O interrogatório de Antério Mânica começou no fim da tarde desta quinta-feira (26/5), na Justiça Federal, Bairro Santo Agostinho, Região Centro-Sul de BH. Nas quase duas horas em que o réu falou, exerceu o direito de não responder às perguntas feitas pela acusação e negou envolvimento no crime.
Após o intervalo para o almoço, o julgamento foi retomado com exibição de vídeos e leituras de peças processuais requeridas pela defesa. O interrogatório do réu ocorreu em seguida, com questionamentos feitos pela juíza federal Raquel Vasconcelos Alves de Lima.
Antério contou que é natural do Rio Grande do Sul e antes de Unaí, morou no Paraná também trabalhando no setor de produção rural. Disse que nunca respondeu a nenhum processo criminal e negou ser o mandante das mortes dos fiscais.
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"Fiquei sabendo no dia do ocorrido. Fui surpreendido pela ligação do Juca, da Coagril."
José Mário Karmircsak, conhecido como Juca era gerente da Cooperativa Agrícola de Unaí (Coagril) na época do crime. Antério era um dos diretores da cooperativa.
Disse que estava em casa aguardando pessoas que vinham de Brasília quando recebeu o telefonema de Juca. Em seguida, ligou para a delegacia do Ministério do Trabalho a fim de confirmar a informação da execução dos fiscais.
Confirmou que conhecia o fiscal Nelson Soares da Silva.
"Todos os encontros foram em reunião para a criação dos condomínios. Eu participava da comissão." Quando ele fiscalizou a fazenda, o réu afirmou que não estava presente e não teve desavenças com Nelson.
"Tinha coisas pequenas e até maiores que estavam erradas (na fazenda). Mas ele estava fazendo o trabalho dele."
Diante da negativa da autoria, a juíza perguntou quem eram os responsáveis pelas mortes dos fiscais. Antério citou o irmão Norberto, os intermediários Hugo Pimenta e José Alberto de Castro, além dos pistoleiros.
Antério também negou que estivesse na reunião na empresa de Hugo Pimenta com o Fiat Marea escuro que pertencia a sua esposa. Nesta reunião é que o crime teria sido planejado.
Fiscalizações e ligação para Ministério do Trabalho
A juíza questionou se o problema com Nelson eram as fiscalizações constantes e autuações feitas pelo fiscal. Ele disse que em quatro anos foram feitas duas fiscalizações, com pagamento de multas no valor de R$ 30 mil.
Reafirmou que ligou para a delegacia do Ministério do Trabalho para saber se era verdade que os fiscais tinham sido executados. Disse que Juca ligou para ele pela aproximação dos dois.
"A preocupação da gente é que se fosse verdade, quem fez isso fez loucura. Se tivesse chegado ao nosso conhecimento, não teria acontecido de jeito nenhum." Antério disse que se soubesse da negociação para matar os fiscais teria denunciado.
A juíza questionou Antério sobre ligações feitas de sua fazenda, dias antes do crime, para o município de Formosa, onde os pistoleiros moravam. Ele disse que a ligação foi feita por um gerente de sua fazenda.
Sobre a reunião, na véspera do crime, na empresa de Hugo Pimenta, Antério disse que não estava nessa reunião e que a sede da empresa nem funcionava mais no endereço citado pela testemunha.
Negou ainda que ele e outros fazendeiros tenham ido à Brasília para tentar impedir que as investigações sobre o crime prosseguissem. "Coisas fantasiosas, na minha opinião."
A juíza perguntou também sobre uma ligação telefônica feita entre Antério e Norberto. Nela as pessoas falavam sobre matar alguém. Antério contou que a conversa era sobre um amigo da família e os irmãos estavam tentando ajudar com a indicação de um advogado.
Além das fiscalizações do Ministério do Trabalho, Antério disse que as fazendas sofriam fiscalizações de órgãos ambientais também, mas nunca se indispôs com nenhum fiscal.
A juíza perguntou se o réu queria dizer mais alguma coisa e ele se dirigiu aos jurados.
"Vocês vão decidir a minha vida. Não tenho nada a ver com esse crime. Ponham a mão na consciência, não vão cometer uma injustiça com quem não deve. Não tem nenhuma conversa em que aparece meu nome."
Antério disse ainda que nunca desconfiou que o irmão, Norberto, estivesse envolvido no crime. "Não suspeitava de ninguém, nunca soube de nada antes dos crimes."
Questionamentos da defesa
A defesa perguntou sobre a reunião na empresa de Hugo Pimenta e Antério reforçou que não participou nem dela, nem no encontro relatado por testemunha em um posto de gasolina, quando ele estaria usando o Marea da esposa.
Negou ainda que tenha recebido uma autuação no valor de R$ 800 mil. Disse que participava apenas de um condomínio com os filhos e não com os irmãos.
Antério explicou também sobre a escritura pública em que o irmão Norberto confessa o crime. "Ele chorou e disse que estava pesando demais na consciência dele. Disse que não falou nada antes por orientação dos advogados."
Segundo Antério, o irmão se sentia culpado pela condenação de mais de 100 anos imposta ao ex-prefeito de Unaí no primeiro julgamento.
A Chacina de Unaí
Em 28 de janeiro de 2004, Eratóstenes de Almeida Gonçalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva foram assassinados a tiros em uma emboscada quando investigavam condições análogas à escravidão na zona rural de Unaí, incluindo as propriedades da família Mânica. O motorista Ailton Pereira de Oliveira, que acompanhava o grupo, também foi morto.
Além de Antério Mânica, o irmão dele, Norberto, foi condenado como outro mandante da chacina. Ele, porém, está em liberdade. Outros condenados pelos crimes foram Hugo Alves Pimenta, José Alberto de Castro, Erinaldo de Vasconcelos Silva, Rogério Alan Rocha Rios e Willian Gomes de Miranda, que cumprem pena na prisão.