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Estado de Minas ESTRANGEIRO

Mesmo qualificados, imigrantes africanos que vivem em BH trabalham na rua

Muitas vezes com diplomas e vários idiomas no currículo, grupo não encontra vagas compatíveis com a formação e recorre à informalidade para sobreviver


08/02/2022 04:00 - atualizado 08/02/2022 14:10

A fluência em inglês é um diferencial, e até mesmo requisito, quando se disputam vagas no mercado corporativo. Alguém fluente em inglês, habilidade essa confirmada pelo Toefl (Teste de inglês como uma língua estrangeira), costuma ocupar boas posições profissionais. E se a pessoa ainda falar francês, espanhol e português, e além disso dominar o swahili, luo e giriama? E se ela tiver também boa compreensão de coreano, pode-se inferir que, certamente, terá uma carreira de destaque.
Essa pessoa é Joy Wanja Oriri, que fala oito idiomas.

Ambulante na Praça Sete, no Centro da capital
Com fluência em inglês e falando francês e espanhol, a queniana Joy Wanja Oriri cursa psicologia e ajuda a mãe, Esther Hadija, no comércio ambulante na Praça Sete, no Centro da capital (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)


Ela poderia trabalhar para a Organização das Nações Unidas (ONU) ou em uma empresa multinacional. Além de ser poliglota, está finalizando o curso de psicologia na Universidade de Duke, na Carolina do Norte, nos Estados Unidos. É muito bem-humorada e comunicativa. Um currículo e tanto para uma jovem de 19 anos. Não fosse ela uma imigrante africana. Profissionais que emigram de países africanos em busca de oportunidades, assim como Joy, apesar de toda a qualificação não costumam encontrar empregos compatíveis com a formação.
 
Essa é a constatação do pesquisador Duval Fernandes, que coordenou a elaboração do Atlas da Migração Internacional em Minas Gerais, divulgado em 2020. A maior parte dos imigrantes africanos trabalha com a venda de produtos, como vendedores ambulantes na rua. De 2010 a 2016, cerca de 600 pessoas de países africanos chegaram a Belo Horizonte – no entanto, ele lembra que os números indicam o fluxo de migração, ou seja, não significam que as pessoas ainda estejam aqui.
 
Joy estava no Centro da capital numa quinta-feira, dia que ela não assistiu à aula on-line na Universidade de Duke para ajudar a mãe, Esther Hadija Shapata, que trabalha como vendedora ambulante em um dos quarteirões fechados da Praça Sete. A jovem veio do Quênia, na África Oriental, e mora com a família em Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Aquele pequeno quarteirão bem que poderia ser intitulado como uma embaixada africana. Encontramos lá a família de Esther, do Quênia, Armindo Monteiro, que veio da Guiné-Bissau, e F., que veio de Gana e optou por não ser identificada. Nos dias em que nós, brasileiros, ficamos envergonhados com o assassinato bárbaro do congolês Moïse Mugenyi Kabagambe, de 24 anos, em um quiosque na Barra da Tijuca no Rio de Janeiro, o Estado de Minas entrevistou imigrantes africanos para saber como é a vida deles em BH.
 
O professor Duval Fernandes, que leciona no Programa de Pós-graduação em geografia da PUC Minas, lembra que os imigrantes africanos, muitas vezes, enfrentam casos de racismo e xenofobia. “A maioria está trabalhando com o comércio de rua, em situações informais. Na Praça Sete, tivemos relatos de que o pessoal molhava a frente da loja com óleo, jogavam água para que não pudessem colocar a mercadoria. Isso criou uma situação de precariedade de trabalho para essas pessoas”, revela.

Escolha A família do Quênia se sente muito acolhida e não vivenciou nenhuma situação de xenofobia. Joy está no Brasil há quatro anos e quatro meses, e Belo Horizonte foi uma escolha de Esther, que se encantou pela cidade, enquanto o marido sugeriu que a família fosse para Paracatu. “Belo Horizonte é muito bonita, com muita beleza natural. Aqui é bom para ganhar dinheiro. Pessoas de BH têm bom coração, são prestativos. Amo brasileiros, amo Minas Gerais. Paracatu é muito calor”, diz Esther. BH não era a preferência do marido, mas ele foi convencido.
 
Joy está prestes a se formar no curso de psicologia na Universidade de Duke, mas não pretende trabalhar como psicóloga. “Estou estudando porque ganhei bolsa. Sou apaixonada em ter muitos diplomas, certificações, para contar aos meus filhos.” Mas ela pretende cursar direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pois desde os 7 anos sonha ser juíza.
 
Antes de viajarem para o Brasil, passaram pelo Marrocos e, como lá as pessoas não falam inglês, ela e as irmãs aprenderam o francês para se comunicar. O inglês é a língua nativa do Quênia, país que foi colonizado pela Inglaterra. O espanhol ela começou a estudar porque desejava viajar para a Colômbia, atraída pelas delícias da culinária daquele país.“Estou estudando espanhol para quando for viajar para lá não ter problema para conversar com as pessoas.” O luo é a língua da etnia do pai; e o giriama é o idioma da etnia da mãe.
 
