vezes não tem nem lugar pra segurar direito. Já aconteceu comigo de (o ônibus) estragar no meio do caminho. É a maior dificuldade pra pegar outro porque está tudo lotado também. É muito difícil. A gente paga passagem cara e sofre demais. Não é fácil não”
Janair Ferreira Gusmão, de 49 anos, empregada doméstica
“Dependo de três coletivos para ir ao trabalho e outros três para chegar em casa. O pior é o Move Metropolitano. Ele é superlotado o dia inteiro e quando está chovendo, molha dentro do ônibus. “Além disso, tem briga e tumulto dentro da estação. Empurra-empurra, bagunça o tempo todo”
Cristina Brito de Souza, de 43 anos, diarista
“A situação é péssima. Só passagem cara e transporte ruim. A gente fica horas esperando. No final da estação do Move é outra demora. É péssimo o transporte, o ônibus é muito cheio. Depois das 16h vai superlotado. Uso todos os dias para trabalhar e me preocupa com certeza, principalmente agora com esse acidente em Venda Nova.”
Adenor Lacerda Rodrigues, 44 anos, ajudante de carga e descarga
“Moro em Santa Luzia e vejo o ônibus lotado o tempo todo. Pego às 4h30 para ir trabalhar, que é quando está mais vazio, mas na volta, no pico da tarde, é muito difícil de sentar. Tinha de melhorar, aumentar a quantidade de ônibus. Ainda mais com o coronavírus. Pra quê esse tanto de gente? Fico com medo. Tem vez que cai chuva e tem goteira dentro do Move”
Isa Soares Pereira Santos, 41 anos, auxiliar de serviços gerais
As principais reclamações
- Superlotação
- Falta de freio
- Goteiras em dias de chuva
- Ar condicionado não funciona
- Veículo estraga no meio do caminho
- Passagem cara
- Cadeiras e apoios de mão frouxos
- Bagunça nas estações
- Demora no trajeto
- Intervalos extensos