Jornal Estado de Minas

REFLEXOS DA PANDEMIA

Só agora, aos 52 anos, mulher consegue tirar certidão de nascimento

A dona de casa Francisca Wanda de Oliveira é uma das cerca de 3 milhões de pessoas no país sem registro de nascimento civil. Consideradas ‘invisíveis’, essas pessoas não têm acesso à cidadania no Brasil pela falta do documento. Mas, aos 52 anos, Francisca conseguiu autorização da justiça para ter a certidão de nascimento.  


Ela nasceu em Santa Maria de Suaçuí, no Vale do Rio Doce, cresceu na região rural, nunca se matriculou em uma escola e, sequer teve acesso a benefícios sociais ou votou em uma eleição. A falta de registro de nascimento impede que a pessoa tenha acesso a qualquer outro tipo de documentação.




 
“Ela nunca trabalhou oficialmente e não conseguiu benefícios por falta de documentos. Na roça, as pessoas não se preocupam muito com isso”, conta o irmão de Francisca, José Caetano.

Com a pandemia de COVID-19, Francisca teve que se vacinar. Foi ao posto de saúde na Vila Pinho, Região do Barreiro, em BH, e não foi imunizada por não ter carteira de identidade. A assistente social do posto, Aline de Souza, e a agente comunitária Laura Aleixo tentaram resolver o problema e encaminharam o caso para o Cartório de Registro Civil e Notas do Barreiro.
 
 

“Nós fazemos muitos registros de nascimento tardio. E essa mulher, de fato, não tinha certidão de nascimento. No final, deu tudo certo e lavramos o registro de nascimento tardio dela, com a autorização da Justiça”, explicou a titular do cartório, Letícia Franco.





Olhar humanizado


A juíza da Vara de Registros Públicos da capital, Maria Luiza Rangel Pires, elogiou o atendimento que a mulher recebeu, com o empenho de diversos profissionais desde o primeiro momento no posto de saúde, passando pelo cartório extrajudicial até chegar ao pedido na Justiça estadual. “É preciso ter esse olhar humanizado para efetivamente resolvermos a situação de cada cidadão.”

A magistrada ressaltou que os casos de registro tardio não são situações raras no Brasil. Segundo ela, acontecem, normalmente, com pessoas que tiveram uma vida inteira em situação de rua ou com quem nasceu em regiões no interior do estado sem acesso a esse tipo de serviço, já que os cartórios de registro civil eram distantes.

Registro tardio 

 
Para autorizar um registro tardio, a Justiça faz uma série de diligências para evitar fraudes ou um segundo registro. Em situações comuns, é preciso fazer uma busca detalhada em diversos cartórios da região onde a pessoa nasceu. E isso exige tempo. 




“O problema é que essas pessoas quando precisam do documento de identificação é em situações urgentes, como uma internação em hospital, para se aposentar ou receber um benefício social”, afirma a juíza.
 
Em casa, em Belo Horizonte, Francisca está feliz agora com certidão de nascimento em mãos. Ela foi ágil ao buscar dentro da bolsa a carteira de identidade para tomar mais uma dose da vacina contra a COVID-19. “Graças a Deus, agora eu tenho um documento que vale”, disse ela ao chegar novamente ao posto de saúde no Barreiro.
 
*Estagiária sob supervisão