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Estado de Minas PROJETO POLÊMICO

Vizinhos de mina em Sabará temem situação ainda pior com empreendimento

Moradores do Bairro Paciência contam como é conviver com barulho, poeira e tremores, problemas que podem se aprofundar


06/05/2022 04:00 - atualizado 06/05/2022 06:28

Caminhão transportando minério
Caminhão para transporte de minério trafega em área de Sabará: vizinhos de mineradora reclamam do barulho e trepidação provocados pelo movimento, que tira o sono dos moradores e chega a afetar os imóveis (foto: fotos: Alexandre Guzanshe)

Poeira, problemas respiratórios, barulho e tremores: em discussão desde que a mineração na Serra do Curral voltou com força aos debates públicos, os impactos da atividade já fazem parte do cotidiano de muita gente que vive próximo às minas. É o caso dos moradores do Bairro Paciência, em Sabará, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, que sofrem os efeitos da operação da Global Mineração na região e já temem nova redução na qualidade de vida diante do licenciamento do complexo da Taquaril Mineração S.A. (Tamisa).

Aprovado na madrugada de sábado pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) e com licenças prévia e de instalação publicadas pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Minas Gerais (Semad) na quarta-feira, o projeto do empreendimento, que vem sendo contestado judicialmente inclusive pela Prefeitura de Belo Horizonte,  prevê a exploração de minério de ferro em uma área de 1.250 hectares na face do maciço voltada para Nova Lima, que faz limite com BH e Sabará.
 
“Moro aqui há 59 anos e sempre foi assim, mas o que já está ruim pode piorar. Até condução aqui é difícil, porque quando a gente pega o ônibus, os caminhões atrapalham a passagem”, conta Roberto Luiz, de 59. E reclama: “Se os ricos querem ganhar, deixem os pobres viverem. Porque o pobre aqui não vê nada, só destruição”, afirma. Ele admite que a atividade minerária gera empregos, mas questiona a relação entre o custo e o benefício para a população: “Gerar emprego, gera. Mas se você vai trabalhar sabendo que sua família está morrendo, então, pra quê trabalhar?”.

A Avenida Alberto Scharle, principal do Bairro Paciência, segue serra acima servindo como rota para a produção minerária. O fluxo de caminhões é intenso nos dois sentidos e tem grande espaço nas reclamações de quem vive na região. “Eles passam carretas com 35 toneladas, quando deveriam ter um limite de 20. É barulho de carreta passando o tempo todo e quem mora na parte de baixo (do bairro) sofre muito”, reclama Ricardo Rocha, morador do bairro há mais de duas décadas. Segundo ele, nem à noite a população local tem sossego. “Fui trabalhar ontem às 21h, voltei às 2h e tinha carreta passando”, conta.
 
 
Ricardo Rocha
Ricardo Rocha reclama do transporte de minério na principal via do bairro: "Eles passam carretas com 35 toneladas, quando deveriam ter um limite de 20"
 
Não é só o barulho que incomoda e tira o sono dos moradores do bairro. Muito pesados, os caminhões carregados de minério também provocam tremores, que abalam a estrutura das residências. “A gente tem medo porque há casas antigas aqui, que têm 70, 80 anos e não foram estruturadas para aguentar esse tremor e essa movimentação”, afirma Rocha.

O efeito citado por Rocha é bem conhecido da comerciante Valquíria Glernon, de 46. “A gente sentia tremer embaixo da casa, mas não sabia o que era. Era quase o dia inteiro. Eles (representantes da mineradora) não aparecem. A única coisa que fazem é dar uma cesta (de alimentos) para a gente uma vez por ano, passam nas avenidas entregando para as famílias no fim de ano”, relata.
 
 
Leonor Severiano e a filha
Leonor Severiano e a filha, Valquiria, apontam problemas de saúde relacionados à poluição do ar: "A gente está sempre com uma tosse, a garganta coça", diz a mãe
 
DIFÍCIL RESPIRAR 

Os problemas não param por aí. Moradores do Bairro Paciência reclamam ainda que a exploração e o transporte do minério levantam uma poeira que, além de tornar a limpeza de casa uma tarefa interminável, afeta a qualidade do ar. Problemas respiratórios são frequentes e o incômodo não abandona os vizinhos das minas. “Tudo está sempre sujo, a gente está sempre com uma tosse, a garganta coça, a gente começa a espirrar. E acho que tudo é mesmo por causa desse pó fininho que a gente aspira”, diz a comerciante Leonor Severiano, de 78. Valquíria, filha de Leonor, acrescenta: “Hoje eu percebo que muitas pessoas têm pigarro, problemas de garganta. O cotidiano das pessoas mudou, não está a mesma coisa não, a gente percebe isso”.
 
