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Estado de Minas JULGAMENTO

Chacina de Unaí: MP vai recorrer para que Antério cumpra a pena na prisão

Os procuradores querem ainda uma pena maior para o ex-prefeito de Unaí. Ele foi condenado a 64 anos de prisão, mas pode aguardar o recurso em liberdade


27/05/2022 21:32 - atualizado 27/05/2022 22:03

Protesto de auditores fiscais do trabalho na porta da justiça federal em BH
Auditores fiscais do trabalho fizeram ato para lembrar a morte dos fiscais e do motorista mortos em 2004 (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
Após a sentença que condenou Antério Mânica a 64 anos de prisão pela morte dos três fiscais e do motorista do Ministério do Trabalho, o Ministério Público Federal afirmou que vai recorrer da sentença. Os procuradores querem aumento de pena e que o ex-prefeito de Unaí seja preso. A juíza determinou que ele pode aguardar o recurso em liberdade.

 

 


Os procuradores deixaram o prédio da Justiça federal, na noite desta sexta-feira (27/5) e foram aplaudidos pelos auditores fiscais do trabalho que faziam vigília na porta do tribunal desde o primeiro dia de julgamento. 

"Foi bastante satisfatório porque jogou por terra o voto de um desembargador. O júri era extremamente difícil para nós porque derrubar um voto que descreve, detalhadamente, cada prova não é fácil. Nós fizemos e graças a Deus o resultado foi bom porque tínhamos provas muito consistentes para pedir a condenação. A defesa tentou desfazer cada uma destas provas, mas conseguimos que os jurados compreendessem que a verdade estava com o Ministério Público", disse a procuradora da República Mirian Moreira Lima.

O Ministério Público vai recorrer da decisão por um aumento de pena e para que Antério cumpra a sentença preso. "Infelizmente, nosso sistema é voltado para a impunidade e permite que um réu, condenado em dois júris possa sair livre do tribunal, com profundo desprezo pela dor dos familiares", afirmou o procurador Henrique Martins de Menezes. 

Mirian explicou que a juíza Raquel Vasconcelos Alves de Lima teve um entendimento diferente do primeiro julgamento, em relação às qualificadoras. "Ela não considerou todas as qualificadoras e é neste ponto que vamos apresentar nosso recurso." As qualificadoras são circunstâncias de aumento de pena. 

"Ela considerou as quatro vítimas, mas não considerou as qualificadoras de paga de recompensa e crime praticado para assegurar a impunidade de outro crime." A procuradora disse que o Ministério Público pediu a prisão do réu, mas a juíza entendeu de maneira contrária. Além disso, Mirian ressaltou que os procuradores esperavam uma pena semelhante à do primeiro julgamento, quando Antério foi condenado a 100 anos de prisão.

Mandantes presos 


O presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), Bob Machado, comemorou a condenação de Antério.

"Estamos lutando por esta condenação há 18 anos. É uma luta dura, difícil, são 18 anos de dor para as famílias, para auditoria fiscal do trabalho e para o Estado brasileiro. São 18 anos de espera e queremos agora que com essa condenação consigamos efetivamente chegar mais perto da justiça', disse emocionado.

Ele espera, porém, que os mandantes do crime cumpram a pena presos.   

"Cabe ainda ao judiciário cumprir com a sua parte e dar celeridade a esse processo para que eles sejam efetivamente presos. Os quatro condenados pelo assassinato do Ailton, Eratostenes, João Batista e Nelson. Cada dia que passa envergonha o judiciário e o Estado brasileiro por não conseguir colocar na cadeia, poderosos que se utilizam do seu poder econômico para ficarem em liberdade." 

"São 18 anos de espera pela condenação de mandantes de assassinato, frio, calculado contra agentes do Estado que cumpriam com seu dever funcional.Combatiam trabalho escravo e infantil, fiscalizavam o cumprimento da legislação trabalhista. Esperamos que agora, a justiça recupere o que perdeu e efetivamente coloque na cadeia os mandantes da Chacina de Unaí", completou.

Sensação de dever cumprido 


O assistente de acusação, Roberto Tardelli, explica a sentença afirmando que as qualificadoras foram consideradas. 

"A pena, a juíza fixou em um critério de dosimetria que é defensável. O regime é fechado. Ele não saiu preso porque tem uma ordem de habeas corpus e há uma discussão muito grande de quando esta prisão pode ser efetuada. O caminho está cada vez mais curto. Ele tem cada vez menos chances de permanecer em liberdade. No mérito, a condenação não pode ser revista."

Segundo Tardelli, Mânica vai poder aguardar o julgamento do recurso em liberdade por ter um habeas corpus do Tribunal Regional Federal (TRF). "Decorre também da presunção de inocência. O nosso objetivo era fixar uma condenação, que a sociedade mineira rejeitasse, e rejeitou por unanimidade praticamente todos os quesitos, as práticas do mando, da pistolagem."

Apesar de sair do tribunal em liberdade, Tardelli acredita que Antério será preso. "Ele não vai cumprir esta pena amanhã. Uma coisa é cumprir a pena com alguma juventude, com saúde. Ele vai se colocar em uma situação em que a única coisa que ele vai esperar da prisão é a própria morte. Uma hora essa prisão vai ocorrer."

O assistente de acusação explica que Antério pode ser preso após o TRF julgar o recurso do habeas corpus pendente. "Pode demorar o tempo que for. Ele já está condenado. A prescrição, que era o grande problema, não existe mais. A revisão de mérito da condenação, não é mais possível de ser feita. Agora é só esperar."

"Não podemos pensar que rico não vai para a cadeia. A justiça brasileira tem uma forma muito cruel de trabalhar isso. Ela envelhece as pessoas para prendê-las. A ideia de que rico não vai preso, não é uma ideia correta. Claro que pobre vai preso com muito mais frequência por causa de uma deficiência de policiamento. A gente acha que a impunidade está na periferia. O problema é que a nossa justiça tem um viés profundamente racista e que não reconhece para todos o que deve ser reconhecido." 

Tardelli disse estar emocionado e com a sensação de dever cumprido. "Conseguimos acolher a dor das vítimas, das viúvas, o medo da impunidade." 

Os advogados de defesa deixaram a sede da justiça federal sem falar com a imprensa, mas segundo os procuradores, a defesa também deve recorrer da decisão. 

A Chacina de Unaí


Em 28 de janeiro de 2004, Eratóstenes de Almeida Gonçalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva foram assassinados a tiros em uma emboscada quando investigavam condições análogas à escravidão na zona rural de Unaí, incluindo as propriedades da família Mânica. O motorista Ailton Pereira de Oliveira, que acompanhava o grupo, também foi morto.

Além de Antério Mânica, o irmão dele, Norberto, foi condenado como outro mandante da chacina. Ele, porém, está em liberdade. Outros condenados pelos crimes foram Hugo Alves Pimenta, José Alberto de Castro, Erinaldo de Vasconcelos Silva, Rogério Alan Rocha Rios e Willian Gomes de Miranda, que cumprem pena na prisão.


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