Santa Bárbara – O casario colonial do século 18, as praças, a igreja e a capelinha ganharam placas em azul e laranja da Defesa Civil, que indicam para onde moradores devem correr para sobreviver em caso de emergência, deixando suas moradias no povoado de Brumal, patrimônio histórico em Santa Bárbara, na Região Central de Minas Gerais.
Porém, sem saber se há segurança estrutural em uma pilha de rejeitos minerários de ouro que está corroída pela erosão das chuvas e que tem um terço (3,2 milhões de metros cúbicos) do volume da barragem que se rompeu em Brumadinho, essas pessoas vivem aprensivas em um local onde a garantia seria a tranquilidade.
O temor é de que uma onda de detritos possa descer, invadindo suas vidas. “O sossego, a segurança que tínhamos aqui, acabaram. Tentamos saber da mineradora por que estava tirando os trabalhadores da mina, sem falar ou fazer nada com os moradores da comunidade, mas as respostas foram vazias”, considera uma das líderes comunitárias de Brumal, Dilce Mendes.
Na edição de sexta-feira, a reportagem do Estado de Minas mostrou imagens analisadas por especialistas em mineração que apontam como extremamente delicada a situação e urgentes as obras para sanar as avarias provocadas pelas chuvas nas estruturas, o que a empresa afirma estar em andamento e a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) diz estar fiscalizando.
Em imagens aéreas, foi possível detectar nos taludes (encostas) e na base da pilha que recebe rejeitos a seco. As drenagens que deveriam deixar estável a estrutura se encontravam assoreadas e o fluxo desse material seguia diretamente pela área da mineradora para o Rio Conceição. Um panorama com potencial de desabamento na pior das hipóteses.
Segundo a empresa, há trabalhadores e máquinas atuando na estabilização da pilha, embora a equipe do EM não tenha observado movimentação na área, na semana passada.
Segundo a empresa, há trabalhadores e máquinas atuando na estabilização da pilha, embora a equipe do EM não tenha observado movimentação na área, na semana passada.
A necessidade de um projeto de adequação da estrutura é avaliada pela Semad, podendo ser necessário até mesmo um novo licenciamento. Fiscais estaduais e federais (da Agência Nacional de Mineração) também devem comparecer ao local a pedido do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). A empresa garante a estabilidade do reservatório, a não poluição do ambiente e a transparência de divulgação de informações para a comunidade.
Alvo de denúncias
A estabilidade na pilha de rejeitos de minério de ouro já vinha sendo alvo de questionamentos de trabalhadores da Mina Córrego do Sítio, segundo o dirigente estadual da Região do Caraça do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM), Luiz Paulo Siqueira.
“Os trabalhadores da mina da AngloGold Ashanti nos relataram situações extremas em que suas vidas estavam em risco. Disseram operar máquinas como tratores no topo da estrutura e sentir, mesmo parados, que tudo trepidava, como se estivesse balançando de um lado para o outro. Com as chuvas, tudo piorou. Basta ver que em todos os taludes, em 360 graus, há erosões, e o pior, lavando e minando a base desse depósito de rejeitos”, observa Siqueira.
“Os trabalhadores da mina da AngloGold Ashanti nos relataram situações extremas em que suas vidas estavam em risco. Disseram operar máquinas como tratores no topo da estrutura e sentir, mesmo parados, que tudo trepidava, como se estivesse balançando de um lado para o outro. Com as chuvas, tudo piorou. Basta ver que em todos os taludes, em 360 graus, há erosões, e o pior, lavando e minando a base desse depósito de rejeitos”, observa Siqueira.
Um dos impactos piores, segundo o dirigente do movimento social, seria a contaminação da água, uma vez que uma possível onda de rejeitos desprendida da pilha pode percorrer a calha do Rio Conceição, transbordar e atingir a captação da Copasa que abastece cerca de 25 mil pessoas em Santa Bárbara.
A cidade utiliza o Ribeirão do Caraça, manancial que corre mais baixo que o rio que pode ser caminho dos detritos e fica a apenas 500 metros de distância. A reportagem questionou a Copasa e a prefeitura da cidade histórica para saber se há planos de contingência e acompanhamento da situação, mas não obteve resposta.
A cidade utiliza o Ribeirão do Caraça, manancial que corre mais baixo que o rio que pode ser caminho dos detritos e fica a apenas 500 metros de distância. A reportagem questionou a Copasa e a prefeitura da cidade histórica para saber se há planos de contingência e acompanhamento da situação, mas não obteve resposta.