 

"Gerar emprego, gera. 
Mas se você vai trabalhar 
sabendo que sua família 
está morrendo, então, 
pra quê trabalhar?”

Roberto Luiz, de 59 anos, morador do Bairro Paciência

 
 
 
ÁGUA 

Além de temer o recrudescimento dos impactos sonoros e no ar provocados pela mineração no momento em que o novo empreendimento licenciado pelo governo do estado na Serra do Curral for implantado, moradores dos arredores do Bairro Paciência se preocupam com o abastecimento de água.
 
 
 Rodrigo Lima
Morador da zona rural, Rodrigo Lima teme novos impactos no abastecimento de água: "Essa mineração (da Tamisa) é mais perto. Aí a nascente corre risco de secar"
 
Para Rodrigo de Lima, de 36, que mora e trabalha na região, o projeto da Tamisa pode afetar a fonte de água que abastece a casa onde vive, na zona rural de Sabará. “Barulho e poeira sempre tem, a casa fica empoeirada, a gente limpa, fica uns dois dias limpa e depois já sujou de novo, mas água não falta na minha casa. Só que (com o novo empreendimento) a nossa mina (de água) corre risco, porque essa mineração é mais perto. Aí a nascente corre risco de secar com o tempo”, acredita.

Segundo ele, o fluxo de caminhões tem aumentado na região nas últimas semanas, provocando problemas estruturais nos imóveis. “Na minha casa, depois que os caminhões começaram a circular com minério, apareceram algumas trincas que não existiam”, afirma.

A reportagem tentou contato com a Global Mineração, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição.



 
 
 

Artistas e intelectuais entregam carta
carta ao governador contra complexo


Uma carta pela preservação da Serra do Curral assinada por artistas, intelectuais e escritores de projeção nacional e internacional será divulgada e entregue ao governador Romeu Zema (Novo) hoje. Além de estrelas de Minas Gerais, como Milton Nascimento, a lista reúne as atrizes Alessandra Negrini, Bruna Lombardi e Dira Paes, e os atores Paulo Betti e Gregório Duvivier.

Também os escritores Fabrício Carpinejar e Luis Fernando Veríssimo, o cartunista Ziraldo e os jornalistas Eliane Brum, Xico Sá e Zeca Camargo. O médico Dráuzio Varela, o rapper Emicida, Chico Buarque, o ex-deputado Fernando Gabeira, Frei Betto e o músico e ensaísta José Miguel Wisnik também estão na lista de personalidades que assinaram o manifesto.

A iniciativa começou na terça-feira e esperava colher 100 assinaturas, mas já conta com mais de 700 nomes. A carta é contrária à aprovação do licenciamento do Complexo Minerário Serra do Taquaril para exploração de minério na Serra do Curral.

A licença foi aprovada pelo Conselho Estadual de Política Ambiental na madrugada do último sábado, em um processo controverso, que recebeu críticas de ambientalistas e pesquisadores da área socioambiental. Na quarta-feira, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad) publicou no diário oficial do estado, o Minas Gerais, licenças prévia e de instalação que já permitem que a empresa comece a montar o complexo, inclusive desmatando áreas previstas para as cavas.

A carta é endereçada ao governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), à secretária estadual de Meio Ambiente, Marília Melo, ao secretário estadual de Cultura, Leônidas Oliveira, e ao presidente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, Agostinho Patrus (PSD). Além de pedir a anulação da licença concedida, os signatários reivindicam que o tombamento estadual da Serra do Curral seja colocado imediatamente na ordem do dia.

O documento também está disponível no site tiraopedaminhaserra.bonde.org/carta e qualquer pessoa pode assiná-lo. O grupo compreende a serra como “um bem que extravasa as fronteiras de Minas Gerais, patrimônio comum de todos os brasileiros”. A carta é uma iniciativa da documentarista e ativista Luciana Sérvulo da Cunha junto ao movimento Tira o Pé da Minha Serra.

Desde a semana passada, o Tira o Pé da Minha Serra tem promovido ações digitais e mobilizações de rua contra o empreendimento. Entre as próximas ações está previsto um tuitaço no dia do lançamento e um ato de entrega da carta às autoridades de Minas Gerais hoje.


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