Usuários do transporte público em Belo Horizonte viveram mais um capítulo de uma história caótica que parece ainda longe do fim. Com as empresas de ônibus em pé de guerra com o poder público e o metrô em greve há mais de um mês, as concessionárias anunciaram a redução da circulação de coletivos fora do horário de pico a partir de ontem. Mas os relatos de passageiros e até de profissionais que atuam no setor são de que a circulação foi diminuída também nos períodos mais procurados pelos passageiros. Os problemas, que já eram sentidos na qualidade do transporte e na rotina dos passageiros, se aprofundaram. E nem um acordo fechado durante a tarde com a prefeitura parece ter surtido efeito.
Na quinta-feira, o consórcio Transfácil, composto pelas empresas de transporte público da capital, anunciou que as viagens seriam reduzidas fora do horário de pico, alegando falta de condições financeiras das concessionárias para manter os horários. O que os usuários relataram, no entanto, foi um cenário de atrasos e coletivos superlotados desde as 6h. Na Estação São Gabriel, Região Nordeste de BH, os passageiros se aglomeravam e formavam longas filas para conseguir se espremer em ônibus abarrotados.
Um motorista do Move, que não quis se identificar, confirmou à reportagem do Estado de Minas que a frota de ônibus foi reduzida também nos horários de pico. “Reduziu sim. É uma situação ruim para nós também, que ficamos com medo pelo nosso emprego”, contou. O relato dos passageiros seguiu na mesma linha. “Sempre pego ônibus no mesmo horário, estou esperando já faz tempo”, contou o lojista Mateus Silva, de 70 anos, que aguardava o Move no terminal desde as 7h. Segundo ele, a redução na oferta dos ônibus começou na noite anterior ao anúncio do Consórcio Transfácil. “Na volta não tinha ônibus. Cheguei aqui no horário de sempre e fiquei mais de uma hora esperando”, relatou.
Os passageiros afirmam que, mesmo após a retomada das atividades que haviam sido suspensas na pandemia, os ônibus continuam com os horários reduzidos. É o caso da contadora Vanessa Mendes, de 43. Ela costumava pegar o ônibus por volta das 7h, porém, desde o início da pandemia, precisa sair uma hora mais cedo para chegar ao trabalho a tempo. “Não sei como eles vão reduzir mais do que isso. Já fico mais de uma hora esperando no ponto, principalmente na volta para casa, e mal consigo entrar de tão cheio que fica”, conta. Para driblar esse cenário, a servidora pública diz ter conseguido flexibilizar o horário de trabalho. “Saio um pouco mais cedo para não chegar tão tarde em casa, mas não é em todo lugar que tem essa flexibilidade”, lembra.
LOGÍSTICA
Para o estudante Leonardo Aguiar, de 23, há um problema de logística na operação dos coletivos. “Eles criaram o Move para facilitar a ida ao Centro, mas as linhas alimentadoras dos bairros estão circulando de uma em uma hora. Isso no papel, na prática a gente passa mais tempo esperando o ônibus do que dentro dele. Se você perde um ônibus, é mais de uma hora esperando”, disse. “Todos os serviços voltaram, mas os ônibus não retomaram o horário normal. Antes de diminuírem a frota, nós já estávamos sofrendo com redução e superlotação de ônibus. Dentro dos ônibus está um verdadeiro caos”, complementa.
Um levantamento da BHTrans publicado pelo Estado de Minas no mês passado mostrou que a queixa dos passageiros tem embasamento numérico: em março, com a situação da COVID-19 já controlada na capital, a demanda de usuários ultrapassava a marca de 70% da procura média pré-coronavírus. Enquanto isso, a oferta de coletivos nunca passou desse percentual.
