O Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação civil pública para impossibilitar que a área do Cercadinho, localizada nos limites de Belo Horizonte e Nova Lima, seja vendida no leilão promovido pelo Programa Incorpora Brasil — Fundos Mobiliários Federais, do Ministério da Economia. A região, que integra a Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço, abriga também o Parque Ecológico Linear, projeto criado pelos moradores do Bairro Belvedere, Centro-Sul de BH.
O leilão, previsto para ocorrer no dia 23 de março, busca comercializar 139 títulos públicos federais. Entre eles, 19 glebas, com cerca de 50 hectares, equivalente à linha férrea (onde está localizada a Estação Águas Claras), da extinta Rede Ferroviária Federal (RFFSA), e lotes adjacentes.
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Segundo Cláudia Pires, coordenadora da Rede MetroDS e Assessora Técnica do Parque Linear, a venda oferece diversos riscos à preservação ambiental. Isso porque a região faz parte do complexo da Biosfera — berço de diversas nascentes, que abastecem o Rio das Velhas e o Rio Paraopeba, e também da Serra do Curral —, e está no limite de duas áreas diretamente afetadas, sendo elas a Reserva do Cercadinho e a Mata do Jambreiro.
Para o MPF, a região tem grande papel ambiental, não só para a preservação das áreas ecológicas, do entorno da Serra do Curral, como também para a recarga do aquífero, que contribui para o abastecimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Claudia explica que essa área já foi, por mais de 40 anos, muito afetada devido ao processo de mineração e, por isso, não justifica a venda dessas glebas para a iniciativa privada, que vão devastar o ecossistema e colocar em risco a Estação Ecológica do Cercadinho, primeira reserva ambiental-hídrica da cidade.
Além disso, de acordo com a Assessora Técnica do Parque Linear, a região é extremamente frágil, do ponto de vista geológico e geotécnico, já que está localizada em uma área montanhosa. Por isso, a urbanização, ao construir a rodovia, em prol da melhoria do tráfego na região, e implementar prédios, seria mais delicada comparada aos ambientes planos e ideais para a expansão da cidade, além de tornar o local impermeável.
Segundo o MPF, o crescimento da área urbana sem o planejamento hidrogeológico foi bastante estudado nos últimos 70 anos. A expansão imobiliária afetou diretamente a impermeabilização dos terrenos e a exploração de águas subterrâneas, que, consequentemente, ocasionou o exaurimento das nascentes do córrego do Cercadinho.
O engenheiro civil Marcelo Souto afirma que o maior problema do crescimento desenfreado das cidades, não somente em BH, como também em outros grandes centros urbanos, são os impactos das chuvas. “Qualquer chuva em Belo Horizonte provoca alagamento. Por isso, toda a ação que vise uma mudança ambiental na cidade, deve também pensar nessa questão”, completa.
Mesmo a área do Cercadinho sendo protegida por diversas leis ambientais, como a lei mineira, n° 10.793/1992, que protege mananciais destinados ao abastecimento público, inviabilizando empreendimentos que possam ameaça-los, e a Lei n° 13.960, que integra a região na Área de Proteção Ambiental 6 Sul da RMBH, criada em 2001, não impede, de fato, a venda no leilão.
“Existe uma quantidade de leis e decretos de proteção que é feita nesta área, evidenciando o grau de perigo que essa preposição de vendas pela União significa. No entanto, estamos em um Governo que, a favor do setor privado, frequentemente desregulamenta marcos ambientais. Exemplo disso é o desmatamento na Amazônia, o ataque ao Pantanal e ao Cerrado brasileiro”, explica a assessora técnica do Parque Linear.
Além disso, a região também possui patrimônios culturais. O trecho ferroviário desativado, que liga a cidade de Brumadinho à Estação Águas Claras, é de responsabilidade do IPHAN, principal órgão que administra o patrimônio móvel e imóvel, artístico, cultural e histórico da extinta RFFSA.
Atualmente, o local detém cinco tombamentos, sendo três para a preservação da Serra do Curral, outro para manter a memória ferroviária mineira e o último para a manutenção ecológica da Reserva do Cercadinho.
Cláudia afirma que existe outro processo (em curso), que visa o tombamento da Serra do Curral e, por isso, a venda da área também afetaria as propostas de preservação. “A maneira que tem sido propalado pelo Governo Federal atinge as iniciativas de recuperação do local, que sofreu diversos danos no decorrer do século XX”, completa.
Parque serve como área de convivência para os moradores e promove atividades culturais
Além da importância ambiental, a região, que desde 2002, foi adotada pelos moradores do Bairro Belvedere, é usada para atividades esportivas e de lazer. A área está, há mais de 20 anos, abandonada pelos órgãos públicos e a iniciativa dos residentes foi mantê-la, informalmente, como um espaço de preservação e de convívio social.
Por isso, o projeto do Parque Linear é importante e busca força nas redes sociais, pois é uma das poucas áreas ecológicas na região, afetando positivamente na qualidade de vida dos moradores do Belvedere e Nova Lima, além de funcionar como ponto turístico.
Segundo Marcelo, que também é morador do Belvedere, ao leiloar a área e construir a rodovia, as instituições políticas estão de encontro com o desejo dos cidadãos, algo preocupante, pois a ação impactará diretamente essas pessoas.
“A discussão não está levando em consideração a comunidade, sendo resolvida de uma forma bastante obscura. Esperamos que isso possa ser abertamente discutido, pois levamos todos os problemas que envolvem essa área, no quesito legal e ambiental. Além disso, queremos que os órgãos governamentais possam agir em benefício da sociedade e não derrubem as leis de preservação da área do Cercadinho”, expõe.
O engenheiro afirma que não é contra o desenvolvimento, mas o local não comporta o projeto idealizado pela iniciativa privada e algumas instituições políticas. “Ao pensar no planejamento urbano, podem ser criadas diversas alternativas. Por isso, não é preciso suprimir uma estação ecológica, uma ferrovia e uma área que já é utilizada pela comunidade, para solucionar o problema da mobilidade, criado ao longo dos anos e que não será resolvido dessa maneira”, argumenta.
Além do Parque Linear, os moradores criaram um projeto complementar que permite a utilização da ferrovia para ligar o Belvedere ao Inhotim, maior museu ao ar livre do mundo. “O projeto recuperaria os trilhos ferroviários que conectam BH à Brumadinho, resgatando o patrimônio ferroviário mineiro e as ligações que eram feitas na região metropolitana pelo subúrbio ferroviário, repassados, ao longo do tempo, para mineração”, explica Cláudia.
Segundo a coordenadora da Rede MetroDS, toda a cidade seria beneficiada, visto que o ramal ferroviário, esquecido pela prevalência da atividade mineradora, conecta o parque à região metropolitana em sua totalidade. "Além de Inhotim, a ferrovia passa pelo Belvedere, pela Cidade Industrial, por Confins, pela Estação Central e pelos municípios da Grande BH, como Sabará e Santa Luzia, sendo uma iniciativa que faria a porta de entrada para outra modalidade de transporte na cidade”, explica.