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Estado de Minas DEPOIS QUE A ÁGUA BAIXOU...

Rastro das chuvas: cidades históricas e o drama secular com Rio das Velhas

Nas centenárias Santa Luzia e Sabará, moradores enfrentam mais um ano de medo das cheias nas partes baixas e da instabilidade nas encostas


19/04/2022 04:00 - atualizado 19/04/2022 06:09

Estragos causados pela enchente no Rio das Velhas. Casas ameaçadas
Em Sabará, a ocupação das margens do rio paga o preço das últimas enchentes: instabilidade permanente (foto: Leandro Couri/EM/D.a press)

 

O nome é Boa Esperança, mas o bairro cheio de ladeiras e ruas sem calçamento é um dos mais vulneráveis de Santa Luzia, na Grande BH. É lá que vive a desempregada Vilma de Oliveira, de 57 anos, uma das vítimas das chuvas que atingiram o estado neste ano. Sua casa está na parte inferior de um barranco de dezenas de metros de altura, que se torna um pesadelo a cada vez que o tempo fica nublado.

 

A pressão das águas joga a terra por baixo e pressiona as paredes da residência. O muro de tijolos que separa sua casa do terreno do vizinho perdeu a resistência e ameaça cair a qualquer momento. Chamada para avaliar os riscos, a Defesa Civil alegou que somente as pessoas que viviam na parte superior do barranco deveriam evacuar a área.

 

“Aqui, antigamente, era uma área de garimpo de ouro. As máquinas empurravam a terra e fizeram esse enorme barranco. Com o tempo, várias pessoas foram construindo suas casas, o que aumentou o risco de desabamento”, conta Vilma. Outros problemas no local são frequentes com as chuvas, o que torna o pesadelo ainda maior. “Como não há canalização de esgoto, as águas do banheiro e da cozinha de vizinhos desciam frequentemente para perto das nossas casas. Logo, o barranco ficou encharcado e aconteceram vários deslizamentos.”

 

Vilma de Oliveira: medo constante abaixo de barranco no Bairro Boa Esperança, em Santa Luzia
(foto: Leandro Couri/EM/D.a press)

 

“Choveu muito em janeiro, e nós ficamos trancados em casa, com medo. Só depois que parava a gente verificava os estragos. Havia muita terra no quintal e na porta de casa”, conta. “Vemos que os muros estão trincando, quase caindo. Estamos com muito medo, mas não temos para onde ir”, lamenta.

 

Em fevereiro, quatro casas desabaram durante a madrugada após um deslizamento de terra no Bairro Cristina, na mesma cidade. O local já estava isolado e não havia pessoas dentro das moradias, por isso ninguém ficou ferido. Do outro lado da cidade, a comunidade do Pantanal ficou totalmente alagada com o volume das tempestades de janeiro. Famílias inteiras perderam bens.

 

Em relação à situação de risco, a Prefeitura de Santa Luzia alega que a situação das casas vem sendo monitorada com frequência. “Foram feitas vistorias nos imóveis afetados, e nos que não apresentavam possibilidade de retorno o órgão orientou a desocupação imediata. Ressaltamos que os serviços essenciais foram restabelecidos de imediato pela Prefeitura de Santa Luzia, como a limpeza das vias urbanas afetadas pela inundação e auxílios aos munícipes afetados”, informa comunicado do município.

 

Segundo a prefeitura, famílias mais necessitadas também vêm recebendo atenção especial do poder público: “A Secretaria de Desenvolvimento Social e Cidadania, desde o início das fortes chuvas, esteve presente com equipes volantes percorrendo todas as áreas afetadas, e os Centros de Referência da Assistência Social (Cras) ficaram à disposição para atendimento das demandas das famílias afetadas. Os técnicos têm avaliado a necessidade singular de cada família, podendo ofertar kits de limpeza e higiene, água potável, cesta básica, colchões, auxílio-moradia e isenção de taxa para segunda via de documentos. Cerca de 400 famílias foram atendidas e assistidas pela pasta e, no momento, não há nenhuma acolhida nos pontos de apoio”, afirma a administração.

 
Estragos causados pelas chuvas. Mecânico Edcarlos Diogo dos Santos, atingido pela enchete
Mecânico Edcarlos Diogo dos Santos mostra no celular área inundada em janeiro: rotina de vulnerabilidade (foto: Leandro Couri/EM/D.a press)
 

“Já tinha enfrentado uma enchente. Sabia dos riscos”

 
A histórica cidade de Sabará vive à mercê dos problemas causados anualmente pelas enchentes do Rio das Velhas. Casas construídas perto das encostas ainda representam risco de futuras tragédias. Em janeiro, um depósito foi ao chão próximo ao Bairro Caieira depois de atingido pela inundação. Três meses depois de um dos piores períodos chuvosos de Minas, árvores e casas ainda em construção também mostram as marcas da violência da enchente.

O mecânico de motocicletas Edcarlos Diogo dos Santos, de 46 anos, teve R$ 1 mil de prejuízo ao ter sua oficina tomada pela água. “Não costumo ficar com motos de clientes por muito tempo. Senão, os danos teriam sido maiores”, diz. “Acabei juntando tudo e coloquei no andar de cima da loja. Já tinha enfrentado uma enchente três anos atrás e sabia dos riscos. Consegui salvar os materiais de eletrônica”, acrescenta.

Segundo a prefeitura, os bairros Mangabeiras, Roça Grande, General Carneiro, Rosário II, Sobradinho e Arraial Velho vêm recebendo obras de drenagem para minimizar os impactos do excesso de chuvas. Ruas, avenidas e trechos das rodovias onde se registram os maiores fluxos de veículos tiveram prioridade na etapa inicial para reduzir o impacto no trânsito, de acordo com o município. Mas as marcas do período chuvoso ainda persistem, seja nos 170 imóveis interditados, dos 1.620 atingidos pelas chuvas que receberam vistoria da Defesa Civil, seja no sofrimento das milhares de pessoas que ainda batalham para se recuperar, com um medo que ainda vai custar a desaparecer da memória.

 


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