Elas estiveram (e ainda estão) na linha de frente da COVID-19 no país, responsáveis pelas pesquisas visando ao combate e controle da pandemia. Por causa das universidades públicas, o papel da ciência nunca esteve tão claro para os brasileiros. Mas, apesar de tal protagonismo, elas sofreram mais um duro golpe, na contramão do merecido reconhecimento: um corte de 14,5% no orçamento. Desta vez, a redução bate forte num ponto sensível, pegando em cheio os recursos para assistência estudantil e comprometendo o apoio a alunos mais vulneráveis. Instituições federais de ensino superior se reúnem em caráter extraordinário na segunda-feira para definir providências a serem tomadas e tentar reverter quadro considerado dramático.
De acordo com a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), na prática, o corte inviabiliza a permanência dos estudantes socioeconomicamente vulneráveis, o próprio funcionamento das instituições federais de ensino e a possibilidade de fechar as contas no azul este ano. As instituições de ensino superior e os institutos federais vêm sofrendo sucessivos cortes e bloqueios orçamentários desde 2014. Para este ano, foram aprovados R$ 5 bilhões para investimentos, manutenção e bolsas estudantis, mas, segundo a Andifes, o montante deveria ser de pelo menos R$ 7,2 bilhões para que as universidades mantivessem seu poder de compra. Os recursos para 2022 foram menores do que o montante reservado no primeiro ano do governo Bolsonaro, em 2019, de R$ 6 bilhões.
A Andifes contestou, por meio de nota, a justificativa dada pelo governo – a necessidade de reajustar os salários do funcionalismo público federal em 5%. A associação alega que a defasagem salarial é bem maior do que os 5% e sua recomposição não depende de mais cortes na educação, ciência e tecnologia. “É injusto com o futuro do país mais este corte no orçamento do Ministério da Educação e também no do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, que sofreu um corte de cerca de R$ 3 bilhões, inclusive de verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que são carimbadas por lei para o financiamento da pesquisa científica e tecnológica no Brasil. Não existe lógica, portanto, por que o corte de orçamento das universidades, institutos e do financiamento da ciência e da tecnologia brasileiras é que deva arcar desproporcionalmente com esse ônus”, afirma o texto.
UFMG prevê 'forte impacto' em vários setores
Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a reitora Sandra Goulart Almeida e o vice, Alessandro Fernandes Moreira, afirmam que o orçamento previsto para 2022 já era inadequado, sendo 7,43% menor que o de 2020 e semelhante ao executado em 2008. Na maior federal do estado, o contingenciamento anunciado, aplicado sobre as verbas de uso discricionário (usadas em despesas de água, telefone, eletricidade, manutenção e pagamento de terceirizados), corresponde a uma redução de R$ 32 milhões. “Se mantido, comprometerá o funcionamento e a manutenção da universidade, com forte impacto nas ações de ensino, pesquisa e extensão, além da assistência estudantil, inviabilizando o apoio aos estudantes mais necessitados”, afirmam em nota dirigida à comunidade.
“Os sucessivos cortes procedidos pelo governo federal ao longo dos anos vão na contramão de um projeto de país que investe nas universidades como agentes de desenvolvimento social e aliadas de primeira hora no enfrentamento de calamidades, catástrofes, emergências sociais e na permanente busca por melhoria das condições de vida de nossa população”, acrescentam os dirigentes da UFMG.
“Esses bloqueios orçamentários afetam toda a cadeia na qual se desenvolvem as áreas da ciência, da educação e da tecnologia em nosso país, comprometendo também, de forma incisiva, entidades essenciais para a produção de conhecimento, como Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Cortes dessa natureza configuram-se como um modo de cerceamento do direito constitucional da sociedade brasileira ao acesso à educação pública e de qualidade, base para o exercício pleno da cidadania e para a vivência democrática.
LINHA DO TEMPO
- » Fim de 2014
- Governo federal promove primeiros cortes na educação. Nos últimos meses daquele ano, só a UFMG perdeu R$ 30 milhões dos recursos previstos
- » Janeiro de 2015
- Decreto do governo federal reduziu em 33% os recursos mensais de órgãos subordinados à União. As instituições de ensino superior em Minas Gerais amargaram, nos três primeiros meses de 2015, déficit de pelo menos R$ 40 milhões. Com dinheiro a menos no caixa, que deveria ter mais de R$ 120 milhões, o jeito foi apertar o cinto e rever o orçamento, lançando mão de expedientes que foram da redução de bolsas de assistência estudantil à demissão de funcionários terceirizados
- » Agosto de 2016
- Um ano e meio depois, o MEC previa redução de 45% nas verbas de investimento (cerca de R$ 350 milhões) nas 63 universidades públicas do país para 2017. Nos recursos destinados ao custeio, a diminuição foi da ordem de 18% na comparação com o que havia sido previsto para 2016. Na Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), em Uberaba, desde o início ano houve redução de 50% dos funcionários terceirizados, de passagens e diárias, economia de água e energia e uma rodada de negociação de aluguéis, para fechar 2015 e 2016
- » Agosto de 2017
- Às voltas com cortes de verbas pelo quarto ano consecutivo, várias universidades mineiras foram surpreendidas em pleno processo de expansão e temiam parar de funcionar até o fim daquele ano. Caso da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), criada estrategicamente para atender alunos da região mais carente de Minas, que tinha R$ 60 milhões em obras paralisadas
- » Maio de 2019
- MEC anuncia corte de 30% às instituições da rede federal de ensino. Bloqueio imposto pela União àquelas situadas no estado passava de R$ 328 milhões. Para preservar as atividades de ensino, pesquisa e extensão, o Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG) optou por vários ajustes internos, como demissão de pessoal de segurança e limpeza. Praticamente no meio do ano, novos cortes inviabilizaram o pagamento de serviços básicos, como despesas com água, energia elétrica e atividades terceirizadas
- » 2020
- 40% dos recursos da Lei de Orçamento Anual (LOA) foram alocados como programações condicionadas e desbloqueados ao longo do ano; os outros 60% foram liberados para empenho pelo MEC
- » Maio de 2021
- Universidades federais sediadas em Minas Gerais tinham pelo menos R$ 73 milhões a menos em caixa. Amargando perda de quase 40% de seus recursos em relação a 2020, a UFMG temia chegar ao fim do ano endividada e com o caixa no vermelho, efeitos de um corte e bloqueio de verbas da ordem de R$ 103 milhões. Na época, estavam em perigo contratos de terceirizados, pagamento de bolsas e até mesmo o plano de retorno às atividades presenciais
- » Maio de 2022
- Governo anuncia corte de 14,5% no orçamento das instituições federais de ensino, inviabilizando a permanência dos estudantes socioeconomicamente vulneráveis, o funcionamento dos câmpus e a possibilidade de fechar as contas no fim do ano