Belo Horizonte inicia uma nova gestão com a posse do prefeito Fuad Noman e, embora a tendência seja de continuidade da gestão Alexandre Kalil, a mudança não deixa de representar novo ciclo, com novos projetos em dois anos e nove meses de uma cidade em constante mutação. Mas, para uma capital de 124 anos, e que há 120 mudou de nome – até agosto de 1901 se chamava Cidade de Minas –, tão grande quanto a expectativa pelo futuro costuma ser a saudade de um passado que ficou grudado na memória e no coração. A pracinha com cascata bem no Centro da cidade, o sabor inesquecível de um pastel, o movimento dos bondes nas ruas. Na hora do almoço, carne de jacaré – isso mesmo! – e, depois do passeio na Feira Hippie, um sorvete em forma de botão de rosas... Mas tinha também a balada na Baturité, as compras no Pep’s, o encontro com os amigos no café da Praça Sete, a tranquilidade do carnaval de outros tempos... Na memória dos belo-horizontinos com mais tempo de janela, o que não falta é história. E momentos para sentir saudade. O Estado de Minas ouviu alguns deles para saber qual pedaço da capital de outros tempos lhe faz mais falta na BH do presente – e nos planos para o futuro.
“Falar de alguns lugares, sabores e situações é lembrar também da nossa juventude”, diz a secretária Cristina Torres, moradora do Bairro Palmares, na Região Nordeste. Se recordar é viver, belo-horizontinos que trabalham há décadas na Região Central vivem como testemunhas das constantes transformações urbanas. Sócio do Café Nice, ponto tradicional fundado em 1939, Tadeu Moura Caldeira se orgulha de ser um “florestano” – como define o filho de BH nascido, criado e residente no Bairro Floresta. “Lembro-me dos bondes, dos fícus que foram cortados, de restaurantes famosos, como o Monjolo’s, e de construções mais distantes do Centro da cidade, entre elas o Matadouro, no Bairro São Paulo”, conta Tadeu, que mantém o hábito de se encontrar com amigos.
Segue o mundo e vêm à tona o aroma de pratos inesquecíveis saboreados, o som das pistas de tantos ritmos, a lembrança de lojas que saíram do mapa. Os sábios avisam: não se trata de nostalgia – nada disso –, mas de lembranças companheiras que aguçam os cinco sentidos e representam uma ponte entre passado e presente e uma bússola para o futuro. A vida passa como um filme, mas em novo endereço. “Hoje, cinema de rua acabou, com raras exceções. Tenho saudade do Cine Acaiaca”, diz o modelo Helbert Marçal, de 40, o “caçula” da turma de moradores entrevistada pelo Estado de Minas. Confira o xodó de cada um neste álbum de memórias da capital.
ÁLBUM DA MEMÓRIA
COMIDA EXÓTICA
“Sabe de um lugar de que tenho saudade em Belo Horizonte? Do Restaurante Tavares, nas imediações do Mercado Central, que tinha comida exótica. Lá, comi carne de jacaré, de rã e de outros animais, embora servissem pratos bem mineiros, como um delicioso frango ao molho pardo. Com os tempos ecologicamente corretos, as carnes exóticas sumiram de circulação. Sinto falta também dos passeios no Parque Municipal, mas, felizmente, esse ainda está aí para quem quiser.”
Marlon Botelho, de 62 anos, taxista, morador do Bairro Caiçara, na Região Noroeste
DESFILE NA AFONSO PENA
“Considero segurança fundamental, por isso sinto falta dela em todos os momentos, principalmente no carnaval. Minha grande saudade é da folia na Avenida Afonso Pena, com os desfiles das escolas de samba, as arquibancadas, um clima bem legal. Na minha infância, íamos assistir aos desfiles, em família, e não me esqueço da Unidos do Guarani, muito animada. Hoje é muita gente no Centro da Cidade, confusão, tudo bem diferente de outras épocas. Tranquilidade faz falta.”
Cirmária Ferreira, de 48, babá, moradora do Bairro Serra, na Região Centro-Sul
GRANDES CINEMAS
“Impossível falar das boas lembranças de BH sem citar o antigo Cine Palladium, na Rua Rio de Janeiro, no Centro. Era um cinema grande, com poltronas muito confortáveis, som ótimo. Um filme do qual não me esqueço, e que passou naquela tela enorme, é ‘Laranja Mecânica’. Excelente! Quando a gente queria um filme mais de arte, ia ao Pathé, que já não existe mais e ficava na Avenida Cristóvão Colombo, na Savassi. Lembro-me também do Cine Roxy, na Avenida Augusto de Lima, e do Royal, na Afonso Pena.”
