São três décadas de casa, dos quais praticamente um terço delas passada num dos prédios mais importantes do câmpus Pampulha. Na reitoria, à frente da maior universidade do estado e da melhor federal do país, a professora Sandra Goulart Almeida faz história. Depois de exercer o cargo de vice-reitora de 2014 a 2018 e de reitora nos quatro anos seguintes, ela é a primeira dirigente a ser reeleita para comandar a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A cerimônia de recondução ao cargo ocorre amanhã (8/4), quando ela dará posse ao seu vice, Alessandro Fernandes Moreira, da Escola de Engenharia. Em entrevista exclusiva ao Estado de Minas, ela conta que os dois responderam a um pedido da comunidade acadêmica para permanecer em seus postos. Num contexto de pandemia, no qual tudo se mostrou diferente do que sempre foi e os desafios nunca estiveram tão presentes, a segurança da continuidade venceu a tradição de mudança de gestões. Enfrentar os problemas que a pandemia exacerbou e fazer uma universidade plural, diversa, inclusiva e de qualidade estão no centro das ações dos próximos quatro anos. “Uma universidade pública de referência para o país, o estado e nossa cidade tem que ser ao mesmo tempo de qualidade, de referência e que cuida da inclusão”, destaca a reitora.
Que balanço a senhora faz da gestão que se encerra?
É a primeira vez que a UFMG tem uma reeleição. Não temos essa tradição, mas houve demanda da nossa comunidade para que nos apresentássemos, tendo em vista uma série de questões. Uma delas foi a pandemia que, querendo ou não, impactou nossa condução da universidade. Durante dois anos não pudemos fazer o que faríamos em tempos ditos normais. Houve o pedido para que continuássemos à frente, visto a maneira responsável e muito cuidadosa que tivemos nesse período. Conseguimos manter a comunidade unida. A eleição ocorreu ano passado, sob efeito ainda forte (da pandemia). Não houve outra chapa candidata, tivemos 95% dos votos da comunidade e do colégio eleitoral. Votam alunos, servidores e professores e, pela lei, o voto dos docentes tem 70% de peso. Foi feita consulta interna da comunidade e o colégio eleitoral, composto pelos órgãos superiores da universidade (reunião dos conselhos universitário; de ensino, pesquisa e extensão; e curador), ratificou e encaminhou a lista tríplice para aprovação do ministro da Educação e do presidente da República. A consulta é opcional, o que vale é a lista tríplice decidida pelo colégio eleitoral. Como a nossa foi chapa única, ele indicou dois nomes para compô-la e, assim, fazer cumprir a lei.
A senhora e o vice-reitor estão fazendo história...
De fato, é a primeira vez que isso ocorre. E digamos que é um momento de excepcionalidade, bem como a nossa candidatura. A nova gestão se reveste e está inserida nesse contexto. Num momento de incerteza, a continuidade traz segurança. Normalmente, a transição de gestão é desejável, mas leva tempo e dedicação. Em tempos excepcionais, devemos pensar em alternativas excepcionais. Todos estivemos coesos e na busca de soluções por meio do ensino remoto e híbrido. A universidade precisou se unir face à crise. Agora que começamos a vislumbrar algumas saídas desse momento difícil, é importante nos mantermos unidos e trabalhar com coesão. A continuidade favorece esse espírito daqui pra frente, até podermos dizer que ultrapassamos esse período difícil da humanidade.
E o que vem pela frente?
Quando nos apresentamos há quatro anos, uma questão nos era muito cara: a universidade pública e diversa. Destacar a universidade que está à disposição da sociedade, interage e a escuta. Fizemos esse exercício ao longo dos quatro anos e a pandemia favoreceu a interlocução da universidade com o poder público, seja municipal, estadual ou federal. Dizia-se que a universidade ficava numa torre de marfim. Ficou claro que a sociedade de fato a detém. Ela é pública e diversa. A UFMG é uma das maiores, considerada a melhor federal e tem característica singular: é a única instituição que tem em seu bojo todas as áreas de conhecimento; é boa, de referência. Isso requer políticas institucionais e acadêmicas que sejam diversas, o que queremos carregar para a nova gestão. Uma universidade pública de referência para o país, o estado e nossa cidade tem que ser ao mesmo tempo de qualidade, de referência e que cuida da inclusão. Sendo só de qualidade, somente atenderia um grupo reduzido de pessoas que terá acesso à educação. Queremos pensar nessa universidade pública, diversa, de qualidade e plural na sua concepção.
