Um homem esperou 11 dos 57 anos de vida para retirar uma hérnia. Após tanta espera, o alívio, no entanto, se tornou pesadelo: ele saiu do hospital, na verdade, sem a vesícula. A unidade de saúde informou nesta terça-feira (22/2) que afastou o médico responsável pelo erro - a Polícia Civil, por sua vez, também disse hoje que investiga o caso.
No início deste mês, mais precisamente no dia 8, Assis Fernandes Sousa deu entrada no Hospital Nossa Senhora da Conceição (HNSC), em Pará de Minas, no Centro-Oeste mineiro. O procedimento foi feito pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Embora os papéis do encaminhamento fossem claro sobre a motivação da operação, um erro gravíssimo fez com que o trabalhador rural voltasse para a casa, em Conceição do Pará, na mesma região, sem resolver o problema. “Os papéis estavam lá. Eu estava na cama e eles também me perguntaram de que eu ia operar e eu disse que era para retirar a hérnia”, conta.
Ainda sob efeito da anestesia, Sousa acordou apenas no dia seguinte. Na mesma data, no dia 9 deste mês, o médico passou pelo quarto, o avaliou. Mesmo tendo relatado dor, ele recebeu alta.
Pesadelo
No dia seguinte, 10 deste mês, uma quinta-feira, Assis sentiu muita dor e foi até o posto de saúde em Conceição do Pará para atendimento. “A médica disse que só o médico que me operou poderia me passar algum remédio”, conta.
De lá, viajou cerca de 50 km e foi direto para o Hospital Nossa Senhora da Conceição, em Pará de Minas. “Fiquei aguardando até que me disseram que o médico estava atendendo na UPA e eu espremendo de dor”, relata.
Acompanhando da esposa, foi até a Unidade de Pronto Atendimento (UPA), também em Pará de Minas, onde foi atendido por outro profissional.
“Perguntei se ela poderia me passar um remédio porque eu estava sentido dor demais. Aí ela perguntou assim: 'o que é?' Aí eu disse que fiz uma cirurgia de hérnia, aí ela pediu para eu suspender a camisa e ela falou que não era hérnia, que era minha vesícula”, relembra.
A médica pediu para ver os papéis da alta e quando ele a mostrou, confirmou que a vesícula havia sido retirada e nenhum problema foi diagnosticado nela.
Sousa foi orientado, então, a procurar o médico que o operou.
Encontrei ele e falei que eu estava em tempo de morrer de dor. Ele mandou eu deitar na cama, abriu meu olho, olhou de um lado e do outro, olhou os pontos e falou que estava beleza. Perguntei se ele podia ao menos colocar uma sonda, porque eu estava sofrendo muito, aí ele só falou assim: 'lá no posto de saúde eles põem'
Assis Fernandes Sousa, que teve a vesícula retirada no lugar de hérnia
Mais dor
De lá, no mesmo dia, o paciente foi para Pitangui - também a cerca de 50 km -, onde também passou por atendimento médico, após sentir muita dor no trajeto de volta para a casa. “Ele me disse o mesmo, que era a vesícula que tinha sido retirada e autorizou a enfermeira a colocar a sonda. Quando ela colocou, ela sentiu a hérnia na virilha”, conta.
Sem entender, Sousa voltou para a casa. A resposta para todo o sofrimento veio apenas no dia seguinte quando, por acaso, a esposa dele encontrou uma técnica da Secretaria Municipal de Saúde de Conceição do Pará.
Ela a perguntou sobre como tinha sido a cirurgia. “Minha esposa então falou para ela: 'operar ele operou, só que ele foi operar de hérnia e eles tiraram foi a vesícula dele fora'”.
Foi quando a técnica pediu os documentos, detectou o erro. A secretária de Saúde Janaína Freitas entrou em contato com o hospital. Lá, ele passou por um novo atendimento com dois médicos que confirmaram o erro e assumiram o caso. Mesmo com a unidade disponibilizando o procedimento correto, agora, Sousa não se sente seguro.
“Agora não tem jeito porque eu sofri demais e eu fico até com medo... Para eu operar tenho que esperar porque minha barriga está inchada e dói muito”, afirma.
Os documentos do encaminhamento cirúrgico, da cirurgia e alta já estão com um advogado. A família estuda a possibilidade de tomar medidas judiciais contra o médico e o hospital.
Investigação
Em nota divulgada hoje, a Polícia Civil de Minas Gerais dise que o homem registrou a ocorrência no 12 de fevereiro em Conceição do Pará.
“A PCMG instaurou inquérito policial para apurar o caso e os trabalhos estão em andamento por meio da Delegacia de Polícia de Pará de Minas, cidade onde os fatos ocorreram. Outras informações serão prestadas em momento oportuno”, informou.
“A PCMG instaurou inquérito policial para apurar o caso e os trabalhos estão em andamento por meio da Delegacia de Polícia de Pará de Minas, cidade onde os fatos ocorreram. Outras informações serão prestadas em momento oportuno”, informou.
Médico foi afastado
O hospital manifestou-se apenas por meio de nota. Informou que o médico foi afastado e que foi oferecido ao paciente o tratamento cirúrgico de herniorrafia inguinal e completa assistência para a reabilitação.
"A apuração dos fatos segue em sigilo médico aguardando parecer final do Conselho Regional de Medicina. Todas as informações complementares serão devidamente prestadas após o término dos trâmites legais", afirmou, em trecho do posicionamento (leia a íntegra abaixo).
A reportagem tentou contato com a secretaria municipal de Saúde, porém a responsável pela pasta não estava.
Nota do Hospital Nossa Senhora da Conceição
“A diretoria administrativa e técnica do Hospital Nossa Senhora da Conceição (HNSC) vem, por meio desta, lamentar o ocorrido e, ao mesmo tempo, se solidarizar com a família. A instituição informa que as medidas administrativas internas já foram tomadas, assim como realizado o acolhimento do paciente e sua família.
O hospital ofereceu todo o tratamento cirúrgico inicialmente proposto, de herniorrafia inguinal, e a completa assistência para sua reabilitação. O caso foi encaminhado como prioridade para comissão de ética do HNSC. Além disso, o hospital determinou o afastamento imediato do profissional envolvido. Desde então, ele não mais exerce suas atividades dentro da instituição.
A apuração dos fatos segue em sigilo médico aguardando parecer final do Conselho Regional de Medicina. Todas as informações complementares serão devidamente prestadas após o término dos trâmites legais."
*Amanda Quintiliano especial para o EM