A Justiça de Minas Gerais começou a ouvir, nesta segunda-feira (23/5), vítimas e testemunhas no caso da contaminação da cerveja "Belorizontina", da cervejaria Backer. A audiência teve início na manhã de hoje, na 2ª Vara Criminal de Belo Horizonte, no Fórum Lafayette, no Barro Preto, Região Centro-Sul da capital. A previsão é que as audiências aconteçam até a quinta-feira (26/5), com o depoimento de 28 testemunhas arroladas pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).
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A primeira a prestar depoimento on-line foi a vítima Giani Cláudia Setto Vieira. Ela contou, ao juiz Alexandre Magno de Resende Oliveira, que comprou as cervejas no final de 2019 e que elas foram consumidas até o início de janeiro do ano seguinte. A vítima disse que teve episódios de vômito, dores lombares e na região dos rins. Diante dos sintomas procurou um médico na cidade de Viçosa, onde mora.
Giane contou emocionada que os exames de sangue mostraram alterações. Ela foi encaminhada para a nefrologia, precisou ficar internada e passar por hemodiálise.
O segundo a ser ouvido, também por videoconferência, foi Josias Moreira de Mattos. Ele ainda tem problemas de saúde em decorrência da ingestão da cerveja contaminada. A vítima apresenta também dificuldade de fala, por isso as perguntas estão sendo feitas de forma que a resposta seja Sim ou Não.
A terceira vítima ouvida on-line foi Cristiano Mauro Assis Gomes. Ele recebeu um rim da esposa em setembro de 2020 e por isso não precisa mais fazer hemodiálise. Porém, Cristiano continua em tratamento, tomando imunossupressores que causam efeitos colaterais. Ele tem ainda restrições de movimento na face como sequela e está em licença médica.
No depoimento, a vítima contou que a esposa comprou as cervejas na Black Friday de 2019 e que todo o consumo de álcool feito por ele, no período, foi das cervejas da Backer.
Cristiano foi internado com insuficiência renal e teve sintomas neurológicos, como paralisia e alucinações auditivas. Ao todo, ficou 44 dias internado no CTI.
“Espero realmente que a justiça seja feita”
A quarta vítima a ser ouvida foi Vanderlei de Paula Oliveira. Ele foi o único que compareceu ao fórum para prestar depoimento. “Espero realmente que a justiça seja feita. Principalmente pelas vítimas que não estão aqui para contar a história e que faleceram por causa desse veneno”, disse ao sair da audiência.
Em depoimento, ele revelou ter sofrido sequelas após consumir a cerveja Belorizontina. Disse que, na época, não tinha condições de saber o que estava acontecendo com ele. Vanderlei sofreu uma parada respiratória que paralisou todos os nervos periféricos do corpo. Ele ainda está em processo de recuperação dos movimentos e usa muletas para se locomover. Além disso, faz hemodiálise quatro vezes por semana, fisioterapia, fonoaudiologia e começou um tratamento psicológico.
“Fiquei seis meses internado, seis meses no CTI. Internei e sai da internação sem saber que era isso. No início de 2020, estouraram os casos e os médicos que me trataram, fizeram a correlação com os sintomas e (perceberam) que não tinha outro diagnóstico a não ser essa intoxicação”, afirmou após deixar a sala de audiência.
Sobre a autorização da Backer para voltar a produzir, ele diz que não tem competência para julgar a decisão. “Se os órgãos competentes já atestaram que está tudo ok, não tenho nada a dizer.”
A vítima ainda não recebeu qualquer indenização da cervejaria, apenas uma ajuda de custo mensal para os tratamentos de saúde. Ele ressaltou que fez questão de prestar o depoimento presencialmente no fórum. “Para mostrar todas as cicatrizes.”
A vítima Antônio Carlos Lisboa foi dispensada de prestar depoimento.
Substância estranha no processo de produção da cerveja
As últimas testemunhas ouvidas foram técnicos do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) que não tiveram os nomes divulgados. O primeiro funcionário disse que os técnicos do ministério constataram uma substância estranha no processo de produção da cerveja.
Resultados preliminares comprovaram a contaminação dentro da fábrica por etilenoglicol e laudos de compras da substância também foram encontrados. Segundo ele, esses fatos levaram os técnicos a notar uma situação suspeita.
De acordo com o funcionário, eles constataram lotes da cerveja sem nenhuma relação entre si e contaminados. Não havia padronização em relação às contaminações. Disse que a substância etilenoglicol tende a se depositar no fundo dos tanques de produção e, por isso, pode ter contaminado vários lotes.
As investigações do ministério concluíram que a contaminação ocorreu dentro da cervejaria e que nenhuma contaminação de produtos aconteceu fora da empresa.
Ao ser questionada pela defesa dos réus, a testemunha afirmou que a utilização da substância não era proibida na indústria alimentícia.
A segunda técnica do Mapa prestou depoimento presencial. Ela afirmou que o consumo das substâncias de resfriamento estava atípico. Por ser um sistema fechado, não deveria ter necessidade de reabastecimentos, como estava ocorrendo. Ela ainda confirmou que todas as indústrias de bebidas foram comunicadas para não utilizarem mais o dietilenoglicol, após o caso de contaminação na Backer.
A data para ouvir as testemunhas da defesa e os réus será marcada posteriormente, segundo o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).