“Essas pragas estão cada dia mais comuns! É viado!” Essas teriam sido as ofensas ouvidas por uma mulher transexual de 29 anos, em Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, ao passar em frente a um bar na Rua São Mateus, na Região Central da cidade, no fim da tarde de quinta-feira (24/3). Em contato com a reportagem nesta sexta-feira (25/3), a vítima, que optou por não se identificar, diz que foi atendida de forma muito ríspida quando acionou o 190.
Conforme a vítima, dois homens estavam dentro do estabelecimento ocupando uma mesa e, quando a viram, um deles proferiu as injúrias. “Não identifiquei qual deles falou, mas voltei lá com a intenção de incomodar”, inicia.
“Um dos homens, então, levantou da cadeira pra falar comigo e disse que não tinha preconceito e até já tinha feito programa com travesti. Então respondi que isso não servia como justificativa. Aí, ele retrucou dizendo que eu teria que brigar com o mundo todo então, dando a entender que eu não deveria ligar para isso”, conta a vítima ao Estado de Minas.
Em desabafo, a mulher acrescenta que as situações de transfobia são diárias. “Isso virou rotina na minha vida e, por isso, sempre saio de fone de ouvido de casa para não escutar as ofensas. Só que ontem, quando fui ofendida, meu celular estava descarregado, e eu não estava ouvindo música como de costume. Daí, acabei escutando o que falaram quando passei na calçada em frente ao bar”.
Vítima relata mau atendimento da PM
Durante a entrevista ao Estado de Minas, a vítima conta também que sentiu uma má vontade do policial no decorrer de toda a ligação para o 190. “Tive a impressão de que ele estava tentando me desestimular a denunciar o caso. Inicialmente, ele me perguntou se eu tinha testemunha. Falei que, talvez, o dono do bar pudesse falar. Então, o policial disse que, caso o homem desse uma versão diferente, eu poderia ser responsabilizada por uma denúncia caluniosa e até presa”, conta.
“O policial também disse que não era uma situação de flagrante e questionou se eu sabia o significado dessa palavra, orientando-me a procurar no Google caso não soubesse. O tom de voz era ríspido a todo momento”, afirma a mulher, acrescentando que, em um primeiro momento, ela desistiu de prosseguir com o registro da ocorrência por telefone. Porém, no mesmo dia, ela compareceu à Base de Segurança Comunitária do Bairro Ipiranga, na Zona Sul da cidade, onde formalizou a denúncia de injúria.
Procurada pelo Estado de Minas, a Polícia Militar não se pronunciou sobre o caso até o fechamento da reportagem. Caso a autoridade policial deseje se manifestar, o espaço segue aberto.
Transfobia e injúria transfóbica: entenda a diferença
Conforme explica o advogado voluntário do Centro de Referência LGBTQIA+ da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Júlio Mota de Oliveira, a transfobia ocorre quando há ofensa à coletividade ou a um grupo de pessoas transexuais em decorrência de sua identidade de gênero.
“Já a injúria transfóbica é classificada como uma ofensa à dignidade de um indivíduo com o objetivo de depreciá-lo por conta da identidade de gênero”, explica Júlio, lembrando as alterações recentes na legislação para a tipificação dos crimes.
“A partir de um habeas corpus julgado pelo STF, em outubro de 2021, a injúria racial passou a ser – assim como o racismo e a transfobia – imprescritível e inafiançável. E, de acordo com a ministra Cármen Lúcia, nos casos de injúria racial, a vítima não é apenas a pessoa ofendida, mas toda a humanidade”, finaliza.