O que não pôde ser feito e que agora será possível concretizar?
Não avançamos em muitas questões, porque tivemos de atuar em outras frentes que também foram importantes. Uma questão central era pensar no papel da universidade no contexto da inovação: social, curricular (que é urgente) e tecnológica. Já que somos a melhor federal, temos papel central no estado, temos de pensar de forma inovadora e isso implica uma gama de relações a serem estabelecidas. No social, devemos estar mais próximos dos movimentos sociais, da sociedade como um todo e fazendo interlocução entre vários setores. No curricular, se formar unicamente para exercer uma profissão não é suficiente. Para o futuro, o aluno precisa ter conhecimento transdisciplinar. Queríamos ter desenvolvido mais e isso está no nosso norte, para que nossos cursos possam oferecer perspectiva mais ampla. Na inovação tecnológica, avançar ainda mais nossa relação com empresas, transferência de tecnologia e depósito de patentes, aspecto no qual somos referência nacional. Queremos consolidar e expandir. A UFMG melhorou muito a relação com empresas, mas temos ainda que avançar muito, dialogar e fazer com que a pesquisa de ponta tecnológica seja transferida.
O preconceito que havia de alguns acadêmicos em relação à aproximação com empresas acabou se quebrando durante a pandemia?
Havia preconceito dos dois lados. Empresas também tinham a preconcepção de uma universidade morosa. Pudemos avançar nesse relacionamento e nessa sinergia, que são necessários, mas precisa haver também legislação que nos apoie nessa movimentação.
Numa universidade diversa, qual o peso da inclusão?
Enquanto universidade de qualidade inclusiva, a pandemia nos trouxe outros desafios que não pensávamos. Se queremos uma sociedade menos desigual, a educação superior faz diferença na mobilidade social. O Brasil é o país no qual o ensino superior tem mais impacto na vida das pessoas, segundo estudo recente. É imprescindível a democratização do acesso – apenas 20% dos jovens de 18 a 24 anos estão na graduação. Mas, apenas deixar estudantes de classes menos favorecida entrarem não adianta, porque, muitas vezes, não conseguem ficar. A inclusão é no sentido de garantir a permanência. Percebemos também nesse período particular a existência de uma exclusão digital enorme no país. Para a UFMG iniciar a educação por meio remoto, tivemos que dar apoio a essa inclusão digital: emprestar computadores, ajudar na aquisição de chips. Os estudantes tinham acesso a computadores e wi-fi quando estavam no câmpus. Em casa, muitos tinham, quando muito, um celular que não permite estudo remoto adequado. A pandemia mostrou gargalo enorme e reforçou a necessidade de políticas para garantir a permanência dessas pessoas e lhes dar a chance de concluírem sua graduação.
E quem diz políticas diz também orçamento...
Houve mudanças significativas nos últimos 13 anos, com o Reuni e a Lei das Cotas. A UFMG hoje está maior em termos de número de estudantes e de espaço físico. Estamos melhores, ela é a melhor em todos os critérios, somos a quinta melhor na América Latina, a melhor instituição em ensino segundo o Inep, melhor em depósito de patentes, inovação e transferência de tecnologia, uma das melhores pós-graduação e em empreendedorismo. E estamos mais inclusivos. No entanto, temos um orçamento de volta ao patamar de 10 anos atrás. A conta não fecha. Se queremos pensar em um país desenvolvido temos de pensar num país que invista em educação. Educação básica não se opõe à superior, até porque cabe a nós formar os quadros da educação básica.