Na comunidade, as histórias são de medo e relatos de falta de informações até antes da chegada da reportagem do EM. “Enviava perguntas para as pessoas que fazem a comunicação e o relacionamento. Mandavam eu registrar e formalizar por e-mail. Depois que fazia isso, era sempre a empresa dizendo que estava tudo bem, que estava tomando as medidas de segurança cabíveis, que as estruturas estavam seguras, mas nunca respondem diretamente o que perguntamos, nem eles nem a prefeitura: a Pilha do Sapê tem ou não cianeto e outros tóxicos? Se tiver um desabamento, nós vamos ter água, vai ter alerta para a gente fugir? Ninguém sabe”, questiona Dilce Mendes.
Clima é de tensão entre moradores
Uma família. Nas horas mais necessárias, apoio, compreensão, ombro amigo. Na alegria, celebração e felicidade. “Na comunidade do Brumal, as pessoas não são cordiais, são praticamente parentes. Você sente esse acolhimento. Quando viaja, te desejam boa viagem. Quando volta, perguntam como foi, se está tudo bem com os pais, com os filhos. É como se fôssemos da mesma família. Por isso, quando a mineração ameaça a segurança de quem mora na área de inundação do Rio Conceição, é como se ameaçasse a nossa mãe, a nossa irmã”, compara o advogado Rubens da Silva Santana, de 64 anos, morador de Brumal, distrito de Santa Bárbara que poderia sofrer consequências caso a Pilha do Sapê venha a ruir.
“O clima aqui mudou depois das notícias da evacuação dos trabalhadores por causa das erosões na pilha de rejeitos. Todo mundo está sem saber por que, de repente, os funcionários não estavam mais indo para os locais de trabalho. O que nos deixa bastante apreensivos é que a comunidade seria a mais atingida e não foi informada de nada. Sentimos uma tensão generalizada. Posso perceber um constrangimento de todos, porque ao mesmo tempo que as pessoas temem por suas vidas, todos têm alguém que depende da mineração e por isso não querem prejudicar a empresa, por causa dos empregos”, afirma.
A líder comunitária Dilce Mendes lembra bem do dia que os funcionários da AngloGold Ashanti foram impedidos de entrar na mina repentinamente, apesar de a empresa afirmar que se tratou de ação preventiva e de uma realocação de pessoal planejada e não feita às pressas devido a algum perigo.
“De repente, as portarias se fecharam. Ficou uma fileira comprida de ônibus esticada na estrada. A gente perguntava por que os trabalhadores da mina não podiam entrar e não nos diziam nada. Aí, então, todos foram levados para a outra parte da mina, do outro lado, a quase 8 quilômetros. Foi quando alguns funcionários disseram que o talude da Pilha do Sapê estava para desmoronar e por isso a AngloGold Ashanti evacuou tudo que tinha debaixo dos rejeitos”, lembra Dilce Mendes.
Obras
A AngloGold Ashanti afirma que, devido aos impactos das fortes chuvas do início do mês de janeiro, está realizando uma série de obras em estruturas internas da unidade, como vias internas, acessos e, entre elas, uma pilha de deposição de rejeito a seco. “Esta pilha sofreu um processo de erosão, que está controlado e não apresenta risco iminente. A erosão permaneceu totalmente na área da empresa, sem impactos aos cursos hídricos da região e às comunidades próximas. A estrutura contém material classificado como não perigoso, de acordo com a norma técnica brasileira.”
A mineradora afirma que desde o dia 10 de janeiro, técnicos e engenheiros da companhia atuam na área com maquinário para as obras de reparo.
“Também de forma preventiva, para que as obras sejam feitas com o máximo de segurança e agilidade, neste período, algumas estruturas e empregados foram deslocados temporariamente. A AngloGold Ashanti também reforça que a pilha não tem qualquer relação com suas barragens, que continuam totalmente estáveis e seguras. Em caso de dúvidas, a empresa permanece sempre à disposição da comunidade pelo nosso canal de relacionamento: 0800 72 71 500”, informou. (MP)
“Também de forma preventiva, para que as obras sejam feitas com o máximo de segurança e agilidade, neste período, algumas estruturas e empregados foram deslocados temporariamente. A AngloGold Ashanti também reforça que a pilha não tem qualquer relação com suas barragens, que continuam totalmente estáveis e seguras. Em caso de dúvidas, a empresa permanece sempre à disposição da comunidade pelo nosso canal de relacionamento: 0800 72 71 500”, informou. (MP)