Jornal Estado de Minas

CAPELA SANTANA

Surpresas da história ressurgem no restauro de igreja em cidade de Minas

 Belo Vale – O bisturi, nas mãos do auxiliar de restauração, retira suavemente a camada de tinta branca, fazendo renascer na madeira secular as cores originais da mesa do altar. A descoberta se torna motivo de satisfação para a equipe, vindo se somar a outras surpresas na Capela Santana, na comunidade de Santana do Paraopeba, em Belo Vale, na Região Central de Minas.



Desde o início das obras no templo de 1735, consagrado à mãe de Maria e avó de Jesus, foram encontradas outras pinturas, conforme mostra o especialista Adriano Ramos, do Grupo Oficina de Restauro, empresa responsável pelas intervenções, custeadas pela prefeitura local. Os serviços no bem cultural e espiritual vinculado à Arquidiocese de Belo Horizonte têm à frente o Instituto Cultural Flávio Gutierrez.

No altar, do lado esquerdo de quem entra no templo, localizado na zona rural, com uma visão de 360 graus de montanhas, as pinturas encantam pela delicadeza. Estão lá os motivos fitomorfos (flores e rocalhas) e animais, chamando a atenção o desenho do pelicano alimentando os filhotes, símbolo cristão do sacrifício e da doação. “Esta igreja é muito importante para a região e apresenta várias etapas na sua decoração, perfazendo cerca de 200 anos. Temos do altar-mor, de meados do século 18, a painéis da década de 1940. Estamos, portanto, respeitando todas as fases e mantendo as características originais”, explica Adriano Ramos.

Sem conter a emoção, o zelador Giovane Álvaro Vieira, de 60 anos, diz que não vê a hora de o templo ser reaberto. “Nossa Senhora! É um sonho! E está ficando tudo muito bom. Estamos há dois anos aqui sem missa, casamentos, batizados.  Está tudo nas mãos de Deus”, diz o zelador, que substituiu na função o pai, Luiz de Castro Moreira, falecido em 2004.



Considerado um dos monumentos mais queridos dos moradores do Alto Rio Paraopeba, a capela, que fica a nove quilômetros do Centro de Belo Vale, é ponto de peregrinação de visitantes de todo canto, recebendo cerca de 10 mil pessoas a cada 26 de julho, data consagrada à padroeira. A conclusão da obra está prevista para o mês seguinte, em agosto, depois de um ano de restauro dos elementos artísticos.

No interior da igreja, trabalho de técnicos e especialistas recupera o esplendor do altar ricamente decorado e detalhes que foram sendo apagados pelo tempo


Em agosto de 2018, equipe do Estado de Minas esteve no local, e, guiada pelo titular da Paróquia de São Gonçalo, padre Wellington Eládio Nazaré Faria, viu a situação então precária do templo, especialmente quanto à infestação de cupins, responsáveis, em grande parte, pela deterioração da construção dos tempos coloniais. Na época, o pároco falou sobre a necessidade do restauro e enalteceu o envolvimento dos moradores no “chamado” à restauração.

Com a obra em andamento, padre Wellington destaca o futuro memorial, a ser instalado na sacristia e que será “um grande presente” para a capela. “Ele contará a história da devoção a Santana e mostrará elementos da piedade popular. Os devotos se sentirão valorizados e incentivados na sua fé”, afirma.





Serviços


Segundo a Prefeitura de Belo Vale, o templo teve concluída, em 2020, a obra na parte estrutural, incluindo reparos na fundação, alvenaria, sistemas elétrico e hidráulico, telhado e paisagismo. No ano passado foi iniciado o restauro dos elementos artísticos. 

O valor global de contrato é de R$ 1,7 milhão, recursos da prefeitura, para restauro do retábulo-mor, retábulo colateral, presbitério da capela-mor, pinturas parietais da capela-mor, arco do cruzeiro e implantação do memorial em honra a Santana, que ficará na sacristia.

Em nota, a Prefeitura de Belo Vale informa já se encontrar disponível, no site oficial do município, o edital de licitação para a contratação da empresa que executará as obras de revitalização do entorno da edificação histórica. As intervenções serão para mudança da rede elétrica aérea para cabeamento subterrâneo, calçamento e cercamento do Caminho da Procissão, ampliação do cemitério, construção da capela-velório e construção da área administrativa com sanitários.



Comunidade recupera referência de fé


O restauro, antiga reivindicação dos moradores de Santana do Paraopeba, deu vida a um bem cultural sagrado para a região. E, nessa empreitada, a empresa responsável cria oportunidade de trabalho para pessoas da comunidade.

