As histórias dos prejuízos deixados para trás quando as águas do Rio Paraopeba baixaram, após as enchentes do início do ano, percorrem o leito do rio. Mudam os nomes, a extensão dos danos, mas os relatos de estragos e desolação vão acompanhando as margens, muitas delas ainda cheias de lama. Em Brumadinho, Rosane Maria de Jesus, de 52 anos, é protagonista de um desses dramas. Moradora e proprietária de um restaurante que fica ao lado, ela conta ter perdido mais de R$ 40 mil com tudo o que foi danificado ou contaminado no comércio, fora toda mobília da casa. E também destaca que nunca havia visto nada como o que testemunhou nesse janeiro de 2022.
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“Fiquei um mês acolhida em uma casa de apoio, cozinhando para 70 pessoas desabrigadas. Saí de casa em 7 de janeiro e voltei em 8 de fevereiro”, afirma Rosane. Ela conta ainda que a mineradora Vale costumava prestar o apoio às pessoas afetadas pelas enchentes, mas diz que, desde o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, não tem notícia de nenhum tipo de assistência.
“O rio está assoreado por causa da barragem que se rompeu. O rejeito está todo no Paraopeba, e até hoje a Vale não ajudou em nada por causa da enchente. Das outras vezes, ajudou a limpar, mas depois do rompimento da barragem, quando era para comparecer mesmo, não veio. Eles afirmam que não é ‘zona quente’, sendo que o rio passa na porta da minha casa”, queixa-se.
Rosane conta que já não suporta tanta tragédia, depois de enfrentar as últimas seguidas – o rompimento da barragem, a pandemia e, por último, a enchente. “Até pouco tempo eu estava colocando a cabeça no lugar. Nas outras enchentes, eu tinha ânimo, encarava o barro. Desta vez fiquei 30 dias lá em cima (na casa de apoio), não quis descer. Deito e tem hora que lembro de tudo que perdi, documentos, tudo... Não sei o que vou fazer com essa casa. Reformo? Quero sair daqui? Coisa que eu nunca pensei antes. Será que eu aguento mais uma pancada dessas? Vou recuperar tudo, reerguer, mas se vier outra e perder tudo de novo?”
Ela aponta que três meses depois das enchentes, a rede de esgoto ainda está destruída, com bueiros entupidos. Além disso, ainda aguarda a assistência que vai receber da prefeitura, de R$ 8 mil. “A prefeitura está dando R$ 8 mil, precisa fazer o cadastro e vão vir aqui para avaliar, uma burocracia. Depois, pode ser até R$ 30 mil, se tiver parede caída, por exemplo. Eu não vou receber isso, porque nenhuma parede caiu, mas o meu prejuízo foi maior do que isso que eles pagam”, ressalta.
Danos também
aos negócios
Vizinho de comércio dela, Adirson Fernandes de Almeida, de 57, mecânico e comerciante, conta que teve mais de cinco imóveis que ficaram completamente debaixo d’água. “Foram mais de R$ 200 mil de prejuízo que tive. Também perdi mais de 70% dos meus clientes, porque o pessoal tem medo do rio, ainda tem um esgoto a céu aberto na porta do meu comércio”, comenta. “Não tenho ajuda de ninguém, e está um transtorno danado para conseguir esse benefício da prefeitura. São mais de 30 dias parado, sem trabalhar e tendo que pagar despesas dos funcionários. Estou na luta tentando sobreviver, mas está difícil”, completa.
A equipe do Estado de Minas entrou em contato com a Prefeitura de Brumadinho, mas não obteve resposta. Já a mineradora Vale informou que se solidariza com a população da Bacia do Paraopeba afetada pelas enchentes. Acrescentou que já colheu material para análise e está conduzindo uma avaliação técnica sobre os efeitos dos alagamentos. “A Vale reforça ainda que em janeiro de 2022 atendeu a diversas solicitações do poder público de municípios da Bacia do Paraopeba, em caráter humanitário. Todas as demandas solicitadas e acordadas com as prefeituras já foram executadas para atendimento emergencial”, informou, em nota. No período emergencial, a empresa afirma ter entregado na região mais de 480 mil litros de água, cestas básicas, produtos de limpeza, higiene pessoal, colchões e equipamentos de proteção individual.
‘Minha mãe morreu. Perdi
meu bem mais precioso’
Seguindo as margens do Paraopeba, mas no município de Mário Campos, Erica Soares dos Reis, de 37 anos, está tentando se recuperar dos prejuízos da chuva depois de perder todos os móveis. “A gente tem que se adequar ao lugar que moramos. Infelizmente, pode acontecer de novo. Tinha acabado de comprar o guarda-roupas das minhas filhas e perdi. Agora estou fazendo um armário de alvenaria”, afirma.
Foi um início de ano que ela nunca vai esquecer. “A enchente veio em 8 de janeiro. A casa dos meus pais, que fica num ponto mais baixo, começou a inundar e fomos ajudar. Quando voltei para a minha casa não consegui tirar tudo, mas não imaginei que a água iria subir tanto. Por isso, tentei colocar as coisas no alto da casa, mas acabei perdendo tudo. Foram 2,25 metros de água e muita lama”, conta.
Além do prejuízo material, o humano foi ainda maior: “Minha mãe morreu de pneumonia em 11 de fevereiro e a gente não sabe se a situação dela pode ter se agravado por conta do cheiro da lama, da umidade, já que tivemos uma semana com tudo da casa debaixo d’água. O que eu perdi foi o meu bem mais precioso.”
Após passar mais de uma semana fora, ela voltou para casa. Diante de tanta lama, o jeito foi arregaçar as mangas e começar a limpeza. A prefeitura enviou um trator para ajudar e em sua rua, toda a vizinhança acumulou pilhas de sujeira removida das casas na portas, aguardando o recolhimento. “Agora, estou tentando colocar a casa em ordem novamente com a obra, mas a conta de água do mês passado veio R$ 337. Foi muito gasto de tanto lavar a casa e as coisas que estavam fedendo a mofo e lama”, lamenta.