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Estado de Minas CRUZANDO O ATLÂNTICO

Tragédia de Mariana: duas histórias separadas por 10 mil quilômetros

Inglês que vivia em Minas está entre atingidos pelo desastre com barragem que sonham com indenização justa em ação internacional


10/04/2022 04:00 - atualizado 10/04/2022 11:03

Edertone José da Silva
Edertone admira o Tâmisa, em Londres, e lembra da vida à beira do Rio Doce antes do desastre (foto: Divulgação)

Londres –
Mais de 10 mil quilômetros separam dois atigidos pelo rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, desiludidos com a Justiça brasileira e que depositam suas esperanças em julgamento de ação indenizatória no Reino Unido.

Um areieiro de Governador Valadares e um cidadão inglês que vivia na mesma cidade, no Vale do Rio Doce, quando ocorreu o desastre, aguardam para saber, após uma semana de audiências, se as cortes do Reino Unido permitirão o julgamento do processo por indenizações que, enfim, permita uma reparação justa aos antigidos.

Eles integram o grupo de mais 200 mil atingidos que tiveram suas vidas devastadas pelo rompimento, representados pelo escritório internacional PGMBM contra a empresa anglo-australiana BHP Billiton, que, ao lado da Vale, controla a mineradora Samarco, operadora do barramento.

Após o rompimento, em 5 de novembro de 2015, os dois se viram sem opções quando o Rio Doce, que era fonte de renda para suas famílias, acabou tomado pelos rejeitos de minério de ferro. “Meu futuro era a extração de areia. Tinha licença e seria algo para a minha aposentadoria. O rejeito cobriu tudo com camadas de até quatro metros de altura em cima da areia”, afirma o empresário Edertone José da Silva, de 54 anos.

O inglês Jonathan Knowles, de 57, morou por mais de seis anos em Governador Valadares, com a mulher e o filho brasileiros, onde desenvolveu uma válvula para remover o ar do encanamento e permitir maior economia na conta de água. Com a poluição do rio e as suspensões de captações, o negócio dele foi a zero.

Conhecedor da realidade da Justiça brasileira e a da Inglaterra, ele é categórico: "No Brasil, não vejo chances de um atingido receber uma indenização justa. Não recebi nada até hoje. Não confio na Justiça do Brasil. Se ficasse lá, esperando, não ia receber nada.

As decisões sempre passam de um juiz para o outro, as empresas (mineradoras) conseguem formas de não pagar, conseguem liminares e, no fim, quando fosse receber algo, eu já estaria morto", afirma Jonathan, que vive atualmente em Yorkshire, no Norte da Inglaterra.

Edertone foi até a Inglaterra acompanhar o julgamento que terminou na última sexta-feira e protestar nas ruas de Londres para tentar sensibilizar a Justiça do Reino Unido no sentido de acatar o processo. “Sem a areia do Rio Doce, recorri a empréstimos, me desfiz de bens, um caminhão e uma das duas máquinas que tinha.” Ele empregava 16 pessoas e agora paralisou as atividades. “Venho tentando outros ramos, construindo e vendendo casas, mas é muito inferior ao que era antes”, conta o areieiro.

Jonathan se mudou para Governador Valadares para morar com a mulher, Sheila, e lá ter o seu filho, Enzo. Durante o tempo em que esteve por lá, se encantou pela cidade do Leste de Minas. "Uma cidade diferente de qualquer coisa que eu já tinha visto antes, as pessoas, o jeito de viver. Logo gostei muito e vivi lá por seis anos e 10 meses".

A aceitação pela família da mulher foi natural e a vida transcorreu tranquila para Jonathan, que ainda tinha uma aprazível visão do Rio Doce correndo abaixo de sua casa e a abastecendo com suas águas. "Toda sexta-feira, a gente fazia churrasco. Os amigos e familiares nos visitavam e a gente ouvia músicas da década de 1980. A Sheila gostava muito de dançar e a gente desfrutava da vida. No fim de semana, visitava os pais dela. Era rotina normal", recorda, saudoso.

