Jornal Estado de Minas

CARNAVAL NA PANDEMIA

Festa em tom de improviso



Surpreendente foi o primeiro dia do carnaval 2022 em Belo Horizonte. Sem nenhum anúncio prévio ou convocatória de foliões, teve, sim, festa colorida com bateria e muita alegria na cidade, embora tenha sido pontual. Ontem, centenas de pessoas se reuniram no Bairro Santa Tereza, Região Leste da capital, para celebrar o primeiro dia do feriadão. A festa aconteceu mesmo com a recomendação do Comitê de Enfrentamento da COVID-19 de que não houvesse carnaval de rua este ano, devido ao risco de elevação de casos da doença. Na rua, muito folião e poucas máscaras de proteção contra o coronavírus. Já o bloco Então, Brilha!, que tradicionalmente abre os desfiles na manhã de sábado, reservou uma surpresa segura para os amantes da festa de Momo: sem aviso prévio, saiu de trenzinho da alegria, marcando presença nas ruas, sem aglomeração.





A reportagem do Estado de Minas acompanhou o desfile, que segundo integrantes que preferiram não se identificar, é um "movimento independente". A multidão de foliões se concentrou na Praça Duque de Caxias, e saiu em cortejo improvisado pelas ruas do bairro.

Sem apoio ou oficialização do bloco – neste ano, a Prefeitura de Belo Horizonte decidiu desestimular a festa, ao anunciar que não ofereceria ajuda financeira nem logística às agremiações – , os participantes foram às ruas na cara e na coragem: sem trio elétrico, carro ou caixa de som.  Apenas músicos acostumados com o carnaval  levaram seus instrumentos para agitar a folia e arrastar quem chegasse com axé.

Infelizmente, ver alguém com máscara facial – proteção essencial para conter a propagação do coronavírus e tentar pôr fim à pandemia – foi uma cena rara em meio à aglomeração.





Não houve qualquer estrutura, como banheiros químicos e desvio de trânsito pela BHTrans, já que, oficialmente, o carnaval foi cancelado. Policiais militares que passaram próximo ao bloco disseram que estavam apenas acompanhando e não iriam interferir enquanto não recebecessem ordens nesse sentido.

Para a arquiteta Joseana Costa, de 44 anos, o bloco improvisado foi motivo de alegria. "Um carnaval surpreendente e imprevisível, como a vida", afirmou, contente pelo clima "gostoso". "Carnaval pra mim é uma festa na qual a gente consegue ocupar a rua, comemora a vida, ocupa espaço público", acrescenta. Com fantasia colorida e sem tirar o sorriso do rosto, Joseana disse que participar da festa improvisada na rua é "uma resistência ao carnaval particular autorizado".

O professor Wudson Carvalho, de 39, disse que só se sentiu seguro em participar da festa porque já garantiu as três doses da vacina contra a COVID-19. "Além de já me sentir protegido, fico pensando: os eventos pagos estão liberados. Acho que tinha que liberar todos ou não libera nenhum", reclama. Nos eventos pagos, entretanto, é exigida a apresentação de comprovante de vacinação com duas doses ou teste negativo de COVID-19.





Ele conta que mora em Itabirito e, mesmo sem saber de nenhum bloco com antecedência, preferiu vir a BH e ficar de "sobreaviso". "Dentro das possibilidades está gostoso, divertido. Só estou achando que poderia ser bem melhor porque foi proibido. A gente podia ter todos os blocos e inclusive escolher, mas infelizmente não tivemos muitas opções este ano".

Enquanto o “bloco secreto” pegava fogo, quem refrescava os foliões era Jovita Queiroz Rodrigues, de 81, contente em poder acompanhar a festa da varanda de casa. "Depois de dois anos, matei a saudade", confidencia. "Hoje fui pega de surpresa. Mas todo ano eu fico aqui esperando o bloco passar. O povo adora."

O QUE DIZ A PBH 


Em nota, a prefeitura informou que "para a fiscalização no período de carnaval, a Prefeitura de Belo Horizonte instituiu 96 equipes de fiscalização Integrada, que contam com fiscais de posturas, guardas civis e agentes de fiscalização sanitária". E completou: "essas equipe atuam em apoio as demandas do Centro Integrado de Operações, no atendimento de denúncias e na verificação de áreas de comércio e o uso de espaços públicos". Em 26 de janeiro, o prefeito Alexandre Kalil (PSD) anunciou que não haveria carnaval oficial em Belo Horizonte.





A PBH não proibiu expressamente o carnaval de rua na cidade, mas também não ofereceu apoio financeiro ou liberou alvará para as festas ocorrerem. Por outro lado, autorizou a realização de festas privadas, contando que sejam cumpridas medidas de segurança – como a exigência de documentos que comprovem o teste negativo de COVID-19 ou a vacinação contra a doença.

Na sexta-feira, o Ministério Público chegou a obter uma liminar, concedida pelo juiz Wauner Machado, proibindo as festas, mas a PBH recorreu e a decisão foi derrubada. O pedido do MP foi feito depois de o órgão questionar o município sobre as medidas a serem adotadas nas festas.  A prefeitura informou, segundo o MP, que não iria apoiar financeiramente qualquer evento nem impediria que eles ocorressem.

"A prefeitura é obrigada a recorrer, não podemos ter interferência assim. Vamos ao Tribunal de Justiça. É uma decisão, temos que respeitar, mas vamos tentar derrubar", afirmou o prefeito Alexandre Kalil (PSD), ao comentar a liminar em entrevista coletiva durante visita às obras de contenção de enchentes na Avenida Vilarinho. Logo depois, a Justiça acatou o recurso da PBH e suspendeu a decisão, voltando a valer os protocolos definidos pela prefeitura.