A família é composta por sete pessoas: quatro filhas, um filho, mãe e pai. Neste tempo de quatro anos, a família se sente totalmente integrada. Prova disso é a mistura que fazem quando preparam as refeições; um pouco dos pratos típicos do Kênio (sic), um pouco dos pratos brasileiros. Não é fácil achar os ingredientes exatos para o preparo. Esther garante que foram muito bem acolhidos no Brasil. “Os brasileiros nos receberam como irmãos e irmãs. Estou muito feliz aqui.”
 
Esther trabalhou como professora de inglês e geografia, mas sonha ter o próprio negócio. Atualmente, Esther, personaliza chinelos, colocando nas tiras enfeites variados, um trabalho manual que exige dedicação e bom gosto. Em dezembro, conseguiram uma venda lucrativa e esperavam vender também durante o carnaval, porém a festa não será mais realizada. Eles chegam para trabalhar às 8h e ficam até as 18h, mas em dezembro ficavam até as 20h. “Quando a venda é boa a gente fica até mais tarde.” Só param para almoçar.

Acolhimento Armindo Monteiro, de 45, veio da Guiné-Bissau para o Brasil com a família, que reside no Bairro Colégio Batista: a mulher, Dionísia, o filho Ronaldo e a filha Esther Emanuelle. Eles estão há sete anos aqui e consideram que foram muito bem aco- lhidos. Armindo é professor de inglês, mas agora trabalha como vendedor ambulante. “Depois que veio a pandemia, parei de dar aula e agora estou focado em artesanato.” Armindo conseguiu uma bolsa para estudar teologia no Seminário Cristo para as Nações, formou-se há três anos e tem o sonho de voltar para seu país, que fica na costa ocidental da África, uma ex-colônia portuguesa com cerca de 2 milhões de habitantes.
 
A família gosta muito de Belo Horizonte. “É uma cidade tranquila, com pouco índice de violência”, diz. Apesar disso, ele diz que já sofreu preconceito por aqui, mas que não se deixa abater. “Preconceito existe em toda parte do mundo. Mesmo lá no meu país. Se há ser humano, há preconceito quer com pessoas da mesma cor da pele, quer com pessoas de diferentes cores da pele. Quando sofri, não nutri o sentimento que estava acontecendo comigo por eu ser estrangeiro.” Armindo usa o tempo livre para a leitura, principalmente livros de auto-ajuda. No momento está lendo “Desperte o seu gigante interior”, de Tony Robbins. 
 

Mapa mostra a origem

A maior parte dos imigrantes africanos na capital e região metropolitana é composta por senegaleses. Pela facilidade da língua, seria mais provável um número maior de emigrantes de países africanos de língua portuguesa, como os angolanos, mas não é o que ocorre. “Os angolanos não costumam vir para Minas. Os senegaleses têm uma tradição de vir para Minas. Eles têm uma rede muito forte”, informa o professor Duval Fernandes, que coordenou o Atlas da Migração Internacional, um projeto da PUC Minas. Ele afirma que não há dados muito precisos em 2020 e 2021 devido à pandemia.
 
O professor lembra que há um grupo de imigrantes que se enquadra na categoria de refugiados, como os que vêm da República Democrática do Congo, país onde há conflito armado. Ele reforça que em alguns países africanos a homossexualidade é criminalizada até mesmo com a pena de morte, levando a muitos cidadãos desses países a se refugiarem. A maior comunidade de refugiados está no Rio de Janeiro.
 
O perfil em Minas inclui imigrantes que vieram para estudar. Muitos deles acabam ficando, alguns em situação irregular. Os imigrantes de Gana chegaram na época da Copa do Mundo no Brasil, em 2014. Se a pessoa tivesse um ingresso para um jogo, o Brasil dava o visto. O governo de Gana também promovia viagens de torcedores para acompanhar a Seleção. Vários ganeses vieram e ficaram porque era um bom momento econômico no Brasil. 

Atlas da migração internacional em MG

De onde vêm os africanos que estão em BH – 2010 a 2016

País Migrantes
  • Moçambique 158
  • Angola 233
  • Cabo Verde 64
  • Uganda 2
  • São Tomé e Príncipe 13
  • Senegal 8
  • Ruanda 2
  • Argélia 4
  • Burkina Faso 2
  • Camarões 15
  • Madagascar 2
  • Guiné-Bissau 57
  • Gana 13
  • Quênia 10
  • Total 566


Quiosque

A família do congolês Moïse Kabagambe, espancado até a morte na orla da Barra da Tijuca, aceitou a proposta da Prefeitura do Rio para gerir um dos quiosques que vão ser transformados em memorial. A informação foi confirmada pelo advogado dos parentes dele, Rodrigo Mondego, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ). A Prefeitura do Rio, por meio da Secretaria Municipal de Fazenda, informou que vai fazer um memorial em homenagem à cultura congolesa e africana nos quiosques Biruta e Tropicália, onde Moïse foi morto a pauladas. Em nota, a prefeitura disse que o contrato de concessão com os atuais operadores dos quiosques está suspenso durante a investigação do crime e que, “caso se comprove que eles não têm qualquer envolvimento no crime, a Orla Rio discutirá a transferência para outro espaço”. “Caso contrário, o contrato será cancelado. Ainda não há prazo para a execução do projeto. Neste momento, a prefeitura está conversando com a família”, diz a nota.  
 


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