Para elas, a vida normalmente transborda de festas, fantasias e brincadeiras. No mundo lúdico, seria praticamente impossível imaginar que uma doença tão silenciosa quanto a COVID-19 fosse capaz de matar milhares de pessoas, afastar parentes e amigos e paralisar as aulas nas escolas. As crianças podem nem entender exatamente a gravidade da infecção viral, mas a chegada da vacina também foi sinônimo de esperança para elas. Na fila da imunização, estão sendo as últimas a receber a dose contra o coronavírus. Mas não as menos animadas.
Desinformação
Agora, é esse público, na faixa etária entre 5 e 11 anos, que dá o recado e representa a voz mais importante de apelo pela vacina: segura, eficaz e que deve ser aplicada em toda a população. Contudo, a imunização infantil não deixou de enfrentar polêmicas desde o começo da campanha, no mês passado, com boa parte de pais que não a têm considerado, diferentemente dos infectologistas, uma garantia de retorno à vida normal.
Em Minas Gerais, dados da Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG) indicam que 57,43% das crianças do público-alvo definido para imunização contra a COVID-19 receberam a primeira dose. Outros 3,85% tomaram a segunda dose. Ocorreram 101 mortes provocadas pela doença respiratória entre crianças com até 9 anos. Com cenário um pouco mais amplo, mas também aquém do esperado, Belo Horizonte tem 68,3% do público infantil de 193 mil imunizados, e 11 vidas foram perdidas para o vírus na faixa até 9 anos.
Todo o país vive problemas para agilizar o processo de vacinação infantil, uma vez que vários estados enfrentam falta de vacina ou estão com baixa adesão à campanha. Desde então, campanhas têm sido feitas pelos órgãos públicos e outras entidades.
Em BH, as crianças dão o exemplo e pedem urgentemente que os pais levem seus filhos aos postos de saúde. Para a família de Rafael Lanna, de 8 anos, a vacina representou o fim dos dias de agonia e medo. Como todos em casa, ele contraiu COVID-19 em janeiro e foi o único a ter sintomas mais graves, como febre, vômitos e falta de apetite. “Com a vacina, vou ter menos chance de pegar o vírus e menos sintomas”, comemora o garoto, que tomou a primeira dose na semana passada.
A mãe dele, a analista de sistemas Juliana Lanna Mendes, lamentou a demora para que o filho tivesse acesso à vacina. “O Rafael foi o único da família que não havia se vacinado. Logo, ele passou muito mal durante três dias. Se tivesse tomado a dose antes, não teria todos esses sintomas. Agora, a vacina é um alívio”, diz a mãe, Juliana Lanna.
Na casa de Sofia Torquato, de 5, o exemplo maior foi dado pela mãe, a médica Marina Resende. “Todas as crianças têm de se vacinar porque é muito importante para não pegar coronavírus”, afirmou a agitada Sofia, enquanto era vacinada. Para ela, o maior prazer é voltar à escola com segurança: “Agora, vou manter os cuidados e estudar”. Ciente de que fez a coisa certa, Marina vibrou quando a filha recebeu a dose de imunizante.
“Vi de perto inúmeras pessoas morrerem, jovens, conhecidos... A chegada da vacina foi um alívio sem tamanho. Todos aqui em casa já haviam recebido a dose e a Sofia me perguntou: 'Mamãe, não é justo, por que só eu que não fui vacinada?'. Eu me vacinei, meus pais também e por que não iríamos vacinar nossos filhos?”, questiona.
Desinformação
Manuela Mourão, de 8, fez brincadeira enquanto recebia a dose de imunizante contra a COVID-19. “Minha mãe sempre tem de me dar alguma coisa depois que eu recebo alguma vacina, senão eu choro. Pode ser uma coisa bem boba”, disse, sorridente. O conselho dela para as outras crianças é bem simples: “Vacinem. Dói, mas não é para chorar”.
O pai de Manuela, o produtor de eventos Marcus Mourão, faz análise bem crítica à postura antivacina de outros pais e responsáveis pelas crianças. “Antes de pensar em política ou qualquer outra razão que gere movimento contrário para vacinar os filhos, temos que olhar as pessoas que não tiveram oportunidade de vacinar e acabaram morrendo. Temos de pensar que as vacinas poderiam ter salvado muitas pessoas e deixar a desinformação de lado”.
Eduardo Fernandes, também de 8, festeja a agulhada no braço: “Vou comemorar e também falar para todo mundo que eu tomei a vacina. Não dói, é apenas uma picada e você nem vê. É rapidinho”. E a aplicação do imunizante em Eduardo poderia ter sido bem antes. “O Eduardo só se vacinou na faixa etária errada porque pegou COVID e tivemos de esperar 30 dias para que ele fosse vacinado. As notícias falsas que circulam acabam prejudicando a vacinação. As pessoas não procuram saber direito. Todos têm que se vacinar.”
Sair de casa
Várias crianças fazem planos com a vacinação. Manuela Borges afirma que vai poder sair mais de casa: “Com a vacina, vamos ajudar a acabar os casos no mundo. Tem tanto problema no mundo. Melhor acabar agora, né? Às vezes, fico querendo sair, mas meu pai me resguarda. É importante neste momento, apesar de ser chato”, diz a menina de 11 anos. Para quem pensa duas vezes ao tomar vacina, ela adverte: “Pegar COVID é bem pior que tomar a vacina”.
Depois de tomar a vacina, Pedro Emanuel, de 6, fez questão de afirmar que seguirá com as medidas de segurança contra a transmissão do coronavírus. “Vou continuar usando máscara e álcool”, conta. Em tom bem-humorado, o garoto faz apelo às crianças da escola onde estuda. “Elas têm de se vacinar para se proteger também. Não dói.” A mãe, a comerciante Valdirene Alves, admitiu que chegou a duvidar da vacina, mas mudou de ideia. “Fiquei um pouco insegura, porque tudo é muito novo ainda. Mas é claro que sou a favor da vacina, porque temos de proteger nossas crianças. Ficamos com medo de que elas adoeçam e depois ficar com a consciência pesada. Até conheço muitas pessoas que não se vacinaram e acho um absurdo.”