Hoje, Jonathan mora em um quarto alugado em uma casa e trabalha diariamente em fábrica de abastecimento de cenouras e cebolas para uma rede de supermercados. A mulher e o filho não puderam morar junto dele e estão em um imóvel custeado pelo governo do Reino Unido.
 
 Jonathan Knowles
Johnathan voltou para a Inglaterra com a mulher e o filho brasileiros (foto: Álbum de família )
 

MUDANÇA DE RUMO

A esperança dele é obter uma indenização justa da BHP Billiton no processo do Reino Unido, mas não pretende mais voltar ao Brasil. "Não tenho mais idade para começar tudo de novo. Quero alguma dignidade para seguir com a vida na Inglaterra mesmo. Tenho muita pena de quem ficou no Brasil. Acho que essas pessoas vão ter problemas de saúde por causa da poluição do rio, da pobreza que isso gerou, muitos vão morrer ou sofrer muito antes de receber alguma indenização no Brasil", afirma.

Para ele, a necessidade de justiça é clara e não há dúvidas sobre quem são os culpados pelo desastre. "Claro que as mineradoras são culpadas. Sabiam da instabilidade (da Barragem do Fundão) e não fizeram nada. Não foi acidente, as companhias tinham conhecimento. E a prova maior é que aconteceu de novo", afirma o inglês.

Já para Ederton, sua mulher e as três filhas, o Rio Doce nunca foi só uma fonte de renda. “Moro na beira do rio. Tinha barco, lancha. Sempre me banhei no Doce e a minha família também. Era gostoso demais, com pé de manga, acerola, taioba, couve. Tinha macaquinhos, passarinhos e peixe para pescar. Vi tudo isso morrer”, lamenta. A ação da Inglaterra, para ele, pode ser mais rápida. “Já se passaram quase 7 anos e nada de justiça. No Brasil, o tempo fala por si só, não dá para dizer que ninguém não foi paciente”, disse.
 
Os advogados Pedro Martins e Tomás Mousinho
Os advogados Pedro Martins e Tomás Mousinho (ao centro) na saída da corte: confiança na aceitação do processo pela Justiça britânica (foto: Divulgação)
 

Processo em fase de apelação


Iniciada em 2018, a ação do escritório PGMBM representa os atingidos contra a BHP Billiton e se encontra na fase de apelação, pois a primeira instância havia indeferido a continuidade do processo, em 2020.

A expectativa é de que, nas próximas semanas, saia um veredito sobre a continuidade ou não da ação, uma decisão que pode ser ainda contestada pelo lado perdedor na Suprema Corte.

“A decisão leva algum tempo para ser conhecida, porque os três juízes precisam fundamentar todos os pontos que levaram à sua decisão”, explica um dos sócios do escritório, o advogado Tomás Mousinho.

“Estamos confiantes de que vamos reverter a decisão anterior, que havia negado a jurisdição inglesa, e agora o caso deve seguir para a fase de mérito. Nesses cinco dias de audiência conseguimos responder a todas as perguntas dos juízes do Tribunal de Apelação inglês. Argumentamos que a decisão anterior havia sido equivocada e explicamos por que as cortes inglesas devem, sim, aceitar a jurisdição e permitir que o caso prossiga”, disse Pedro Martins, advogado sócio do PGMBM.

A BHP Brasil informou estar comprometida em apoiar os esforços de remediação em andamento no Brasil. “Os sistemas de reparação e compensação administrados pela Fundação Renova e supervisionados pela Justiça brasileira são os meios adequados para indivíduos e comunidades apresentarem suas reivindicações e obter reparação. Para 2022, a Renova anunciou um novo orçamento, de R$ 10,4 bilhões – um aumento de mais de 20% em relação a 2021. No final deste ano, aproximadamente R$ 30 bilhões terão sido desembolsados em reparações e compensações para os impactados pelo rompimento da barragem”, informou a empresa.

“A posição da BHP tem sido e continua sendo de que o processo movido não deve prosseguir no Reino Unido, pois duplica questões que já são cobertas pelos trabalhos de reparação em andamento, por decisões judiciais dos tribunais brasileiros ou são objeto de processos judiciais em curso no Brasil. Em novembro de 2020, a High Court inglesa concordou com os argumentos e extinguiu o caso por abuso processual”. 


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