“Estamos muito felizes, pois a capela faz parte da nossa história. Para mim, especialmente, é motivo de satisfação esta experiência, pois sou daqui”, conta a auxiliar de restauração Kamilly Lorraine Oliveira, de 19 anos. Ao lado, Amme Francielle Soares Lima, de 18, na mesma função da conterrânea, destaca a oportunidade de trabalhar no restauro: “Assim, ajudamos na valorização e preservação do nosso patrimônio, com a chance de aprender um ofício”.

No espaço interno, sobre mesas, estão partes das peças – algumas transformadas pelos insetos em “rendas”, tal a quantidade de galerias e labirintos na madeira, com aspecto semelhante a um tecido – e sob atenção constante da equipe de restauração. “Nosso trabalho para exterminar os cupins é permanente”, observa Adriano. Ele diz que a imagem da padroeira, com 1,30 metro, em madeira policromada, de origem portuguesa, também bastante degradada e com várias demãos de tinta, foi restaurada e se encontra em outro local. Os recursos para recuperá-la foram da própria comunidade.



Na sacristia, onde será instalado o memorial, os olhos dos visitantes se arregalam ao se deparar com paredes de pedra que aumentam a beleza do ambiente e realçam a história. A sensação é de uma volta no tempo, diante do sistema construtivo que deixou um legado de fé e beleza a Minas. Nessa capela tombada pelo município, além do tempo, as intervenções inadequadas deixaram marcas, incluindo as demãos de tinta branca e pinceladas de prateado sobre os anjos barrocos. Além da ação dos cupins, havia rachadura rasgando colunas e sinalizando perigo.

Adriano Ramos, do Grupo Oficina de Restauro, é responsável pelas intervenções no tempo. %u201CNosso trabalho de exterminar cupins é permanente%u201D, afirma ele

Caminhos abertos por bandeirantes

Pesquisa do Memorial da Arquidiocese de Belo Horizonte, coordenado por Goretti Gabrich, mostra que o Vale do Paraopeba foi entrada rumo aos sertões das Minas pela bandeira de Fernão Dias Paes Leme. Ao longo do caminho, vários integrantes da bandeira estabeleceram povoamentos que se tornaram, com o tempo, pontos de abastecimento e hospedagem para viajantes.

A bandeira conduzida por Paes Leme, acompanhado do mestre de campo Matias Cardoso, do genro Manoel de Borba Gato e do filho Garcia Rodrigues Paes, chegou à região em 1675, como relata Diogo de Vasconcelos: “Passada a estação das chuvas, em março do ano seguinte, dirigiram-se os bandeirantes em direção à Serra da Borda e atravessaram a região do campo, entrando na do Paraopeba (Piraipeba, rio do peixe chato), onde fundaram o segundo arraial (Santana)”.



O estudo diz ainda que “em cada núcleo de povoamento foi colocada uma pessoa de confiança do chefe bandeirante. Seu filho, Garcia Rodrigues Paes, administrou a feitoria de São Pedro do Parahypeba (atual Santana do Paraopeba). Em seguida à fundação da feitoria, Manuel Teixeira Sobreira e seu sócio Manuel Machado fizeram pedido de concessão de sesmaria em São Pedro de Parahypeba, e, em 1735, ergueram a Capela de Santana, conforme provisão de 4 de março de 1750”.

“Em 1823, a capela era filial de Congonhas, tendo como capelão o padre Domingos Ribeiro de Sousa. Em 1865, foi elevada a freguesia pela Lei 1.254, de 25 de novembro, tornando-se então sede da paróquia. Até 1880, devido a razões políticas, a sede da paróquia alternou-se sucessivas vezes entre Santana do Paraopeba e São Gonçalo, vinculando-se, então, definitivamente, a São Gonçalo. O terreno onde se ergueu o templo foi doado legalmente, conforme escritura passada em 2 de setembro de 1925 por Antônio Vieira dos Santos e sua mulher, Nívea da Conceição Braga”, prossegue o levantamento.

Fases


O templo apresenta fases distintas: barroca (de 1735 a 1920) e eclética (de 1920 a 1929). Nesse último período, foram feitas reformas substanciais, divididas em dois anos críticos, sendo 1920 o primeiro, de acordo com o Livro de Tombo, quando a capela foi retocada. Em 1929, houve uma grande intervenção, “que transformou a fachada original, abriu os arcos e inseriu ornatos contrastantes nas fachadas, embora inscrição refeita ainda mostre a data de construção, 1735”.