Atrasos, superlotação, desconforto, falta de veículos e, para completar, a greve do metrô. Foi nesse cenário que os usuários de ônibus de Belo Horizonte receberam, na última terça-feira (5), a notícia de que a Justiça determinou o aumento da passagem, que pode subir até 30%. O Estado de Minas foi até estações movimentadas da capital para entender como os moradores enfrentam as dificuldades no transporte público e se organizam para lidar com uma eventual tarifa mais cara. A refeitura diz que vai recorrer para evitar a alta.
“O aumento é um absurdo. Caro demais, gente. Não tem nem ônibus na linha. A gente fica esse tempo todo esperando ônibus. Se pelo menos pagasse um valor que justificasse, se houvesse mais ônibus na linha, se fosse mais rápido e a gente viajasse sentado… Aqui vou sentada porque pego o ônibus neste ponto, que é o primeiro do Centro, mas quando venho de manhã, todos os dias viajo em pé”, conta a cozinheira Cláudia Maria Borges, de 48 anos, usuária da linha 66 do Move.
A reação de Cláudia é a mesma de vários outros usuários ouvidos pela reportagem na estação do Move na Rua Carijós, Centro de BH. Quem precisa circular pela capital se vê no meio de um conflito que envolve a prefeitura, a Câmara Municipal e as empresas de ônibus, pelo menos desde o fim de 2021.
As empresas de ônibus cobram reajuste tarifário anual previsto no contrato assinado com o Executivo. O aumento não é dado pela administração da cidade desde 2018, quando o valor principal da passagem chegou ao atual patamar, de R$ 4,50.
Como forma de resolver a questão, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) propôs pagar um subsídio que cobre o prejuízo das concessionárias com as gratuidades previstas em lei, como para idosos, funcionários dos Correios e pessoas com deficiência. Um Projeto de Lei que previa uma redução de R$ 0,20 na passagem foi enviado à Câmara em fevereiro, mas não foi votado e se tornou motivo de atrito entre Executivo e Legislativo.
Recém-empossado, o prefeito Fuad Noman (PSD) reenviou o projeto à Câmara como seu primeiro ato à frente da administração municipal, em 29 de março. No entanto, antes que o PL fosse ao plenário para votação, uma decisão judicial acatou pedido das empresas de ônibus e determinou que a passagem fosse reajustada. Nos cálculos das concessionárias, o valor deve chegar a R$ 5,85.
“Fiquei sabendo do aumento. Inclusive, acompanhei na estação um protesto dos usuários de transporte público. Apoio o protesto porque (o que se vê nos ônibus) é uma condição sub-humana. Duvido que algum dono de empresa esteja quebrado. Eles dizem que estão, mas a gente sabe que isso é mentira. Porque todo mundo aqui pagou o transporte e à vista, ninguém viajou fiado. Como que eles estão quebrados? Acho isso um absurdo, um desrespeito com o usuário do transporte público”, protestou a secretária Débora Silva de Oliveira, de 40, a bordo de um Move completamente lotado na linha 51.
A primeira reação da prefeitura foi sinalizar que cumpriria a medida judicial e elevaria o valor da passagem dentro do prazo previsto. Na quinta-feira (7), porém, após reunião com vereadores que formam um grupo de trabalho para avaliar a mobilidade urbana da capital, Fuad Noman declarou que vai recorrer da decisão.
Nesse contexto de indefinição, quem mora ou trabalha em BH e depende do transporte público já começa a fazer cálculos e a pensar em alternativas para evitar os impactos da possível alta no bolso. Eliminar viagens do cotidiano é uma das opções na lista, mas não necessariamente uma solução contra prejuízos.
Marlon Ferreira, de 23, que vende balas na bilheteria do Move da Rua Carijós está entre os passageiros que pensa em diminuir as viagens. “Se a passagem ficar mais cara, vai ser difícil até conseguir vender minhas balas. As vendas já diminuíram bastante. Estou pensando em vender lá no bairro (onde mora) mesmo, porque não tenho como vir todo dia para o Centro. Como é que vou repor minhas balas? Venho lá do Santa Mônica, pego um ônibus no bairro e na estação pego outro. Além disso, a bala também está mais cara”, explica o vendedor.
Oferta reduzida
No momento em que se planejam para driblar, se possível, o impacto da alta das passagens autorizadas pela Justiça, os passageiros seguem enfrentando oferta reduzida de veículos nos deslocamentos. O quadro de horários dos ônibus em Belo Horizonte já deveria ter sido normalizado desde o fim de 2021, quando o regime especial aplicado durante a pandemia foi revogado. No entanto, é ponto comum na reclamação dos usuários que as viagens estão reduzidas e fora dos horários previstos.
Dados da BHTrans atualizados até 25 de março mostram que o número de viagens realizadas durante todo o mês passado não superou os 70% do total observado antes da pandemia. Considerando o volume desde o início de 2022, a taxa média de viagens calculada entre as 359 linhas que circulam na capital permaneceu abaixo dos 80% em relação ao período pré-pandêmico.
Por outro lado, o número de passageiros ultrapassou a marca de 70% da demanda média de um dia útil pré-pandemia em todos os dias entre 3 e 25 de março. Os dados sinalizam um descompasso: o número de usuários tem se aproximado do que era antes da crise sanitária, mas as viagens não acompanham esse crescimento.
Greve no metrô
Para completar o cenário caótico do transporte em Belo Horizonte, desde 21 de março o metrô da capital não circula em horários de pico. Em protesto contra o processo de privatização do serviço, os metroviários entraram em greve e estão trabalhando em escala reduzida, apenas entre as as 10h e as 17h.
A falta do metrô no momento em que as pessoas se deslocam para chegar e sair do trabalho sobrecarrega ainda mais os ônibus e é percebida pelos usuários. É o caso de Michele César, de 36, que usa o Move acompanhada da filha antes das 10h. “Os horários não estão sendo cumpridos e estamos sofrendo com a superlotação. Agora então está mais cheio por conta da greve do metrô. É complicado depender do transporte público, o aumento da passagem não se justifica”, afirma.
Enquanto alguns usuários do metrô desistem dos trens e se espremem em ônibus para não perder o horário do trabalho, há também os que precisam mudar o cronograma para para conseguir manter o uso do serviço. É o caso do vigilante Marcus Vinícius Gomes. “Uso muito o metrô, a greve mudou meu horário. Deixei de sair mais cedo de casa e isso me atrapalha na programação do dia. O ônibus também acaba ficando superlotado. Estou desempregado e se a passagem do ônibus aumentar, já coloquei na ponta da caneta, vou ter que pesar se vou para um lugar ou outro”, comenta.
*Estagiário sob supervisão da subeditora Rachel Botelho