Jacinto Guimarães, 62, engenheiro, morador do Bairro Lourdes, na Região Centro-Sul
SORVETE DE ROSAS
“Quando a Feira Hippie funcionava na Praça da Liberdade, eu tinha um programa certo: depois de passear por ali, vendo o artesanato, ia ao Xodó (lanchonete) para tomar um sorvete em forma de botão de rosa. As bolas geladas eram colocadas na casquinha e depois mergulhadas numa calda de chocolate. O milk-shake também era delicioso. Tinha uma loja, em outro bairro, a Docinhos Porq, que ainda dá água na boca
só de lembrar”
Maurizia Lopes, 58, aposentada, moradora do Bairro Lourdes, na Região Centro-Sul
PRAÇA COM CASCATA
“Trabalho há 53 anos no Centro, então vi as grandes transformações na região, que frequento desde criança. Sou um ‘florestano”, nascido e criado no Bairro Floresta. Lembro-me dos fícus da Avenida Afonso Pena (centenas de árvores cortadas em 1963), dos bondes, de prédios que não existem mais. Está na memória a pracinha, com vegetação, bancos e queda-d’água, que havia sobre uma agência bancária na Rua Espírito Santo com Carijós, no quarteirão fechado da Praça Sete, onde foi construído um prédio. De outras partes de BH, lembro-me do antigo Matadouro (Bairro São Paulo).”
Tadeu Moura Caldeira, de 69, sócio do Café Nice (fundado em 1939), e morador do Bairro Floresta, na Região Centro-Sul
FILMES DE MAZZAROPI
“Na Praça Sete, onde podemos ver hoje um edifício alto, havia a Papelaria Rex. Acho que sou das mais antigas cambistas em atividade no Centro. Estou desde 1965 no mesmo ponto, então não me esqueço de dois momentos: dos sanduíches de pão com mortadela e de pão com pernil na Padaria Boschi, que ficava na Rua Rio de Janeiro esquina com Tamoios, e de ver, na matinê de domingo, no Cine Brasil, os filmes estrelados por Mazzaropi (1912-1981). Lembro-me também do abrigo de bondes na Afonso Pena. Meus tios trabalhavam como engraxates e eu levava o almoço para eles”.
Ivone Soares da Silva, de 71, vendedora de bilhetes de loteria e moradora do Bairro Horto, na Região Leste
PROCISSÕES E COMPRAS
“Tenho saudade das procissões em Belo Horizonte, que saíam da Igreja Boa Viagem (atual Santuário Arquidiocesano da Santíssima Eucaristia) e passavam pela Praça Floriano Peixoto, no Bairro Santa Efigênia. No andor, ia a imagem da nossa padroeira, Nossa Senhora da Boa Viagem, celebrada em 15 de agosto. Gostava muito de ir às missas na Igreja Santa Efigênia dos Militares. Puxando pela memória, recordo-me de lojas que saíram do mapa, uma delas a Sears.”
Sandra Maria da Silva, de 64, viúva, aposentada e moradora do Bairro São Gabriel, na Região Norte
MODA QUE RODA
“Dá saudade ao lembrar de lojas de BH que saíram do mercado. Havia o Pep’s, que parecia um shopping, na Rua da Bahia, a Luder, de roupas, em vários endereços, e muitas outras. Gostava muito de comer no Rei do Kibe e no antigo Restaurante Caneco, esse na Rua São Paulo. Trabalhei cinco décadas no Centro, tive banca de revista durante 40 anos, na Rua São Paulo, então conheci dois tempos de Belo Horizonte. Sou testemunha do crescimento da cidade. Hoje, saio
muito pouco”.
Júlio Miranda Reis, de 68, aposentado, morador do Bairro São Salvador, na Região Noroeste
CAFÉ DA INFÂNCIA
“A cidade cresceu, mudou muito e alguns hábitos desapareceram. Quando criança, gostava de ir com meu pai aos cafés no Centro de BH e a alguns bares, onde amigos se reuniam sempre. Não vejo muito isso mais, não! Ainda gosto de andar aqui pela Praça Sete, tomar meu café, encontrar um amigo. Desapareceram também os grandes cinemas de rua, a exemplo do Cine Acaiaca. Hoje, a maioria dos filmes está em cartaz nos shopping centers.”
Helbert Marçal, 40, modelo, nascido, criado e residente no Bairro Santa Tereza, na Região Leste
BALADA E PASTEL
“Falar sobre alguns lugares, sabores ou situações que não existem mais é lembrar também um pouco da nossa juventude. No Bairro Cidade Nova, perto da Feira dos Produtores (Região Nordeste), fez sucesso nos anos 1980-90 a boate Baturité. Fui lá algumas vezes, mas, para falar a verdade, gostava mesmo é do pastel napolitano, vendido numa loja (Soft Pastel) no térreo do prédio onde funcionava a casa noturna. Sabe desses sabores que te acompanham a vida inteira? Pois esse é assim...”
Cristina Torres, de 57, secretária, moradora do Bairro Palmares, na Região Nordeste