Valorização das tradições religiosas, reconhecimento do patrimônio cultural e destaque importante para a história da capital. O Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município de Belo Horizonte (CDPCM-BH) aprovou o registro provisório do Território do Largo do Rosário como patrimônio cultural imaterial da cidade. O Largo do Rosário é o nome usado para designar a Igreja do Rosário e seu adro, com um cemitério com 60 sepulturas.
Construído pela Irmandade do Rosário dos Homens Pretos, o cemitério entrou em funcionamento em 1811, enquanto a igreja foi inaugurada em 1819, no antigo arraial de Curral del-Rei – o Largo do Rosário foi destruído durante a construção da nova capital, inaugurada em 12 de dezembro de 1897. De acordo com os estudos que subsidiaram o dossiê, o largo ficava no trecho situado onde atualmente estão as ruas da Bahia, Aimorés, Espírito Santo e Avenida Álvares Cabral, no Bairro Lourdes, na Região Centro-Sul. A aprovação ocorreu na quarta-feira (30/3), durante a 319ª Sessão Ordinária do conselho.
Em nota divulgada pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), a secretária municipal de Cultura e presidente interina da Fundação Municipal de Cultura, Fabíola Moulin, diz que o reconhecimento faz uma reparação histórica à memória da população negra da cidade. “O registro do Largo do Rosário como patrimônio cultural imaterial atende a uma reivindicação histórica dos movimentos afro-brasileiros na busca pelo resgate de sua memória. Esse resgate simbólico fortalece uma referência identitária da população negra da cidade, criando referências materiais para anunciar a existência do Largo do Rosário como um espaço de acolhimento de celebrações, eventos e ações educativas, entre outras, relacionadas à comunidade afro-brasileira belo-horizontina”.
O registro representa “uma conquista”, ressalta Makota Kidoialê, uma das lideranças do Quilombo Manzo, no Bairro Paraíso, na Região Leste da capital. “Mesmo ocupada hoje por prédios, essa área de BH guarda uma história que não foi contada e, que agora, pode ser revelada aos mineiros. São memórias, construção de identidades, algo invisível a ser respeitado.” O Quilombo Manzo, que tem à frente Efigênia Maria da Conceição, a Mãe Efigênia, de 76 anos, foi reconhecido pela Fundação Palmares em 2017 e merecedor do título de patrimônio Cultural de Minas em 2018.
TOMBAMENTO
Em agosto de 2021, o CDPCM-BH analisou e aprovou o pedido de abertura do processo de Registro do Território do Largo do Rosário como Patrimônio Cultural Imaterial, durante sua 312ª Sessão Ordinária. Dessa forma, a Diretoria de Patrimônio Cultural e Arquivo Público da Fundação Municipal de Cultura iniciou os estudos para avaliar a viabilidade técnica de se conferir o título a esse bem. A partir deles, foi feito um dossiê com uma síntese dos estudos e levantamentos necessários, concluindo-se pela viabilidade técnica desta titulação.
Conforme nota da PBH, os conselheiros, a partir da avaliação do dossiê, fizeram a votação com o parecer favorável ao reconhecimento. Assim, o largo recebeu o registro provisório, e decorrido o prazo regimental de 15 dias após a publicação da decisão dos conselheiros no Diário Oficial do Município (DOM), e não havendo recursos contrários à decisão, o bem receberá o título permanente.
HISTÓRIA
Segundo as pesquisas divulgadas pela Fundação Municipal de Cultura/PBH, o Largo do Rosário é o nome dado ao espaço em que se situavam a Igreja do Rosário (inaugurada em 1819) e seu cemitério (inaugurado em 1811), construídos pela Irmandade do Rosário dos Homens Pretos, em Curral del-Rei. As irmandades eram associações religiosas de leigos marcadas pelo laço de solidariedade entre os integrantes para atender às necessidades no campo terreno e espiritual. Especificamente, as irmandades de homens pretos eram alternativas encontradas pelos negros, excluídos das irmandades de brancos, que construíam suas próprias associações dedicadas aos santos de sua devoção (São Benedito, Santa Efigênia, Nossa Senhora do Rosário) com a edificação de igrejas, cemitérios, festas e celebrações.
Durante a construção de BH, todos os imóveis que ficavam dentro dos limites da Avenida 17 de Dezembro (atual Avenida do Contorno) foram demolidos para dar espaço a novas edificações. À época, a elite dirigente do estado pretendia construir uma capital moderna, semelhante a Paris e Washington, e apagar a memória dos períodos colonial e imperial brasileiro. A planta da cidade, assinada pelo engenheiro Aarão Reis (1853-1936), representava esse ideal e não previa local para assentamento da massa de trabalhadores, composta em sua maioria por negros e imigrantes europeus.
Diz um trecho da pesquisa: “Excluindo a população negra, principalmente, a área urbana da nova capital foi planejada com o objetivo de receber o aparato burocrático-administrativo do governo e os funcionários públicos, vindos de Ouro Preto (ex-capital). Com a proibição dos sepultamentos no entorno das igrejas, acrescida da demolição da capela e do Cemitério do Rosário, os corpos no cemitério da Irmandade do Rosário dos Homens Pretos não foram exumados e trasladados para o novo cemitério municipal (atual Cemitério do Bonfim)”.
Para substituir a Igreja do Rosário, um templo foi erguido na esquina da Avenida Amazonas com as ruas São Paulo e Tamoios, no Centro da cidade. Inaugurado em 1897, passou ao controle e propriedade da Arquidiocese de Belo Horizonte.
“A demolição do templo e a destruição do cemitério são fatos históricos denunciados por lideranças afro-brasileiras, que buscam, há anos, reconstituir e resgatar as memórias da população negra belo-horizontina. Assim, a titulação do bem representa uma importante contribuição para o direito à memória da comunidade afro-brasileira de Belo Horizonte e dos munícipes em geral, uma vez que todos têm o direito de conhecer a história da cidade com toda a sua diversidade”, afirma a nota da PBH.
Enquanto isso...
Uberaba busca título para o espiritismo
A Fundação Cultural de Uberaba (FCU), por meio do Departamento de Patrimônio Histórico, iniciou nesta semana o Inventário de Proteção do Acervo Cultural (Ipac) das instituições religiosas do espiritismo kardecista, na modalidade "celebração e ritos", que existem na cidade. Segundo informações da FCU, em seguida, será preparado um dossiê (coleção de documentos) para que assim seja possível o registro do espiritismo como patrimônio cultural imaterial do município. "Os centros de Uberaba que tiverem interesse em participar do Ipac podem entrar em contato pelo
telefone 3331-9216, das 9h às 17h, ou pelo e-mail secaodegestao.fcu@gmail.com", ressaltou nota da FCU. O coordenador do projeto, o historiador Gustavo Vaz, explica que a FCU começou a fazer as fichas de inventário com todos os dados históricos dos centros, os quais serão remetidos ao Instituto Estadual de Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha). Nascido em Pedro Leopoldo, o médium Francisco Cândido Xavier, mais conhecido como Chico Xavier, que divulgou o espiritismo no Brasil, viveu em Uberaba de 5 de janeiro de 1959 até 30 de junho de 2002, quando morreu.