ACORDO
Entre os picos de procura pelos coletivos da manhã e do fim da tarde, os usuários de ônibus tiveram uma notícia alvissareira: após reunião com a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), as empresas de transporte aceitaram recuar da decisão e retomar a capacidade máxima do serviço. Antes mesmo do encontro com representantes das concessionárias, o prefeito Fuad Noman (PSD) havia classificado a medida como maldade: “Nesse momento, tirar os ônibus do horário de pico, que eles prometeram que não fariam, eu acho que é uma maldade. E a prefeitura não vai ficar alheia a isso. A prefeitura vai penalizá-las (as empresas) na forma do contrato, sem dúvida nenhuma”.
Essa não foi a primeira vez que as empresas de ônibus aceitaram recuar de uma medida de redução do serviço. Ainda em março, o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (Setra-BH) anunciou um “plano de guerra” após o aumento do preço do diesel, mas recuou alguns dias depois, também após uma reunião com a prefeitura, então comandada por Alexandre Kalil (PSD).
Na prática, no entanto, a sexta-feira continuou complicada para os passageiros. No fim da tarde, usuários do transporte público ouvidos pela reportagem seguiram relatando atraso nas viagens. Em um ponto no Barro Preto, Centro-Sul da capital, a contadora Ana Carolina, de 26, reclamou do serviço enquanto esperava pelo primeiro dos dois ônibus que a levam até onde mora, no Bairro Camargos, Região Noroeste. “Lá no Camargos está muito ruim. Sem o metrô então fica péssimo, você já chega para o segundo ponto completamente lotado e hoje, como diminuíram os ônibus, ficou pior ainda. Agora à noite, estou voltando para casa e está demorando mais do que o habitual”, relatou.
O aperto também foi relatado pelo auxiliar administrativo Oséias Neri, de 42, que conversou com a reportagem a bordo de um Move com destino à Estação Pampulha. Segundo ele, as dificuldades da manhã se repetiram no início da noite. “Fiquei uns 30 minutos esperando o 5250 – Estação Pampulha/Betânia. Está muito difícil, os ônibus estão superlotados, inclusive pela greve do metrô, mas hoje (ontem) foi um dos piores dias, tanto na ida como na volta”, conta. A PBH não informou se aplicou algum tipo de multa às empresas. O Ministério Público anunciou que investigará o anúncio de redução de viagens fora do horário de pico.
Impasse agravado por greve no metrô
As reclamações dos usuários de transporte público na capital são feitas em meio a um contexto de impasse que envolve, desde o fim de 2021, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), a Câmara Municipal e as empresas de ônibus. As empresas alegam que o contrato vigente com o Executivo municipal é ultrapassado e que as concessionárias não conseguem manter seu funcionamento sem um aumento da tarifa, fonte única de financiamento das companhias. Na Justiça, as empresas conseguiram uma liminar que determina que a passagem principal dos ônibus de BH chegue a R$ 5,85, com alta de 30% sobre o valor cobrado atualmente.
A alternativa encontrada pela prefeitura para evitar a aplicação do reajuste é aprovar na Câmara Municipal um projeto de lei que estabelece subsídio das gratuidades previstas em lei às empresas e a redução da tarifa em R$ 0,20. A proposta, no entanto, já foi pivô de uma série de embates entre Legislativo e Executivo desde fevereiro deste ano.
A crise é agravada pela paralisação do metrô de Belo Horizonte desde 21 de março. Durante o período, os metroviários operam apenas das 10h às 17h. Fora dos horários de pico, o serviço deixa de atender 70 mil passageiros diariamente, segundo a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU). Naturalmente, isso aumenta a demanda pelos ônibus.
Os metroviários em greve protestam contra o processo de privatização do transporte gerenciado pelo Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), ligado ao Ministério da Economia, do governo federal. O Sindicato dos Empregados em Transportes Metroviários e Conexos de Minas Gerais (Sindimetro-MG) reivindica a manutenção do emprego dos 1,6 mil servidores concursados depois da privatização do metrô ou a realocação dos funcionários para outras unidades da CBTU.
Segundo o Sindimetro, a categoria aguarda uma sinalização de negociação por parte do governo federal para discutir o fim da paralisação, mas não teve qualquer resposta ao longo dos quase 40 dias de movimento. Procurado pela reportagem, o Ministério da Economia respondeu que não comenta o caso.